blog Noblat 8/4
O Ministério da Justiça lançou na semana passada a Caravana da Anistia. A iniciativa – que não é uma marcha para não extenuar os petistas – é feita de assembleísmo, começou pelo Rio de Janeiro e deve percorrer todos os Estados da Federação para promover o "debate, a reflexão e o resgate" do que se passou durante o regime militar. Segundo o governo, a finalidade é chamar a atenção da sociedade, especialmente da juventude, para honrado tema. Que tema? Só se for o da conversão ideológica do domínio público em vindita histórica para que se confira foro de legitimidade ao esbulho do contribuinte.
Naturalmente, o mais chocante são os valores comprometidos na administração financeira do grande negócio que se tornou a anistia. A conta já se aproxima dos R$ 3 bilhões e tem enorme potencial de sangrar o orçamento da União com somas ainda mais vultosas até 2010. Para isso não falta legislação. Desde a Lei de Anistia de 1979, já foram produzidos dois dispositivos constitucionais e três legais a respeito do assunto.
É só olhar para a fila dos requerentes de pensões e indenizações. De 2001 até o final do ano passado, o Ministério da Justiça havia recebido 60.347 pretensões neste sentido. A tal Comissão de Anistia apreciou pouco mais da metade dos casos e destes deferiu dois terços dos pedidos, sendo que 93% das contemplações com a bolsa-ditadura foram realizadas na Era Lula.
Houvesse no Brasil 30 mil combatentes do regime militar de tamanha valentia e coragem nós teríamos inexoravelmente caído em uma guerra civil. Podemos falar de centenas de pessoas de bem injustiçadas com as perseguições políticas, a tortura e a morte sob a custódia do Estado. Para fazer a conta de dezenas de milhares de vítimas da ditadura é preciso admitir na lista notórios cachaceiros e desocupados profissionais da época.
Há 30 anos, o Brasil encontrou um consenso político de que a anistia teria o condão de pacificar o País e abrir o caminho para a abertura. A pretensão inicial era de anistia ampla, geral e irrestrita – no sentido que abrigasse sob o guarda-chuva do perdão, inclusive, seqüestradores, terroristas e assaltantes de banco que integravam as organizações de esquerda. Hoje, o que se busca é a excepcional generosidade financeira do Estado por intermédio da vitimização dissimulada.
Não é possível indenizar quem, por exemplo, praticou crimes comuns da maior reprovação social em nome de uma ideologia de botequim. Por outro lado, a anistia deveria estar restrita a um passado específico, enquanto no Brasil se tornou meio de fazer futuro de uma gente historicamente avessa à atividade laboral e de conhecida covardia falsamente revolucionária. O engajamento perdulário do Ministério da Justiça é de tal indecência que perdeu o sentido de reparação do dano para configurar vingança remunerada, além de ensejar em provocação.
Não bastassem os bilhões despendidos, o Ministério da Justiça ainda acredita possuir o encargo doutrinário de "difundir o conhecimento histórico" acerca de um passado que o Brasil prefere se esquecer e que nada significa para as novas gerações. É quando fica claro que o objetivo não é "difundir" outra coisa senão a própria propaganda política do governo. Mais uma vez a finalidade é usar o dinheiro do contribuinte para comprar simpatia e obter dividendo político.
Basta compreender a missão a que a Comissão de Anistia se impôs. Ao percorrer o Brasil em caravana, o pessoal do Ministério da Justiça acredita que irá preparar a juventude para o exercício de novas formas de democracia e cidadania. Eles não dizem que democracia é essa, mas acreditam que assim o farão ao "ampliar e aprofundar a dimensão pedagógica e educativa" da própria Comissão de Anistia. É o beletrismo sociológico a garantir o cargo comissionado dos justiceiros da ditadura em movimento, com os gastos de hospedagem, transporte, alimentação e, principalmente, bebida por conta dos cartões corporativos.
Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO).