PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
9/4/2008 |
O movimento pelo terceiro mandato do presidente Lula tende a crescer. A economia vai bem, alimentando a idéia da continuidade; o PT não tem alternativa. Lula é fruto de um processo único em que um partido trabalhou durante 25 anos para construir um mito. Mitos não se substituem. Lula não tem um segundo; como Chávez não tem um segundo. Ambos estão convencidos de que são únicos e insubstituíveis. A diferença entre eles é que Lula ainda nega que queira mais um período no poder, o que obviamente quer. Os adversários dentro do PT a um eventual terceiro mandato são só os que sonham em suceder a Lula, mas, mesmo para eles, existe um plano alternativo que vai levá-los ao mesmo "queremismo" - movimento insuflado por Getúlio Vargas em 1945 para continuar no poder, dando a aparência de ser uma natural pressão do povo. Quem são os candidatos possíveis do PT? A ministra Dilma Rousseff não tem experiência em campanhas eleitorais, está se saindo muito mal no primeiro embate público criado pelos aprendizes de feiticeiro de seu próprio gabinete. A entrevista de sexta-feira, vários decibéis acima do tom adequado, exibiu sua fragilidade. Há demanda por uma candidatura de mulher, ela tem imagem de pessoa forte; seria um bom começo. Seu descontrole em momentos de tensão, sua propensão a aparecer como dona da verdade, seu amadorismo em campanhas podem não ser contornados pelo mais mágico dos marqueteiros. Fora dela, há os interessados mais fracos: Tarso Genro, que sequer uniu seu próprio partido no Sul; Jaques Wagner, que nunca disse a que veio; Patrus Ananias, que não tem espaço nem em Minas. Marta tem alguns predicados, mas nunca provou ser capaz de passar o limite da cidade de São Paulo. Todos são pálidos perto da figura majestática que o Partido dos Trabalhadores começou a trabalhar no início dos anos 80. Todos terão a ganhar um prêmio de consolação com Lula III. Os sucessores que poderiam ter se tornado mais fortes estão fora de combate. José Dirceu tinha ambição desmedida e controle da máquina partidária; Antonio Palocci, a possibilidade de se tornar querido pelos eleitores e a chance de atrair as lideranças econômicas. Erraram; estão fora de questão. Por ter optado por um processo de endeusamento de um único mito, e não pela construção de quadros que pudessem se alternar no poder, o PT só tem mesmo essa idéia fixa. Com tudo indo bem na economia, o movimento do queremismo cresce. Na economia, falta combinar com o mundo, que já contratou uma grande tormenta que vai se espalhar, em menor ou maior grau, nos próximos dois anos, por vários países. E falta ter uma estratégia para um cenário adverso. A maioria dos economistas que estão no poder agora não tem resposta para um momento de crise; não tem o instrumental técnico adequado. Alguns costumam divulgar opiniões toscas diante de certos dilemas criados pela economia. Os que estão aí, com raríssimas exceções, não formam um time para enfrentar tempestades, definitivamente. Sabem comandar o navio nas boas águas, quando tocar o barco é só deixar levar. A idéia do terceiro mandato pode ser apresentada através de qualquer contorcionismo jurídico. Um deles é voltar aos cinco anos, sem reeleição, e aí, numa nova ordem constitucional, o jogo está zerado e todos podem ser candidatos, inclusive ELE. Idéia parecida com a que Hugo Chávez usou pelo terceiro mandato que exerce. Chávez apenas não esperou terminar o mandato; encerrou-o antes e reconvocou as eleições ampliando o seu prazo. Fez isso duas vezes com sucesso; fracassou numa terceira tentativa de se dar a chance de eleições sucessivas, mas certamente voltará com a idéia quando se sentir mais popular. Neste momento, vai mal, por isso finge um respeito democrático ao resultado do plebiscito que lhe negou as eleições perpétuas. O processo político brasileiro é mais amadurecido que o da Venezuela, e certas coisas que acontecem lá atualmente seriam impensáveis no Brasil, mas é inevitável constatar a semelhança de alguns movimentos do "Nosso Guia" com os do Simon Bolívar reencarnado que Chávez pensa ser. Principalmente a convicção delirante que Lula expressa de si mesmo, de ser o único em 500 anos. O discurso de que todos os outros governantes do Brasil, em cinco séculos, são os responsáveis pelas mazelas, de que ele seria o único representante do povo a chegar lá e de que tem sido o curador de todas as velhas chagas é repetido desde o primeiro momento no poder. Esse messianismo, o palanquismo ininterrupto, uma máquina forte de propaganda, a rede de meios de comunicação estatal, métodos corrompidos de capturar aliados seriam as armas para a continuidade. No meio do caminho, tem o Congresso; mais especificamente, o Senado, onde o governo não tem maioria e que pode impedir a tramitação da emenda. O lulismo não sabe ainda como lidar com isso. Mas é bom lembrar que o Congresso passa por um momento de grave fragilidade constitucional. A oposição, dividida em vaidades personalistas, confusa, não apresenta qualquer bom projeto alternativo. Um perigoso vazio no qual prosperam idéias antidemocráticas, como a do terceiro mandato. Uma idéia que pode ser derrotada pelo fato de ser extemporânea e pelo equívoco de contar com a imutabilidade do cenário econômico no meio de uma crise internacional. |
Entrevista:O Estado inteligente
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