FOI ALI na rua México, no centro do Rio, por volta das quatro horas da tarde -numa tarde de 1993-, quando me dirigia para o palácio Gustavo Capanema, que, ao cruzar a rua, ouvi alguém gritar: -Meu poeta!
A voz vinha da outra calçada, de um homem de paletó desabotoado, largo no corpo, e uma pasta na mão. Era Tom Jobim, que me acenou, sorrindo, no meio de outros transeuntes. Foi uma alegria ouvi-lo, vê-lo, e tive vontade de mudar de rumo e, em vez de seguir para a Funarte, ir abraçá-lo, mas ele se foi. Teria sido nosso último abraço, que não houve.
Foi na casa de Joaquim Pedro de Andrade que, certa manhã de junho de 1968, ele, eu e Jânio de Freitas acertamos com Hélio Pellegrino o que deveria dizer, no dia seguinte, no Palácio Guanabara, em nome dos intelectuais, que ali estariam para exigir do governador Negrão de Lima que contivesse a violência de sua Polícia Militar. É que os protestos contra a ditadura estavam sendo ferozmente reprimidos pela PM, que, aliás, divulgara uma nota ameaçadora, afirmando que, a partir daquele dia, seria "olho por olho, dente por dente". O palácio foi tomado por dezenas de intelectuais -de Clarice Lispector a Oscar Niemeyer-, dando início à mobilização que desembocaria na Passeata dos Cem Mil.
Outras vezes estive na casa de Joaquim Pedro, ali, na rua Nascimento Silva, em Ipanema. Lá foram tomadas as decisões que resultaram na primeira manifestação, no Teatro Casa Grande, que deflagrou a frente ampla contra a ditadura. Do ato público, que deu início àquela etapa decisiva, participaram Tancredo Neves e Ulisses Guimarães. Ao final, todos os integrantes da mesa levantaram os braços de mãos dadas, num gesto que se tornaria simbólico e que tem sido repetido ao longo dos anos, nas mais diversas ocasiões.
A última vez que estive com Joaquim Pedro foi num jantar com outros amigos. Logo depois, ele adoeceu gravemente e se foi. Fumava muito.
Mantinha uma relação especial com Glauber Rocha: afetuosa e conflitante. Variava. Certa noite, juntamente com ele, Mário Pedrosa e Darcy Ribeiro, participei de uma entrevista sobre o exílio. Em meio à entrevista, Glauber começou a atacar o Partido Comunista, acusando-o injustamente, a ponto de Mário Pedrosa -que estava longe de simpatizar com o PCB- tomar a defesa do partido. É que Glauber, de quando em vez, se levantava, ia ao banheiro e voltava pilhado.
Noutra ocasião, telefonou convocando-me para tomarmos de assalto a redação de "O Jornal", órgão dos Diários Associados, que era motivo de disputa entre os herdeiros de Assis Chateaubriand. Tentei dissuadi-lo daquela maluquice, mas não consegui. De qualquer modo, ficou tudo em conversa mesmo.
Noutras ocasiões, conversamos e rimos, como amigos que éramos e de uma amizade que superava qualquer eventual discordância. Quando, de volta do exílio, desembarquei no Galeão, sem saber o que me esperava, ele estava lá entre os muitos artistas e intelectuais que foram ali me dar respaldo. Graças a eles, saí livre do aeroporto e pude dormir, de novo, depois de muitos anos, em minha cama brasileira, na rua Visconde de Pirajá, 630.
Anos mais tarde, quando fui vê-lo, morto, na Escola de Artes Visuais, os pés descalços, os tornozelos presos por uma corda, metido numa calça amarfanhada e numa camisa de mangas curtas, desabotoada, engoli em seco. A vontade que tive foi de me jogar sobre ele, abraçá-lo e chorar nosso desamparo e nosso afeto. Enxuguei os olhos e fui embora.
Depois de seu sepultamento no cemitério São João Batista, ao voltar para casa, perdido no mundo, comecei a escrever um poema que terminava assim:"O morto está morto:só falta embrulhá-loe jogá-lo fora"
Eu estava em Paris e soube que Leon Hirschmann encontrava-se lá para tratar de um câncer. Telefonei-lhe com a intenção de visitá-lo, mas ele se esquivou. "A gente se vê no Rio, tá?" De fato nos vimos, em sua casa, aqui, em Copacabana. Ele estava devastado pela doença, seu rosto diminuíra estranhamente. Pareceu-me hostil, não queria ser visto naquele estado. Saí de lá desarvorado.
Depois foi Mário Pedrosa, que encontrei na praia de Ipanema, acompanhado de uma enfermeira. Fui falar-lhe, mas não me reconheceu. No entanto, aqueles olhos cinza-azulados, eu os conhecia; eram os olhos do amigo carinhoso, com quem tanto aprendi. São coisas doídas estas, não? Mas as lembro com doçura, porque as trago comigo e, em mim, esses amigos continuam vivos, olhando o mundo por meus olhos. E, às vezes, até rindo juntos, quando achamos em algo a mesma graça.