O Estado de S.Paulo - 11/04/10
O saber simular (parecer aquilo que não é) e o saber dissimular (não parecer aquilo que é) há séculos são considerados expressões de sabedoria política. São três as grandes vantagens da simulação e da dissimulação - escreveu Bacon há 400 anos. "Primeiramente, fingir uma oposição adormecida, e surpreender. Pois se as intenções de um homem são anunciadas, segue-se um toque de alarme para reunir todos os que a elas se opõem. A segunda é resguardar para a própria pessoa um refúgio satisfatório. Pois se um homem se compromete com alguma declaração, ou bem ele avança ou cai. A terceira é descobrir o que se passa na mente do outro."
Há também três desvantagens - nota o mesmo autor. "A primeira, que a simulação e a dissimulação costumam ter um aspecto de receio, que costuma estragar o encaminhamento de qualquer negócio. A segunda, que ambas confundem e desorientam a disposição de muitos, que talvez se dispusessem a cooperar. A terceira desvantagem, e a maior de todas, é que elas privam o homem de um dos principais instrumentos de ação, isto é, confiança e credibilidade."
Na verdade, Bacon sintetizou uma tradição milenar do realismo político, muito anterior a Maquiavel, que sempre considerou que ao governante fosse lícito aquilo que Bodin denominou "a mentira útil, como se faz com as crianças e os doentes". Todavia, como notou Bobbio, "a comparação de súditos (ou eleitores) com crianças e doentes fala por si só: as duas imagens mais frequentes nas quais se reconhece o governante autocrático (ou de instintos e propensões a tal), são aquelas do pai e do médico: os súditos (ou eleitores) não são cidadãos livres, saudáveis e responsáveis. São ou menores de idade que devem ser cuidados e educados, ou doentes que devem ser curados e cuidados." Esse tipo de político - continua Bobbio - pode simular e dissimular, "tanto mais impunemente quanto mais os (eleitores) não têm à sua disposição os meios necessários para controlar a veracidade daquilo que lhes foi dito".
Essas observações abriram um artigo que publiquei neste espaço já lá se vão alguns anos (Descolamentos Preocupantes, 8/7/2007). Volto a elas por duas razões. A primeira, porque, relendo recentemente os Analects de Confúcio, fiquei mais impressionado do que na primeira leitura, décadas atrás, com a recorrência e o papel central, no confucionismo, da importância de uma pessoa ser confiável naquilo que diz, viver de acordo com suas palavras e de ser mais rápida e eficaz nas ações que realiza que no uso do seu palavreado - que não deveria variar conforme a audiência e as circunstâncias do momento.
A segunda razão tem que ver com o fato de que faltam apenas seis meses para uma eleição de crucial importância para nosso futuro. Uma eleição que não será disputada por um ex-presidente e por um quase ex-presidente (ambos respeitáveis e aos quais o País tanto deve), mas por candidatos (também respeitáveis) que se apresentam ao eleitorado como alternativas para governar o País no futuro, mirando os próximos quatro anos. É sobre esses últimos - nomes, biografias, experiências, propostas, pessoas e forças que os apoiam - que deveria estar o foco do eleitor e dos meios de comunicação. Tentando avaliar quem poderia, governando, fazer mais - e melhor - na prática, não na quantidade de promessas de campanha.
Não se trata tanto da tradicional demanda por um "programa de governo". Mas de claras definições, não genéricas, sobre a natureza dos desafios a enfrentar e das prioridades da hora e para o próximo quadriênio - de maneira que possam ser percebidas, pelo leitor, como algo que lhe diga respeito, que para ele faça sentido, que o ajude a avaliar e refletir sobre sua circunstância, sua comunidade, seu país, seu mundo e seu futuro.
Não deveria ser impossível apresentar ao eleitorado uma visão mais ou menos coerente sobre o muito que há por fazer para tentar assegurar o desenvolvimento econômico, social e tecnológico de forma sustentada. O que exige a consolidação de avanços na área macro, uma visão fiscal de médio e de longo prazos, além de muitos avanços adicionais em infraestrutura, bem como nas áreas micro, regulatória, educacional, de reformas e de meio ambiente.
Não é fácil fazê-lo. Nunca foi e nunca será, mas o debate talvez pudesse ajudar a separar discussões e propostas sérias de charlatanismos e demagogias. A distinguir ações efetivas de voluntarismos que se dissolvem no ar. A avaliar a consistência dos IGPPr"s (como citou Elio Gaspari) os "índices gerais de promessas presidenciais" nas suas versões A, de ampliadas, e E, de expurgadas de promessas não cumpridas ou simplesmente esquecidas, porque não eram mesmo destinadas a sobreviver o curto espaço de uma campanha.
Afinal, "ninguém mais hoje acredita que dois mais dois podem ser cinco desde que haja vontade política". Como disse o ilustre ex-ministro Delfim Netto ao se referir ao aparente abandono das ilusões voluntaristas que tanto marcaram o debate econômico e político no Brasil. O próprio ministro acha que seu "ninguém mais" talvez seja um exagero. Mas o fato é que os brasileiros, hoje (talvez em sua maioria), não acreditam mais em mágicas, messianismos, rupturas e bravatas. Graças em larga medida a um quarto de século de democracia e, particularmente, a uma grande imprensa livre e independente que permite o diálogo do País consigo mesmo, o Brasil, quero crer (espero que não ingenuamente), acredita hoje mais em trabalho sério, persistência, coerência, continuidade do que deva ser preservado, mudança pensada do que deva ser mudado, mais ação operacional consequente, resultados efetivos, mais ética na política. E em candidatos que tenham o dom "confuciano" de parecerem, e serem, "confiáveis naquilo que dizem" - e se propõem a fazer.
ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC
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