O Estado de S. Paulo - 09/05/2011 |
O jogo político em sociedades democráticas passa pela formação da opinião pública. Ideias, concepções e valores fazem parte do contexto de lutas públicas, partidárias ou não, em que diferentes propostas se confrontam. Começam, dessa maneira, a se formar determinados apoios majoritários ou mesmo consensuais a certas ideias, que passam, então, a ser consideradas "normais" - precisamente por serem tidas por mais usuais, como se sua frequência fosse indicativa de sua "normalidade". Eis por que surgem distintas maneiras de legitimar decisões, recorrendo aos mais diferentes instrumentos, tendo como objetivo ganhar a adesão dos cidadãos. Decisões que não passem por esse "ritual" correm o risco de ser ineficazes. Pesquisas de opinião, dos mais distintos tipos, cumprem, também, essa função. Observe-se que muitas notícias e manchetes de jornais e revistas estampam que teria havido uma mudança de comportamento dos brasileiros em relação a determinados hábitos, sem que sejam expostas as condições mínimas a partir das quais tais pesquisas foram realizadas. Qual foi a margem de erro dessas pesquisas? Qual o rigor de sua amostragem ou do uso de sistemas de cotas, como gênero e região do País, e modo de entrevistas? Surge, simplesmente, a notícia como se ela retratasse a realidade, sem que indagações ou precauções mínimas sejam tomadas. Há pouco tempo, o Ministério da Saúde divulgou uma pesquisa com 55 mil pessoas, feita por telefone, sobre os hábitos de brasileiros referentes a fumo, bebidas alcoólicas e obesidade. Imediatamente foram divulgados os resultados, a partir de certas correlações com pesquisas anteriores que indicariam aumento ou queda de certos comportamentos. A margem era tão estreita entre uma e outra que nem se poderia falar de uma mudança de hábito. Qual a sua credibilidade? Algumas perguntas deveriam impor-se. Qual era a margem de erro dessas pesquisas? Qual a confiabilidade de uma pesquisa desse tipo, na medida em que não há uma listagem pública de telefones celulares no País? Quem não tem telefone fixo não poderia, por princípio, ser entrevistado? Não convém esquecer que o número de celulares no País ultrapassa atualmente o de convencionais. Notícias, no entanto, foram apresentadas como se esses comportamentos, já tidos valorativamente como nocivos, devessem ser ainda mais controlados. Era evidente o propósito de que tais "pesquisas" servissem de antessala para novas medidas restritivas. Para que elas possam ser tomadas, porém, torna-se necessária uma preparação preliminar, que seria preenchida precisamente pela pesquisa de opinião. O objetivo reside no convencimento, e não numa radiografia fiel da realidade. O mais surpreendente ainda é que outras pesquisas não sejam feitas justamente para contestar ou ao menos equilibrar, do ponto de vista da formação pública, tal tipo de expediente. Outro caso bastante em voga, e que se acentuará nos próximos meses, é o da campanha do desarmamento. As pesquisas aqui em pauta têm igualmente um forte componente retórico, feito para o convencimento dos cidadãos. Depois do referendo que terminou com a acachapante vitória do não, em inequívoca decisão favorável à liberdade de escolha, toda a política governamental consistiu em desconsiderar o resultado da vontade do povo. O povo, em eleições livres, decidiu pela liberdade de escolha. O que fez o governo? Decidiu estabelecer tal número de restrições à compra de armas que acabou por inviabilizá-la. Se tal tivesse sido o resultado da consulta, nada haveria a objetar. Como não o foi, a pergunta concerne ao próprio respeito a procedimentos democráticos. Com o intuito de dar legitimidade a esse desrespeito a uma decisão democrática, o subterfúgio usado consistiu em produzir supostos estudos que estabelecem correlações estatísticas tendo como pressuposto que o "povo decidiu mal". A pesquisa visaria, então, a corrigir tal "anomalia". Assim, estudos são produzidos dizendo que a violência diminuiu graças ao desarmamento da população civil. Ora, correlações estatísticas podem ser feitas entre os mais distintos fatores, não indicando necessariamente uma relação causal. Por exemplo, a violência pode ter diminuído por outras causas, como maior eficiência da polícia, decisões judiciais, maior apreensão de armas de bandidos, políticas sociais para populações de baixa renda, unidades pacificadores em morros e favelas, e assim por diante. Privilegiar o desarmamento de pessoas de bem carece de qualquer base científica. No entanto, é essa aparência que procura ser "vendida" à sociedade, em nome de uma suposta "cientificidade" do estudo ou de uma pesquisa. Outro caso que já povoa as páginas de jornais é o de pesquisas de opinião eleitoral relativas à apreciação dos graus de satisfação com os atuais governadores e prefeitos, além de outras ainda que já procuram medir o potencial dos candidatos às eleições municipais do próximo ano. A margem estimada de erro de pesquisas de opinião se faz segundo o universo dos entrevistados. Assim, se uma pesquisa de opinião pública for feita com mil entrevistas, sua margem de erro é de 3 pontos porcentuais para mais ou para menos (total de 6 pontos). Se for com 600 entrevistas, a margem de erro sobe para 4 pontos para mais ou para menos (total de 8 pontos). Neste último caso, se se analisar apenas o comportamento das mulheres, metade aproximada da amostra por gênero, o problema se agrava. A margem de erro sobe, então, para 6 pontos para cima ou para baixo (total de 12 pontos). Eis por que se deve ter o maior cuidado na leitura de certas notícias, pois pode acontecer que seu objetivo seja meramente retórico, o convencimento do outro, e não um retrato, embora momentâneo, da realidade. Contudo esse é, do ponto de vista público, o processo mesmo de formação da opinião pública. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, maio 09, 2011
Democracia e pesquisas de opinião Denis Lerrer Rosenfield
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