A decisão das grandes redes de supermercados — Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar — de exigir dos frigoríficos comprovações de que a carne fornecida por eles não vem de áreas de desmatamento é um salto civilizatório. O caso vai separar as empresas modernas das arcaicas. As primeiras reações dos frigoríficos e da CNA não são animadoras. O BNDES ficou de averiguar as denúncias feitas pelo Greenpeace. Os supermercados tomaram a decisão certa.
Se as grandes redes cumprirem o que disseram, o consumidor brasileiro em breve terá o conforto de saber que, ao degustar um filé, não está derrubando a Amazônia.
O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda, me disse numa entrevista recente que a tendência é que as grandes redes sejam seguidas em breve pelas redes regionais. Assim, a pressão pode se generalizar.
O frigorífico Bertin divulgou ontem um comunicado dizendo que já foi informado pelo Pão de Açúcar que não poderá fornecer carne das unidades industriais localizadas no Pará, e que vai acatar, só fornecendo de outras unidades.
Disse também que antes de fazer suas compras, faz consultas diárias à lista suja do trabalho escravo e à lista de propriedades embargadas pelo Ibama. Na nota, o frigorífico repete o que está em seu site: que já tinha descredenciado 141 produtores de gado de áreas embargadas pelo Ibama e 24 produtores que entraram na lista suja do trabalho escravo.
Outros frigoríficos, e os líderes da classe, preferem o arrogante silêncio ou o confronto.
A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e a Associação das Indústrias Exportadores de Carne (Abiec), vão processar o Greenpeace, autor do estudo que rastreou a carne servida aos brasileiros e mostrou que os grandes frigoríficos tem unidades de processamento em região de desmatamento e compram de produtores que criam gado em área desmatada.
O BNDES foi acusado no estudo de ser sócio do desmatamento: tem R$ 6 bilhões em ações dos três maiores frigoríficos citados — JBS Friboi, Marfrig e Bertin. Ele ainda tem feito vultosos empréstimos ao setor. O banco se reuniu com o Greenpeace e divulgou esta resposta: “Vamos analisar cuidadosamente o relatório. Se forem comprovados indícios de irregularidades, serão adotadas medidas já previstas em contrato, que vão desde a suspensão dos desembolsos até o vencimento antecipado dos contratos”.
O diretor de campanhas do Greenpeace, Sérgio Leitão, (a propósito: não é meu parente), disse que saiu insatisfeito da reunião porque em três horas o banco não conseguiu responder às três perguntas fundamentais: quem são os financiados na cadeia da pecuária? Quando haverá uma auditoria independente como a que está sendo exigida pela Abras? Quais são as condições do financiamento aos três grandes frigoríficos? O Ministério Público, no começo do mês, entrou com 21 ações contra os frigoríficos e pecuaristas que produzem ou comercializam carne em áreas de desmatamento.
Neste caso, a resposta da CNA foi, de novo, ameaçar com “medidas judiciais cabíveis”.
Segundo a entidade ruralista, a ação do MP vai “inviabilizar toda a cadeia de pecuária de corte do Pará, que responde por 35% do abastecimento de carne do país”.
O Greenpeace fez uma investigação detalhada, mas não é o primeiro a falar isso.
Reportagens, estudos técnicos como os do Imazon, já vinham mostrando a estreita ligação entre pecuária e desmatamento no Brasil. A revista “Época” publicou, meses atrás, a lista dos grandes frigoríficos e suas unidades de abate em municípios campeões de desmatamento.
Perguntei, num programa recente na Globonews, sobre este texto da revista ao atual presidente da Abiec, Roberto Gianetti da Fonseca. Ele disse desconhecer o assunto e duvidar da informação. Eu entreguei a ele uma cópia da reportagem.
Isso foi antes do estudo do Greenpeace. As denúncias estavam sendo postas com frequência para os grandes produtores mas eles preferiram ignorar o alerta. Agora, veio o estudo da ONG e a reação das redes de supermercados.
A notícia correu o mundo.
Jornais estrangeiros e agências internacionais estão acompanhando o assunto e por dois bons motivos: a Amazônia é a maior floresta tropical do planeta e o Brasil é o maior exportador de carne. Seria ingenuidade achar que a falta de controle e o mau comportamento dos produtores não seriam vigiados por outros países. Aqui neste espaço alertei várias vezes o setor, como na coluna “Pecados da carne”, de 2007. O Brasil em poucos anos passou todos os seus competidores em exportação: Argentina, Nova Zelândia, Canadá, Austrália e Estados Unidos. Hoje, de cada três toneladas de carne exportada, uma sai do Brasil.
Com um desempenho assim, o certo a fazer era aumentar as garantias de produção sustentável, melhorar a sanidade animal, montar sistema de rastreabilidade para comprovar ao cliente a origem da carne.
Pressionados pelo mercado europeu, os grandes produtores — como esses citados no estudo: Marfrig, Friboi, Bertin — criaram sistemas de rastreabilidade para atender às exigências sanitárias.
Mas não adotaram o mesmo sistema para garantir que a carne não vem da Amazônia. A pressão do consumidor pode mudar isso.
oglobo.com.br/miriamleitao
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COM ALVARO GRIBEL