O ESTADO DE S. PAULO
Vinte e dois anos. A geração de brasileiros que nasceu em 1990, ano do infame Plano Collor, completará essa idade em 2012. Muitos desses jovens se formarão em breve. Alguns terão optado pela carreira de economista e saberão, minuciosamente (espera-se), o que se passou no Brasil nas décadas de 70, 80 e meados de 90, até o Plano Real. Nenhum, entretanto, viveu o flagelo dos anos de instabilidade macroeconômica. Não sabem, verdadeiramente, o que é conviver com a corrosão incessante dos salários, da poupança, do poder de compra. Nem o que é lidar, dia após dia, com o nível paralisante de incerteza que caracterizava o Brasil de 18 anos atrás. Para eles, essas são apenas curiosidades históricas, muito distantes da realidade atual. Afinal, todos os que decidiram seguir a carreira terão ingressado na faculdade justamente durante o período em que o País colhia os frutos do longo e árduo processo de estabilização.
Talvez isso tenha pouca ou nenhuma relevância. Se a presidente Dilma e os membros de sua equipe econômica estiverem corretos, o País já alcançou a maturidade macroeconômica, isto é, já é capaz de mudar o foco da política econômica sem prejudicar a estabilidade. Essa foi a grande aposta de 2011, quando a política econômica brasileira, em transformação desde o final do governo Lula, mudou, terminantemente. Em parte, a mudança resultou da crise internacional, que exigiu das autoridades brasileiras um cuidado especial, sobretudo com a atividade. A atitude foi compreensível, legítima. E não se restringiu ao Brasil. Mas é inegável que os problemas externos foram o pano de fundo ideal para que o governo brasileiro desse, finalmente, a guinada que realmente desejava: o adeus à camisa de força do regime (estrito) de metas de inflação.
O abandono de um regime rigorosamente focado na convergência rápida para o centro da meta de inflação - os 4,5% - não é desprovido de sentido. Afinal, é razoável imaginar que o País tenha alcançado alguma maturidade macroeconômica nesses últimos 18 anos, permitindo alterações na política monetária. Neste caso, mudanças como o alargamento do horizonte de convergência para a meta podem ser recomendáveis e até desejáveis, como mostra a experiência de países que usam horizontes de dois anos - tal qual o nosso Banco Central, na prática, vem fazendo. Evidentemente, a mudança teria de ser formalizada, nem que fosse "apenas" para evitar uma desconfiança desnecessária em relação aos reais objetivos da política monetária...
Não, o cumprimento da meta de inflação em 2011, os 6,5% cravados no teto que evitaram a carta aberta do Banco Central, não é suficiente para reverter a sensação de que a autoridade monetária está menos comprometida com a evolução dos preços - e excessivamente preocupada com o cenário externo e o impacto disso sobre o crescimento doméstico. Uma inflação dessa magnitude é uma inflação alta. E uma taxa de crescimento que dificilmente terá superado pouco mais de 3% no ano passado é um desempenho fraco. Esse resultado deveria ser um alerta, um sinal de que talvez a suposta maturidade macroeconômica esteja menos avançada do que se imagina. Para os jovens que completam 22 anos em 2012, isso é um motivo para preocupação. Mesmo que não se retorne à desordem do passado, provavelmente o País não voltará a crescer os extraordinários 7,5% de 2010 sem alguma desorganização. Nem mesmo os 5% que deseja o Ministro da Fazenda. Não enquanto prevalecer a ausência de uma agenda que esmiúce as políticas de sustentação do crescimento brasileiro. Não enquanto predominar a velha e cansativa ladainha entre "desenvolvimentistas" e "liberais", "ortodoxos" e "heterodoxos". Rótulos. Nada mais.
Vinte e dois. Além de marcar a flor da idade, o número é uma expressão que designa uma situação paradoxal. Como a de Alexandre Tombini, o nosso Capitão Yossarian: louco, se não der atenção à inflação e resolver pilotar a política monetária de forma imprudente; são, se tiver de fazê-lo para evitar uma catástrofe na atividade. Catch-22.
Economista, professora da PUC-RJ