O Estado de S.Paulo - 15/01/12
No livro A soma e o resto, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ensina que "a política não é a arte do possível. É a arte de criar condições para tornar possível o necessário". Com outras palavras o pensador de esquerda Frei Betto me disse um dia algo parecido: "Vou devagar, porque tenho pressa". Empresto as duas sentenças para argumentar que governar um país não é só agir sobre o momento imediato, é preciso preparar o caminho para construir o futuro. Não é desistir ao confrontar obstáculos, é resistir, desviar, reencontrar o rumo e seguir em frente. Pode demorar um pouco mais, mas na vida às vezes é preciso ir devagar para chegar mais rápido.
O ex-presidente Lula chegou em 2003 com muitos planos e gás para concretizá-los. Queria fazer as reformas previdenciária, sindical, trabalhista, tributária e, se possível, a política. Estava disposto a construir o futuro. E foi um fiasco. Das reformas, só a da Previdência andou um pouco, mas, de tão golpeada por tropeços políticos, saiu anêmica. Das outras ele desistiu logo, foi cuidar de desmanchar os estragos do mensalão, recompor alianças eleitorais nos Estados e construir maioria no Congresso. Para que maioria, se ele havia desistido do que era mais difícil, arrancar votos de deputados e senadores? Passou a concentrar a gestão no dia a dia, caprichar na paisagem do momento, garantir crescimento econômico e - o mais importante - vitórias eleitorais. O futuro e as próximas gerações que esperassem.
Nesse período sua ministra da Casa Civil tratou de tocar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cobrando resultados dos demais ministros numa emperrada e lenta estrutura de Estado e em que o vício da corrupção prosperava com a tolerância do então presidente. O PAC era voltado para o crescimento da economia e, em alguns aspectos, para o progresso social (Programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo). Não era um plano capaz de "criar condições para tornar possível o necessário", como disse FHC, e fincar raízes para fazer aflorar um crescimento seguro, estável, contínuo, sem soluços.
Mas o perfil técnico da ministra Dilma Rousseff e sua recusa em coordenar a ação política do governo - que tanto agradava a seu antecessor José Dirceu - indicavam que ela seguiria um caminho diferente de Lula, quando se tornasse presidente. Sua imagem de mulher corajosa e determinada lhe daria força para enfrentar o que fosse preciso para construir um futuro seguro e promissor.
Um ano depois, o governo Dilma não fixou sua marca, lança um programa aqui, outro ali, mas o que toca mesmo é o feijão com arroz do cotidiano. Não foi tolerante com a corrupção, como Lula, mas, insegura no trato com partidos aliados, tateia, vacila, recua, avança e só decide depois que o suspeito sangra em denúncias públicas. Não cuida de criar regras preventivas contra o malfeito. Não desistiu das reformas porque nem sequer cogitou de tocá-las e com isso vai perdendo a batalha do futuro.
Seu ministro da Fazenda não tem estratégia definida para induzir ao crescimento sem ameaçar a inflação e conduz a economia em zigue-zague: ora restringe o crédito, ora libera, ora aumenta impostos, ora reduz, e essa sistemática mudança de regras gera incertezas e acaba por afastar planos de investimentos. O BNDES despeja dinheiro subsidiado em grandes e escolhidas empresas, em prejuízo da maioria que pena por créditos para financiar projetos. O PAC empacou e os investimentos públicos em logística, transportes, portos, saneamento e água tratada são parcos e insuficientes. Foi preciso recorrer à privatização para tocar aeroportos, mas os editais não saem, ameaçando atrasar e as obras não serem concluídas até a Copa.
E a obsessão de crescer em 2012 a qualquer custo, entre 4% e 5%, tem levado a equipe econômica de Dilma a concentrar crânio, tempo e esforços na ação cotidiana, criando o que o jornalista Celso Ming já chamou de puxadinhos do Produto Interno Bruto (PIB) - medidas de efeito imediato para inflar o PIB deste ano, sem nenhuma conexão com estratégias de médio e de longo prazos. Se forem como os puxadinhos dos aeroportos, nem para isso servirão.