Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Não é bem assim Luís Eduardo Assis



O Estado de S. Paulo - 06/01/2012
 

O Brasil fechou o ano com reservas internacionais na casa de US$ 320 bilhões. "Nunca na história deste país" as reservas foram tão altas. Isso também é verdade para várias outras economias, já que o mundo foi inundado pela liquidez injetada pelos bancos centrais dos países em crise, mas este dado acaba por corroborar a impressão de que vivemos numa economia pujante, agora a sexta do mundo.
É frequente a comparação das reservas brasileiras ao dinheiro que as famílias separam, ou "reservam", para enfrentar imprevistos. Nesta imagem, esses recursos representariam uma poupança, um valor economizado. Não é verdade. Claro que é uma boa notícia as reservas estarem crescendo de forma exuberante. No final de 2005, não faz muito tempo, as reservas brasileiras estavam em US$ 53,8 bilhões. Desde então, elas cresceram nada menos que 554%. Mais: desde o começo de 2009, e de forma crescente, as reservas superam a dívida externa total brasileira, para júbilo e gáudio dos mais patriotas. De devedor quebrado nos anos 80 a credor líquido do mundo agora, prestes a "emprestar" dinheiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) - nada mal. Tudo resolvido? Não exatamente.
É bom ter reservas. A história dos anos 80 teria sido muito diferente não fosse o nível pífio das reservas internacionais. Também o êxito do Plano Real deve muito ao fato de que as reservas quadruplicaram entre 1991 e 1994. Mas não só essas reservas têm um alto custo (já que o Banco Central, BC, neutraliza os reais emitidos através da colocação de dívida cara) como elas geram, em grande parte, uma contrapartida em reais que pode ser reconvertida em moeda estrangeira se a percepção dos investidores se alterar. Isso porque o BC assume, para um grande número de operações, um passivo - uma dívida - em moeda estrangeira. Ingressos de recursos para a bolsa de valores, por exemplo, aumentam as reservas. Mas elas podem ser reduzidas a qualquer momento, se os estrangeiros resolverem se livrar das ações. O mesmo ocorre com empréstimos que podem deixar de ser rolados e mesmo, em medida impossível de ser aferida com exatidão, com os investimentos estrangeiros, já que parte significativa dessa rubrica se refere também a empréstimos de empresas multinacionais que arbitram taxas de juros.
Ou seja, ao contrário do que ocorre com uma "reserva" de recursos no seu sentido usual, as reservas internacionais do Brasil têm como contraface exigíveis que dependem dos humores do mercado e da avaliação que os investidores internacionais fazem da economia brasileira. Boa parte das reservas brasileiras não é, por assim dizer, dos brasileiros. O conceito mais abrangente que mede a obrigação do Brasil com o exterior é o passivo externo bruto (PEB). O PEB adiciona à divida externa os investimentos diretos, os investimentos na bolsa e as aplicações em renda fixa feitas por domiciliados no exterior. De acordo com o Banco Central, o passivo externo alcançou no ano passado US$ 1,43 trilhão, cerca de 62% do PIB e quatro vezes mais que o total de reservas internacionais. Desde 2005, esse passivo praticamente triplicou, no rastro do crescente déficit em transações correntes. Nunca antes neste país o passivo externo foi tão alto.
A conclusão é simples. Não é o volume de reservas, mas o grau de confiança da comunidade financeira internacional que determina a resiliência da economia brasileira às turbulências. Essa credibilidade, por sua vez, depende da percepção pelos investidores estrangeiros da consistência intertemporal da política econômica, vale dizer, do equilíbrio entre medidas estruturais que desobstruam os gargalos que impedem o aumento contínuo do produto e da renda e iniciativas que apenas tiram proveito da conjuntura favorável de curto prazo. Um alto volume de reservas, apenas, não garante nada. O jogo não está ganho. O jogo nem começou.

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