1.
A distância entre a viela Bahlar, onde mora Zaki Bek el Dessuqi, e seu escritório no Edifício Yacubian não ultrapassa cem metros, mas ele leva uma hora para percorrê-la a cada manhã enquanto cumprimenta todos os amigos na rua: os donos de lojas de roupas e sapatos, e seus vendedores de ambos os sexos, os garçons, os funcionários do cinema e os frequentadores do Café do Brasil. Até os porteiros, os engraxates, os pedintes e os guardas de trânsito, Zaki Bek conhece pelo nome; com eles troca saudações e as últimas notícias.
Um dos moradores mais antigos da rua Suleiman Paxá, Zaki Bek mudou-se para lá no final dos anos 40, quando retornou de uma missão à França; depois disso, nunca mais a deixou. Os moradores da rua o tratam como um personagem folclórico adorável sempre que aparece diante deles, no verão ou no inverno, com seu terno que esconde em sua extensão um corpo franzino e desengonçado. Um lenço combinando com a gravata e colocado com esmero sobressai do bolso do paletó; na boca, seu famoso charuto, que nos dias de glória costumava ser um legítimo Havana, mas que agora não passa de um charuto de fabricação nacional mal prensado e de odor desagradável. O rosto, enrugado pelos anos; os óculos, de lentes grossas; a dentadura postiça; as poucas mechas de cabelo tingidas de preto e penteadas de um lado a outro da cabeça para tentar disfarçar a calvície... Em resumo, Zaki el Dessuqi era uma espécie de figura lendária; o que tornava sua presença desejada mas ao mesmo tempo bastante surreal (era como se ele pudesse desaparecer a qualquer instante ou fosse um ator em plena encenação que, ao terminar a apresentação, tiraria o figurino e voltaria a vestir seus trajes habituais). Acrescente-se a isso tudo seu espírito efusivo, as piadinhas que contava a toda hora e sua impressionante capacidade de tratar como um velho conhecido absolutamente qualquer pessoa que cruzasse seu caminho, e é possível entender por quê, quando Zaki Bek despontava na rua por volta das dez da manhã, todo mundo o recebia com entusiasmo. As saudações vinham de toda parte, e, via de regra, logo se aproximavam dele seus fiéis "discípulos", jovens funcionários das lojas da região que o inquiriam, em tom de broma, sobre todo tipo de questão sexual, tabu para eles. Era a deixa para que Zaki Bek lançasse mão de seu vasto repertório sobre o tema e explicasse minuciosamente, em êxtase, os segredos carnais mais sutis enquanto erguia a voz para que todos o ouvissem. De vez em quando, pedia papel e caneta, fornecidos em um piscar de olhos, e desenhava da forma mais clara possível algumas posições sexuais curiosas que havia praticado na juventude.
Restam alguns dados importantes sobre Zaki el Dessuqi: era o filho mais novo do paxá Abdel Aal el Dessuqi, famoso chefe do partido Wafd que fora ministro diversas vezes e outrora, antes da revolução, constituía um dos homens mais ricos do país. À época, sua família possuía mais de cinco mil feddan das melhores terras agrícolas. Zaki estudara engenharia na Universidade de Paris, e era de esperar que desempenhasse um papel político de destaque no Egito por causa da influência do pai e de sua riqueza. De repente, porém, veio a revolução, e a situação se modificou: as terras do paxá Abdel Aal foram expropriadas e ele foi levado ao tribunal da revolução, mas as acusações de corrupção política não foram comprovadas. Apesar disso, Abdel Aal permaneceu detido durante algum tempo, e suas terras foram distribuídas como parte do programa de reforma agrária. Não demorou para que o paxá morresse, abalado pelo que acontecia, e a catástrofe do pai abateu-se sobre o filho. O escritório de engenharia que abrira no Edifício Yacubian entrou em declínio e transformou-se, com o tempo, em um lugar onde Zaki Bek passava as horas livres lendo jornal, tomando chá, encontrando os amigos e as amantes ou ficando na varanda a contemplar as mulheres e os carros da rua Suleiman Paxá.
De qualquer modo, seu fracasso profissional não se devia apenas à revolução; os motivos principais eram sem dúvida sua falta de vontade e uma devoção exagerada ao prazer. Zaki Bek tinha sessenta e cinco anos, e sua vida, em todos os seus encontros e desencontros, alegres ou tristes, girava em torno de uma única obsessão, de uma só palavra: mulheres... Ele é um desses homens que cedem completamente aos encantos femininos. Para ele, a mulher não é um desejo que se incendeia uma vez antes de apagar-se aos poucos e chegar ao fim, mas todo um mundo de paixões que se renova infinitamente motivado por imagens diversas: seios volumosos e firmes, com bicos proeminentes como uvas saborosas; um traseiro maduro a rebolar como se aguardasse um impetuoso ataque surpresa pelas costas; lábios carnudos que sorvem o beijo e gemem de prazer; e cabelos de todos os tipos (longos, soltos e lisos; selvagens em desalinho; médios, clássicos e comportados, ou então aqueles curtos à la garçon que inspiram estranhas fantasias sexuais); e olhos... ah!... olhares sinceros ou dissimulados, libertinos ou tímidos, até os que revelam uma certa irritação, enfado ou rejeição. Como elas são lindas!
Zaki Bek amava as mulheres a esse ponto ou ainda mais. Conheceu-as de toda espécie, a começar pela nobre Camila, sobrinha do antigo rei, com quem aprendeu os protocolos hipócritas da realeza e seu cerimonial: velas acesas a noite inteira, a taça de vinho francês que aquece o desejo e dissipa o medo, e o banho quente seguido de óleos e perfumes antes do encontro... Aprendeu com a nobre Camila (dona de um apetite sexual desmesurado) como começar, quando parar e como pedir os mais lascivos jogos sexuais com refinados termos franceses. Zaki Bek deitara-se com mulheres de todas as camadas sociais, com dançarinas orientais e estrangeiras, com senhoras da alta sociedade, casadas com homens de reputação, universitárias, colegiais, prostitutas, camponesas, domésticas - cada uma tinha seu sabor, e muitas vezes ele comparava, sem conter o riso, o sexo com a nobre Camila, que seguia rigidamente o protocolo, com o que mantivera com a mendiga que acolheu uma noite, bêbado, em seu carro Buick antes de levá-la para seu apartamento na viela Bahlar. Quando entrou no banheiro com ela para lavar seu corpo, descobriu que era tão pobre que fabricara sua própria lingerie usando trapos de sacos de cimento. Ainda se lembrava, com uma mescla de ternura e compaixão, da vergonha da mulher enquanto ela tirava a roupa que estampava, em letras enormes, as palavras Cimento Portland Turah. Também recordava que ela era a mais bonita de todas as que conhecera e aquela que tinha mais fogo no amor.
Todo esse vasto repertório de experiências fez de Zaki el Dessuqi um verdadeiro especialista no mundo feminino. Tinha suas próprias ideias, estranhas e curiosas, sobre a "ciência da mulher" - como ele a denominava -, com as quais se podia concordar ou não, mas que sem dúvida eram dignas de consideração. Costumava ponderar, por exemplo, que as mulheres mais belas em geral eram amantes frias na cama, ao passo que as que possuíam uma beleza mediana, ou mesmo as meio feinhas, eram sempre mais fogosas porque precisavam de amor de verdade e ofereciam tudo o que tinham para a satisfação do amante. Zaki Bek acreditava que a forma como a mulher pronunciava a letra "s" permitia saber como ela fazia amor; por exemplo, se a mulher pronunciasse a palavra Sussu ou basbussa com voz trêmula e excitante, era possível concluir que ela era experiente na cama; do contrário, não. Zaki Bek também acreditava que toda mulher na face da Terra possuía ao seu redor um campo de atração que emitia vibrações invisíveis e inaudíveis, mas que podiam ser sentidas de modo enigmático. Quem era capaz de ler essas ondas vibratórias podia desfrutar os deleites do prazer. Por mais séria e envergonhada que fosse uma mulher, Zaki Bek conseguia identificar seu apetite sexual pelo tremor da voz, pela risada nervosa exagerada ou até pelo calor emitido por suas mãos quando a cumprimentava. Há algumas mulheres que eram possuídas por um desejo diabólico que nunca cessava, femmes fatales, como Zaki Bek as chamava em francês. Essas mulheres misteriosas só se sentiam inteiras no ninho de amor e não encontravam outro prazer na vida senão o sexo; tais criaturas desafortunadas possuíam uma existência infeliz já que, via de regra, sua sede de sexo as levava a um destino terrível. Zaki Bek sustentava que essas mulheres eram todas idênticas, ainda que seus rostos mudassem, e convidava os incrédulos a observar nos jornais as fotos das condenadas à pena de morte por participação no assassinato do marido, em cumplicidade com o amante, a fim de perceber a fisionomia semelhante de todas: lábios geralmente carnudos, sensuais, abertos e distanciados; feições sensuais e olhar reluzente e vazio como o de um animal faminto.
Domingo. As lojas da rua Suleiman Paxá cerravam as portas. Os bares e os cinemas ficavam repletos de clientes. A rua encontrava-se vazia e escura, o comércio fechado e os prédios antigos de estilo europeu formavam o cenário nostálgico de um filme romântico ocidental. Logo no despertar da manhã, Chazli levava o banco que normalmente ficava próximo ao elevador para a calçada, na frente do Edifício Yacubian, com o intuito de observar quem entrava e saía do prédio naquele dia de descanso. Zaki el Dessuqi chegara ao escritório antes do meio-dia. Desde o início, seu empregado Abaskharun compreendeu o que acontecia. Após vinte anos de serviços, conseguia perceber o estado de espírito de seu patrão com um único olhar. Sabia o que significava quando ele ia ao escritório exageradamente elegante e usava aquele perfume que reservava para ocasiões especiais. Nessas horas, Zaki Bek mostrava-se nervoso e tenso, sentava-se e levantava-se sem parar e andava irrequieto para disfarçar a ansiedade com mau humor e pouca conversa. Esses sinais sempre indicavam que ele aguardava o primeiro encontro com uma nova amante.
Abaskharun não ficou chateado quando Zaki Bek o repreendeu sem motivo; apenas abaixou a cabeça, como quem entende uma ordem, e terminou de varrer a sala depressa. Em seguida, pegou suas muletas de madeira e, batendo no piso do longo corredor com força e rapidez, chegou à sala onde Zaki Bek se encontrava sentado. Perguntou-lhe no tom neutro que a experiência havia lhe ensinado a adotar:
"Sua Excelência tem uma reunião?... Posso preparar as 'coisas' para Sua Excelência?"
Zaki Bek olhou na direção dele e o contemplou por um momento enquanto decidia o tom de reprovação da resposta. Examinou a túnica bastante gasta de Abaskharun, a muleta, a perna amputada, o rosto velho com aquela barba comprida, os olhinhos astutos e um sorriso assustado e suplicante que nunca se desfazia.
"Prepare as 'coisas' para a reunião bem rápido", respondeu Bek secamente enquanto adentrava o terraço.
"Reunião", no dicionário que ambos compartilhavam, significava um encontro amoroso de Zaki Bek com uma mulher no escritório. Da mesma forma, "coisas" traduziam rituais específicos que Abaskharun fazia para seu patrão antes desse encontro. Começava com uma injeção fortificante Tri-B, importada, que era aplicada na nádega e doía muito. De sua parte, Zaki Bek gritava e amaldiçoava aquele burro do Abaskharun por causa de suas mãos desajeitadas e pesadas. Logo depois, bebia sem pressa uma xícara de café amargo aromatizado com nozes enquanto dissolvia embaixo da língua uma pequena pastilha de ópio. Completava o ritual com um grande prato de salada, uma garrafa de uísque Black Label, dois copos vazios e um balde metálico de gelo repleto até a borda.
Abaskharun preparou as "coisas" com dedicação enquanto Zaki Bek se sentou na varanda que dava para a rua Suleiman Paxá, acendeu um charuto e contemplou as pessoas lá embaixo. Seus sentimentos oscilavam entre o entusiasmo que aquele encontro fantástico despertava e a inquietação angustiante de que Rabab, sua amante, pudesse esquecer o combinado e frustrasse os esforços de um mês inteiro dedicado a seduzi-la. Era escravo de seu amor desde que a vira pela primeira vez no bar Cairo, na praça Tawfiqiyya, onde ela trabalhava como garçonete. Ficou fascinado por ela e passou a frequentar aquele bar todos os dias para vê-la. Descreveu-a a um amigo da seguinte forma: "Ela representa a beleza popular com toda a sua vulgaridade e sensualidade. Como se tivesse acabado de sair de um quadro de Mahmud Saíd". E continuava a explicar sua opinião ao amigo: "Lembra aquela doméstica que trabalhava na sua casa e que o deixava louco na adolescência? Por acaso não era seu maior desejo se arremessar naquele colo voluptuoso e agarrar aqueles seios volumosos enquanto ela lavava os pratos na pia da cozinha?! Em seguida, ela se mexeria de tal modo que o contato entre seus corpos aumentaria e ela murmuraria palavras de rechaço excitantes antes de entregar-se: 'Senhorzinho... que coisa feia, isso é uma vergonha, meu senhorzinho'. Pois então, descobri em Rabab um tesouro bem parecido...".
Encontrar um tesouro, porém, não significava necessaria- mente possuí-lo. Por causa de sua amada Rabab, Zaki Bek viu-se obrigado a superar várias dificuldades: passou noites inteiras em um antro de sujeira, estreito, mal iluminado e pouco ventilado como o bar Cairo, quase se afogou no meio de tanta gente e da densa fumaça dos cigarros, arriscou ficar surdo devido ao volume alucinante do gravador que não parava de tocar músicas obscenas nem um segundo... Isso sem falar das discussões e das confusões que sempre terminavam em briga entre os clientes do bar, uma mistura de operários, gente suspeita e forasteiros; nem dos copos daquele brandy asqueroso que queimava no estômago e que ele tinha de beber todas as noites; nem dos erros na conta que Zaki Bek fingia não perceber... Além disso, sempre deixava uma boa gorjeta para o bar e outra ainda mais generosa que colocava no decote de Rabab. Quando seus dedos encostavam naqueles seios robustos e sensuais, sentia o sangue ferver e era tomado por um desejo incontrolável que quase lhe fazia mal, de tão intenso que era.
Zaki Bek enfrentou tudo isso por Rabab. Vez ou outra, convidava- a a tomar algo fora do bar, mas ela recusava as ofertas em tom de deboche. Ele continuou a tentar, sem perder as esperanças, até que ela aceitou visitá-lo no escritório naquele dia. Sua alegria era tamanha que enfiou no decote dela uma nota de cinquenta libras (sem se arrepender). Ela se aproximou de tal modo que seu hálito tocou de leve o rosto dele enquanto mordia o lábio inferior e sussurrava em um tom excitante que pôs abaixo o pouco de controle que ele ainda tinha:
"Amanhã... vou recompensá-lo por tudo que você fez por mim, meu querido."
Zaki Bek tomou a dolorida injeção de Tri-B, sorveu o ópio e começou a beber lentamente o primeiro copo de uísque, ao qual se seguiram um segundo e um terceiro. Em pouco tempo a tensão foi embora, o bom humor tomou conta dele e pensamentos agradáveis passaram por sua cabeça como suaves melodias. O encontro com Rabab era à uma da tarde, e quando o relógio da parede deu duas badaladas Zaki Bek começou a perder a esperança. Logo em seguida, escutou a muleta de Abaskharun batendo no piso do corredor. Seu rosto apareceu na porta e, sem conter o entusiasmo, como se a notícia realmente lhe desse prazer, anunciou:
"Madame Rabab chegou, Vossa Excelência Bek."
No ano de 1934, o milionário Hagop Yacubian, à época líder da comunidade armênia no Egito, pensou em construir um edifício que levasse seu nome. Com esse objetivo, escolheu o principal local da rua Suleiman Paxá e, para fazer a obra, contratou um famoso escritório italiano de arquitetura que apresentou um belo projeto: dez andares refinados em estilo europeu clássico, varandas ornadas com estátuas de cabeças gregas esculpidas em pedra, colunas, escadas e corredores de mármore natural, elevador Schindler do modelo mais moderno...
A construção do edifício levou dois anos, e o resultado foi uma obra arquitetônica que superou todas as expectativas, a ponto de o proprietário pedir que o arquiteto italiano esculpisse em cima da porta de entrada, na parte interna, seu nome, "Yacubian", em letras latinas bem grandes, iluminadas à noite com neon para imortalizar seu dono e proclamar a posse daquela magnífica construção.
A elite da sociedade egípcia de então foi morar no Edifício Yacubian: ministros e paxás que possuíam os maiores latifúndios, industriais estrangeiros e dois milionários judeus (um deles da reputada família Mossiri). O andar térreo foi dividido entre uma ampla garagem com múltiplas portas na parte de trás do prédio, onde se guardavam os carros dos moradores (a maioria deles de marcas luxuosas como Rolls-Royce, Buick e Chevrolet), e uma grande loja na parte da frente que se estendia pelas outras três fachadas. Yacubian a utilizava para expor as joias de prata que produzia em seu ateliê. Esse comércio funcionou bem durante quatro décadas e aos poucos entrou em decadência, até ser comprado pelo Hagg Muhammad Ezzam, que abriu uma loja de roupas no local.
No telhado do edifício, dois quartos com banheiros foram destinados aos porteiros e suas famílias. No restante do telhado, construíram-se cinquenta cubículos de não mais que dois metros quadrados cada um, com paredes e portas de ferro. Ficavam fechados com cadeados, cuja chave era entregue ao proprietário do apartamento correspondente. Esses cubículos, naquela época, tinham várias funções: eram usados como despensa, guardavam cães violentos de grande porte e também serviam para a lavagem de roupa, trabalho exercido por lavadeiras (antes de a máquina de lavar roupas se tornar conhecida) que depois penduravam as roupas em varais espalhados por todo o telhado.
Os cubículos não se transformaram em dormitórios para os empregados porque os moradores do edifício, aristocratas e estrangeiros, provavelmente não admitiriam que um ser humano pudesse dormir em um espaço tão estreito como aquele. Ao contrário, em seus esplêndidos e suntuosos apartamentos, alguns dos quais possuíam oito ou dez quartos em dois andares ligados por uma escada interna, costumavam designar um quarto para os criados.
A revolução de 1952 mudou toda a situação. Os judeus e os estrangeiros começaram a emigrar, e os andares foram se esvaziando por causa da saída dos proprietários. Em seguida, oficiais das Forças Armadas, donos do poder na época, apropriaram-se das moradias desocupadas. Assim, no início dos anos 60 metade dos apartamentos do Edifício Yacubian abrigava militares de patentes distintas, de tenentes e capitães recém-casados a generais que se mudavam para lá com seus muitos familiares. Até o general Dakruri, chefe de gabinete do presidente Muhammad Naguib, conseguiu dois amplos apartamentos contíguos no décimo andar, um dos quais utilizava como moradia para sua família e o outro como escritório, onde despachava após o meio-dia.
Não tardou para que as mulheres dos oficiais começassem a dar um uso diferente aos cubículos. Pela primeira vez, eles serviram de dormitório a mordomos, cozinheiros e às jovens criadas trazidas do interior para trabalhar nas famílias dos militares. Algumas esposas dos oficiais eram de origem popular, e não lhes parecia estranho criar animais (coelhos, patos e galinhas) nos quartinhos de ferro do telhado. A administração do bairro de Cairo Oeste recebeu muitas denúncias feitas por antigos proprietários, a fim de que se proibisse a criação de animais no telhado, mas essas acusações sempre eram arquivadas por causa da influência dos oficiais. Os vizinhos chegaram a reclamar ao próprio general Dakruri, o qual - em virtude de sua posição e influência sobre os militares - conseguiu erradicar essa prática anti-higiênica.