Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 10, 2009

JOÃO UBALDO - Entrevista nem tão imaginária

O GLOBO

-Osenhor, como um dos responsáveis pela execução do Bolsa Família...

— Perdão, há um equívoco. Eu não sou um dos responsáveis pela execução do Bolsa Família, longe disso. Minha área é de consultoria econômica e projetos.

— Ah, sim, desculpe, então o senhor dá consultoria ao Bolsa Família.— Até que se poderia dizer isso, mas daria a entender que eu trabalho no governo, o que não é verdade.

— Mas o Bolsa Família não é do governo? — Claro que é, mas a iniciativa privada já começou a assumir um papel significativo nessa área. Não podia deixar de ser assim, diante de um fenômeno tão importante, com ramificações no setor econômico e em tantos outros. Minha instituição não tem caráter comercial, mas gira realmente em torno do Bolsa Família.

— Ah, interessante. Qual é essa instituição? — O Instituto Brasileiro de Pesquisa e Aprimoramento do Bolsa Família, com sede em São Paulo. Por enquanto só compramos um prédio para a sede, na Avenida Paulista. Está acabando de ser montada, só falta o sistema de informática, que foi encomendado no Japão e atrasou um pouco.

Mas breve teremos escritórios nas principais cidades e, a longo prazo, em todo o Brasil.

— E o Instituto é mantido por quem? — Ah, existe um conjunto de mantenedores. Os fornecedores dos produtos das cestas, os envolvidos no esquema de distribuição, as associações de beneficiários do Bolsa Família...

— Associações de beneficiários do Bolsa Família? — É claro. Com a expansão do programa e as naturais distorções, era de esperar que os beneficiários se associassem para a defesa dos legítimos interesses comuns, estamos numa democracia pluralista e moderna.

Já existem diversas dessas associações e todo dia se registra uma nova em algum lugar do Brasil, todas com suas diretorias, funcionários e departamentos jurídicos. Não só as oportunidades de negócios criadas são extraordinárias para todos, como muitas dessa associações têm programas e propostas bem interessantes.

Assim de cabeça, lembro o projeto que cria estabilidade para o beneficiário com mais de dez anos de programa, o que define a linha sucessória para o benefício e inclui as famílias fora de casa, o que cria as Comissões Regionais de Supervisão do Bolsa Família, o que estabelece a 13a-bolsa, a bolsa de Natal, de Ano Novo, de São João, de Carnaval e de outras efemérides tradicionais no Brasil, o que duplica o benefício em caso de doença na família até parentes no terceiro grau — e assim por diante, é muita coisa para tratar em pouco tempo.

— Eu não fazia ideia de que a situação já atingia essas proporções.

— Isto é apenas o começo. Em 2010, a meta é que um em cada três brasileiros esteja incluído no Bolsa Família. Isso deve ser uma nova razão de orgulho nacional, é mais, eu diria, do que a população da maioria dos países do mundo. Creio que somente no futuro vamos aquilatar a real dimensão desse fenômeno.

— É, também acho, embora não talvez do mesmo jeito que o senhor.

Realmente é muita gente. Mas essas denúncias de fraudes terríveis, com ricos e abastados recebendo a bolsa, políticos e assim por diante? — Esse problema está sendo examinado.

O governo prometeu excluir do benefício e punir os fraudadores.

Mas, na nossa opinião, esse não é o caminho, porque não leva a nada.

— Sim, punir, devolver dinheiro, esse negócio aqui não se usa, é verdade.

— Pois é, não faz parte da cultura, e isso é básico. Para nós, o que fica claro aqui é que precisamos mudar de paradigma. Enquanto não se estender o benefício a todos os brasileiros, não se terá um programa perfeito.

— Não entendi, o senhor quer dizer uma Bolsa Família para cada brasileiro? — Exatamente. Para não receber o benefício, o cidadão teria que renunciar a ele expressamente, mediante documento do próprio punho, ou através do site “A Bolsa é Nossa”, que está entrando no ar este mês: www.esmolaesperta.org.br. Até no lema “um país de todos” isso se encaixa.

E note que a abrangência é surpreendente. O problema do desemprego, por exemplo, teria que ser visto sob nova perspectiva, isto porque o Bolsa Família já seria um anteparo automático.

— Mas para que um rico vai querer se inscrever no Bolsa Família? — Pergunte aos milhões que já se inscreveram, ué. Nessas questões, o realismo tem que prevalecer. O fato é que eles se inscrevem e a única maneira de evitar fraudes é estender o benefício a todos, com total transparência.

Menos um problema, é só privilegiar a racionalidade.

— Mas o custo disso não seria impossível de suportar? — Absolutamente. Pelo contrário, a previsão é de que toda a atividade econômica gerada, direta e indiretamente, pelo Bolsa Família do futuro, resultará em maior arrecadação, além de sobre dinheiro de outros programas, que desejamos desativar, porque ou são redundantes ou, em última análise, colidem com os objetivos que vemos para o Bolsa Família.

— E aí sobra para meterem a mão, como sempre.

— Isso diz o senhor.

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