Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 10, 2011

Impressões sobre a Índia Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo - 10/05/2011
 

Estive recentemente na Índia, pela terceira vez. A obra Contrastes e Confrontos, do sempre atual Euclides da Cunha, veio-me à mente. O país, que ingressou há alguns anos no fechado clube nuclear, planeja lançar um foguete à Lua em breve e tem uma dezena de centros de excelência - os Indian Institutes of Technology, moldados a partir do norte-americano Massachusetts Institute of Technology (MIT) -, convive com uma das maiores concentrações de renda do globo e com níveis de pobreza aterradores.

Com mais de 1,2 bilhão de habitantes, a Índia representa 17,5% da população mundial - ante 19,4% da China. Tendo uma taxa de natalidade mais alta, em poucos anos a Índia se tornará o país mais populoso do planeta. De acordo com dados oficiais, 1% da população indiana é de milionários e bilionários (55 em 2010, segundo a revista Forbes); 10% integra a classe média alta e outros 13%, a classe média baixa. Os restantes 960 milhões, ou 77% dessa população, vivem abaixo do nível de pobreza, com poucas chances de inclusão na economia de mercado.

Segundo o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, os 77% da população que vivem com menos de R$ 1 (20 rupias) por dia são chamados de pobres e vulneráveis; 88% desse grupo é formado por castas e tribos; 85% são muçulmanos; a maior parte é analfabeta e sofre de desnutrição. Eles emergem como uma espécie de coalizão dos discriminados socialmente e economicamente abandonados.

O sistema de castas, abolido formalmente pela Constituição indiana, e o hinduísmo, uma espécie de união de crenças com estilo de vida, são em grande parte responsáveis pela aceitação dessa situação e pelo conformismo dos mais pobres. Essa realidade não impede, em casos isolados, contudo, a ascensão social e mesmo política, como ocorre no Estado de Kerala, onde uma mulher vinda da classe mais pobre e membro do Partido Comunista governa há mais de 20 anos.

Durante as minhas duas semanas entre Goa, Rajastão e a capital, Nova Délhi, dois assuntos se mantiveram prioritariamente na mídia: inflação e corrupção.

A economia cresce à taxa de cerca de 10% e a inflação, medida pelo índice de preços ao consumidor, chegou a 8,5%, puxada pela alta dos preços dos alimentos. O governo, preocupado com a erosão da renda dos mais pobres e com a repercussão política do aumento dos sinais inflacionários, estava tomando medidas para reduzi-la a 7% nos próximos meses.

No quesito corrupção, chamado de "temporada de fraudes", discutiam-se os bilhões desviados pelo funcionário responsável pela organização dos Jogos da Comunidade Britânica, em Nova Délhi; a perda de US$ 40 bilhões na venda de concessões de telecomunicações; e o desaparecimento de mais US$ 40 bilhões no Estado de Uttar Pradesh destinados a programas subsidiados de alimentos e combustível para os pobres. Publicou-se que 75% dos parlamentares e membros das Assembleias Legislativas têm registros criminais ou estão sendo investigados, pelo equivalente à nossa Polícia Federal, por delitos que vão desde desvio de recursos públicos a assassinatos.

O governo da Índia começou a adotar medidas concretas contra políticos poderosos. Um ministro de Estado foi demitido e outro, que dirigia a organização dos jogos, foi preso, juntamente com o ministro das Comunicações, responsável pela concorrência na sua área de atuação. As licitações online estão sendo ampliadas e um projeto de lei que reforma o processo de compras governamentais está sendo discutido. A situação despertou tanta reação na opinião pública que o primeiro-ministro Singh, que raramente concede entrevistas, se sentiu obrigado a ir à televisão responder a perguntas de jornalistas sobre os escândalos e sobre as providências que o governo estava tomando. No meio da entrevista, a que assisti, o primeiro-ministro candidamente observou que seu partido não tinha maioria no Congresso e, como se tratava de um governo de coalizão, teria de atuar com cautela para punir os culpados. Do contrário, teria de convocar eleições a cada seis meses...

O debate público sobre a crescente onda de escândalos adiou as decisões já tomadas pelo governo a respeito das reformas estruturais e paralisou o Parlamento, pela ação da oposição, que desejava uma comissão de inquérito para apurar as fraudes.

A discussão sobre as prioridades do governo e do Congresso - sem que haja acordo político para aprovação - inclui também as reformas política, tributária, da previdência social e trabalhista. Para os próximos cinco anos o governo já anunciou ambicioso plano de investimento, de mais de US$ 1 trilhão, destinado a melhorar as condições precárias da infraestrutura nas estradas, nas ferrovias, nos portos, além de bilhões adicionais para o reequipamento das Forças Armadas e o bem-estar social. Tudo isso, comentava-se, virá a aumentar as oportunidades de corrupção e de escândalos.

Nós, aqui, no Brasil, que não estamos acostumados com esses problemas, estranhamos...

Depois de conhecer mais de perto a situação social da esmagadora maioria da população da Índia, ficou reforçada minha convicção de que o Brasil só não resolverá a situação de miséria em que se encontram ainda cerca de 16 milhões de concidadãos se não quiser. Conhecidas as dificuldades dos governos da China, da Índia e da Rússia para aumentar a inclusão social, o Brasil apresenta um quadro, embora ainda doloroso, administrável. Comparando a qualidade dos centros de excelência e de algumas universidades da Índia com o nosso cenário universitário, refletido nos lamentáveis resultados para o Brasil em recente pesquisa, também ficou reforçada minha certeza de que a reserva de mercado universitário brasileiro tem de ser quebrada para permitir, como na maioria dos países, a competição intelectual com estrangeiros qualificados.

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