As limitações pessoais e os erros históricos dos líderes aliados
na II Guerra Mundial são examinados com rigor em um novo
livro sobre o tema. Mas não se perde de vista o fundamental:
o mundo é um lugar melhor porque eles venceram
Nelson Ascher
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Até que ponto a vida e a morte de milhões de pessoas, de povos e nações inteiras, dependem, às vezes, das decisões de alguns poucos indivíduos? E, sobretudo nas grandes encruzilhadas históricas, quanto dessas decisões é racional e quanto decorre das excentricidades, para nem falar dos erros e enganos, de cada qual? São perguntas assim que emergem de Os Três Grandes (tradução de Gleuber Vieira; Nova Fronteira; 488 páginas; 89,90 reais), do jornalista e historiador Jonathan Fenby. Ao descrever e esmiuçar as difíceis relações entre Winston Churchill (1874-1965), Josef Stalin (1879-1953) e Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), líderes da Inglaterra, da União Soviética e dos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial, o autor penetra nos meandros das discussões, acordos, desacordos, concessões, suspeitas, negociações e trapaças que determinaram os rumos daquela conflagração – e muito do que ainda caracteriza o mundo contemporâneo.
Quando o primeiro-ministro britânico, o autocrata soviético e o presidente americano começaram a trabalhar juntos com o intuito de derrotar militarmente seus rivais, a Alemanha nazista, a Itália fascista, o Japão imperial e outros colaboradores menores, tudo o que, de fato, tinham em comum eram a faixa etária (a meia-idade beirando a velhice), o estado de saúde (geralmente sofrível), a experiência de longas carreiras políticas e um gosto pelo cinema. De resto, eles procediam de meios diferentes, desde o aristocrata hereditário inglês até o self-made man georgiano que, de humilde terrorista provinciano, se transformara em ditador, passando pelo americano que, embora de alta classe média (o único do trio que se formou numa universidade), não deixava de ter seu lado populista. Ademais, descontando seu objetivo consensual, a rendição incondicional do inimigo, cada um tinha uma visão diferente de mundo e metas distintas para o futuro.
Time & Life Pictures/Getty Images |
AMIGO AMERICANO Harry Hopkins (à esq.), conselheiro do presidente Roosevelt, visita o ditador Stalin, em 1941: receptivo demais aos interesses dos futuros inimigos |
Churchill, apegado à era vitoriana, desejava preservar o império britânico, que via como o principal pilar de uma ordem internacional civilizada. Stalin, o revolucionário, queria enterrar tudo isso, estendendo ininterruptamente as fronteiras dos próprios domínios. Roosevelt, mais pragmático do que visionário, beneficiara-se da fama (até certo ponto injustificada) de ter salvo seu país da Grande Depressão e, reconhecendo o peso e a importância geopolítica crescentes dos Estados Unidos, pensava igualmente numa nova ordem, só que liberal e pós-colonial. Assim, nas horas mais negras, os três viam também oportunidades variadas. Nenhum conseguiu tudo o que queria. O império britânico se desfez e sua matriz foi à bancarrota. A União Soviética estendeu suas fronteiras europeias sem, no entanto, conseguir se apossar da metade ocidental, a mais valiosa, do continente. Os Estados Unidos conquistaram não tanto as glórias da hegemonia como o ônus de uma superpotência, cuja recompensa costuma ser o rancor das demais nações. E, se tampouco asseguraram às gerações vindouras a harmonia celeste, eles pelo menos as salvaram da paz dos cemitérios e mantiveram o planeta girando, imperfeitamente como sempre, em torno de seu eixo.
O que Jonathan Fenby faz de modo competente e agradável em sua narrativa é, à medida que apresenta a crônica de suas decisões, ações e, principalmente, encontros bi ou trilaterais, iluminar o caráter e o temperamento de cada líder, suas virtudes e limitações pessoais. Pode-se, graças ao autor, seguir o desenrolar de um evento tão crucial e complexo do ponto de vista de suas mais altas instâncias decisórias, algo que, em vez de sugerir onipotência, antes revela quão estreitos eram não raro os horizontes das lideranças, quão parciais e limitadas suas informações. Malgrado se concentrar no trio de gigantes, o autor apresenta com detalhes vivos uma impressionante galeria de personagens secundários, como o chinês Chiang Kai-shek, o francês Charles de Gaulle ou Harry Hopkins, um dos principais conselheiros de Roosevelt, seu emissário junto a Churchill e Stalin, responsável central pela ajuda econômica americana aos aliados (inclusive aos soviéticos, futuros inimigos na Guerra Fria: Hopkins era receptivo demais às queixas e aos interesses de Stalin).
Sessenta e quatro anos após seu fim e duas décadas depois da conclusão do conflito seguinte (a Guerra Fria), a II Guerra, que entre 1939 e 1945 dividiu o planeta em dois campos que lutavam pela supremacia, parece, para muitos, coisa do passado, capítulo de uma história que diz respeito a avós e bisavós. No Brasil, essa impressão de relativa irrelevância, ainda mais forte, subjaz a um amplo desconhecimento e leva um sem-número de pessoas a opinar irresponsavelmente e fora de contexto a respeito de episódios isolados. Daí a facilidade com a qual se passam julgamentos sobre o bombardeio de Dresden ou a devastação nuclear de Hiroshima e Nagasaki. Quanto menos se sabe sobre o assunto, mais simples é concluir quem é o mocinho, quem o bandido ou, pior, afirmar que, no fundo, são todos vilões. Uma leitura superficial deste livro é capaz até de reforçar um juízo desses, já que nem Stalin, o genocida, nem Churchill, o imperialista da velha escola, nem Roosevelt, que acreditava no destino manifesto dos compatriotas, saem de suas páginas com uma imagem inequivocamente positiva. Que se possa compará-los e avaliá-los, porém, somente enfatiza a justiça de seu sucesso, pois é quase inconcebível quão pior seria o mundo caso tivessem fracassado.