Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 22, 2008

Merval Pereira - Identidade decisiva



O Globo
22/4/2008

Às vésperas da realização das primárias da Pensilvânia, hoje à noite, intelectuais americanos debateram no fim de semana em Rabat, capital de Marrocos, as implicações das eleições de novembro nos Estados Unidos nas relações entre o Ocidente e o Oriente, no seminário da Academia da Latinidade sobre a busca do diálogo entre as civilizações. O sentimento generalizado é o de que uma eventual vitória do candidato democrata Barack Obama provocaria uma imediata mudança na imagem dos Estados Unidos no mundo, e uma alteração radical na política externa americana, provocada pela vontade de seus cidadãos. Seria uma guinada com conseqüências tanto internas quanto externas, uma retomada do controle das políticas públicas pela sociedade civil, e uma nova visão nas relações internacionais.

Mas havia também o temor de que a exploração de polêmicas por parte não apenas de sua adversária interna, a senadora Hillary Clinton, mas também do candidato republicano já escolhido, John McCain, possa ter efeitos negativos na campanha de Obama.

Walter Mignolo, diretor do Centro para Estudos Globais e Humanidades da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, acha que "há mudanças de ventos" na cobertura da imprensa, com a mídia começando a colocar dúvidas em relação à capacidade de Obama de vir a ser presidente. Ele teme que os superdelegados e a direção partidária democrata possam estar sendo pressionados. Mas considera que "os ventos de mudança ficarão". Mesmo que Obama não vença, segundo ele, "é irresistível a força do jovem eleitorado".

O secretário-geral da Academia da Latinidade, Candido Mendes, definiu Obama como "uma metáfora da retomada da sociedade civil americana, com uma nova perspectiva de futuro". Para ele, sua vitória seria a decisão do eleitorado de "discutir a hegemonia".

Já o professor Enrique Larreta, diretor do Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes, considera que pode ser um engano se colocar sobre Barack Obama a carga de mudar a maneira de governar os Estados Unidos, pois qualquer um que se eleja, lembra ele, "será o presidente de um império e estará sujeito a interesses diversos".

Susan Buck-Morss, professora de filosofia política e de teoria social da Universidade Cornell, considera que o sucesso de Obama não pode ser reduzido a um feito de um homem só, em um momento particular: "Ele representa um momento da História que nós compartilhamos". Para ela, essa eleição anuncia o fim das políticas de identidade nos Estados Unidos.

Para a professora, quando Obama fala "da unidade coletiva em vez da autonomia individual", está dando um novo enfoque à política tradicional, acima das questões de identidade, como raça e gênero. "O sistema político tradicional está lutando para manter viva a política de identidade, mas os eleitores estão recusando isso", diz ela.

Com base nos resultados das primárias até agora, Buck-Morss diz que "Hillary Clinton conta com o voto feminino, MacCain com o voto branco masculino, mas Barack Obama está vencendo com os votos femininos e dos homens brancos", subvertendo o comportamento usual do eleitorado.

Para ela, o pastor negro Jeremiah Wright, que fez um discurso violento contra a elite branca que provocou uma reação de parte do eleitorado contra Obama, "pertence a uma geração política que é a mesma de Hillary Clinton, faz política separando as identidades. Obama baseou sua candidatura na crença de que os americanos podem ficar acima dessa lógica identitária".

O novo cosmopolitismo que ele representa, diz a professora de Cornell, é sentido por seus eleitores, e "ameaça fazer ajoelhar-se o sistema político tradicional", o que revelaria "o potencial revolucionário desta eleição".

Craig Callahoun, presidente da Conselho de Pesquisa da Ciência Social, professor da Universidade de Nova York, embora apóie Obama, discorda: "Acho que a eleição americana não marca o fim da política de identidades. Pode marcar uma transformação nos termos da política de identidades, mas não sua supressão".

Segundo ele, esta eleição significa para os americanos serem chamados para dizer "o que pensam em termos do que é melhor para o nosso bem-estar. Pensar em valores que conectam identificações, sem negá-las. Não é deixar de lado políticas sobre negros, ou gênero ou religião, mas encontrar meios de conectar diferentes identificações".

Para o mundo, diz Craig Callahoun, esta eleição é "sobre que tipo de identidade a América terá, e o engajamento nesta eleição é um reflexo disso. Que lado do país será revelado, um país que é marcado por divisões profundas, mas que tem uma impressionante habilidade para superá-las, e há um engano quando se imagina que essa divisões desapareceram simplesmente. A questão racial não está desaparecendo, não está perdendo sua força, mas temos a capacidade de superar algumas dessas questões".

Segundo Callahoun, "a América sempre revelou uma arrogância, mas também uma surpreendente capacidade de ser amigável. Os dois lados fazem parte do caráter americano. A América tem sido defensiva, agressiva, ansiosa e imperialista, mas ao mesmo tempo generosa, aberta aos imigrantes e à diferença de uma maneira marcante, e também otimista. Podemos ser pessimistas, como depois do 11 de Setembro, ou otimistas, como nesta eleição".

A questão de identidades, para ele, também não se limita às identidades já existentes, mas à possibilidade de refazer as identidades. "A questão política é, na verdade, diz ele, saber que identidade terá importância para o eleitor, e no engajamento da nação com o mundo".

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