Mal conseguia crer que ali estava uma senhora a revelar à nação que tinha um linfoma |
LULA É um homem esperto, de uma sagacidade política rara. Embora inculto, pouco afeito a leituras, se conseguiu chegar às alturas que chegou, foi graças à capacidade de compreender as situações que se criam e sacar de que modo agir em face delas.
Por isso mesmo, julga-se superdotado, merecedor de todas os elogios. Em função disso, opina sobre tudo e mal disfarça a vaidade pelo prestígio que conquistou. Sem exagero, pode-se dizer que Lula é "mega", sugeriu que o Brasil começou de fato com ele e que, graças a seu governo, podem agora os brasileiros se orgulharem do Brasil. Não faz muito tempo, disse que nunca se sentira tão feliz, sem nenhuma razão para queixas. Claro, há pouco fora chamado de "o cara" por Barack Obama e gozara da distinção de se sentar ao lado da rainha Elizabeth. Com razão, ria à toa.
Mas eis que uma notícia inesperada acabou-lhe com a alegria: Dilma Rousseff, sua candidata à sucessão, está com um câncer linfático. Uma bomba. De fato, essa má notícia vinha introduzir, no plano de construção da candidatura de Dilma, um fator inesperado, altamente entrópico, perturbador, com o qual Lula não contava não saber lidar. Nem ele nem ninguém.
Primeiro problema: manter em sigilo aquele fato ou divulgá-lo? Lula não demorou a perceber que o segredo seria inevitavelmente revelado e daria margem a especulações perigosas. Naturalmente, Dilma, como toda e qualquer pessoa, atingida por semelhante fatalidade, tende a mantê-la em segredo, e isso ela o fez, ocultando-a até dos filhos, da mãe e dos amigos mais chegados.
Lula, porém, percebendo a ameaça que aquilo significaria, determinou que ela o revelasse. Chamou seu ministro da Comunicação, para montar a entrevista em rede nacional de televisão, com a equipe de médicos do Hospital Sírio-Libanês, onde o tumor havia sido extirpado.
Aquela entrevista foi uma coisa patética, pelo menos para mim. Mal conseguia crer que ali estava uma senhora a revelar à nação que tinha um linfoma. Por sua livre e espontânea vontade, jamais o faria e, se o fez -aparentando naturalidade ao falar de tão grave doença- foi sem dúvida, porque o presidente da República o determinara.
Esse é o cara. Não apenas sagaz e autocentrado, mas também sempre pronto a impor sua vontade. Todos têm de se curvar a ele e submeter-se ao que entende por seu próprio projeto político. Pareceu-lhe óbvio que a doença deveria ser revelada ao país, mas logo se deu conta de que isso criara outros problemas, já que não é a mesma coisa votar numa pessoa saudável e votar em alguém que está com uma espada pendente sobre sua cabeça.
Ele levou Dilma para Manaus e, lá, afirmou que ela necessitava ser forte para enfrentar a nova situação, mas logo afirmou que ela não tinha nada, que estava curada. Em seguida declarou que era sua candidata e logo acrescentou que isso ainda devia passar pelo PT e a base aliada, como se de fato não estivesse há quase dois anos trabalhando por sua eleição sem pedir licença a ninguém. Parece que, no entanto, agora, com o inesperado linfoma, bateu-lhe a insegurança. Dará mesmo para sustentar essa candidatura nas novas condições?
Difícil resposta. Se a candidatura já era um problema, uma vez que, apesar do esforço de Lula para impô-la, não conseguiu conquistar a adesão da maioria dos eleitores, agora, a coisa torna-se bem mais difícil.
Embora desejemos que a ministra supere a doença, não é possível ignorar a possibilidade de que o linfoma volte a aparecer e essa possibilidade contamina-lhe a candidatura de uma insegurança que atinge tanto os eleitores quanto o PT e os partidos aliados do governo.
Pensemos no PMDB. Terá ele, agora, a certeza de que, apoiando a candidatura de Dilma, obterá no futuro as benesses do poder? Se já antes, parte dos peemedebistas se aproximava de José Serra, como reagirá, agora, o resto do partido? Por isso mesmo, Lula já chamou os dirigentes do PMDB e lhes disse que Dilma é a candidata e está curada.
Não há dúvida de que o dono do pedaço entrou numa entaladela, esforçando-se para mostrar-se seguro.
Logo ele. É que, a esta altura, não há alternativa: ou Dilma é a candidata ou Lula fica sem candidato para 2010. Chamou-me a atenção um pequeno fato ocorrido em Manaus: quando um repórter perguntava a Dilma sobre a doença, Lula os interrompeu: "Chega de falar de doença, isso dá doença". Mas não foi ele mesmo quem a fez se declarar doente?
Pois é, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. O homem põe e o acaso dispõe. A vida é quântica.