Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 08, 2012

Paris - DANUZA LEÃO



FOLHA DE SP - 08/01/12


Coisas muito estranhas estão acontecendo nesta cidade, no terreno da gastronomia.
Os restaurantes que frequento não são os mais chiques, mais estrelados, mais caros; são bistrôs simples, normais, onde sempre comi muito bem _ até porque em qualquer café em Paris uma omelete costuma ser deliciosa, e uma entrecôte perfeita, já que a gastronomia é parte importante da cultura do país. Não procuro comidas complicadas e modernas: prefiro as mais tradicionais, não sou uma expert, mas sei perfeitamente se o que estou comendo está bom ou não.
Cheguei e fui logo procurar um dos restaurantes de que mais gosto, já pensando em pedir aquele prato de que mais gosto. Primeira decepção: o menu havia mudado, os pratos eram outros _ na mudança de estação eles mudam, mas não era o caso. Ok, isso acontece, mas o que comi não estava bom; o cozinheiro mudou, pensei, acontece. No dia seguinte fui a um café que costumo frequentar, um café simples, paracomer uma coisa simples, tipo ovos mexidos com presunto. Nem consultei o menu, fui logo pedindo, e tive uma surpresa: eles não tinham ovos de nenhum jeito, e me foi apresentado um menu _ novo. Para não complicar, pedi um steak tartare, e me serviram um montinho de carne moída, com uma espécie de bolo de batata saído do micro ondas; em separado, sal, pimenta do reino e um vidro de mostarda, apenas. Não deu.
Coisas parecidas aconteceram em mais 3 ou 4 lugares, e achei tudo tão estranho, que fui pesquisar. Pergunta daqui, pergunta dali, soube do que está acontecendo em parte dos restaurantes de Paris. Muitos deles aderiram à comida prêt-à-manger (pronta para comer).
A coisa começa lá atrás: como os encargos sociais na França são muito altos, é normal, num restaurante tipo simples, um único garçom se encarregar do serviço de 30 pessoas: ele anota cada pedido (2 pratos por pessoa), se a carne é bem ou mal passada, o tipo de vinho, etc. Mas um chef _ o cozinheiro _ custa caro, e ainda tem os ajudantes, etc. Resultado: existem atualmente, em torno de Paris, indústrias que se ocupam em facilitar a vida dos donos dos restaurantes.
É assim: o dono da indústria e o restaurateur, juntos, elaboram o menu, eliminando tudo que precise ser feito na hora. As porções são confeccionadas, colocadas em embalagens a vácuo, e às 5h da manhã o caminhão faz a entrega, que vai diretamente para o freezer. O dono do restaurante economiza no salario do chef, elimina as perdas, pois os pratos podem permanecer congelados por vários dias, e fica todo mundo feliz; quase todo mundo, aliás. Os clientes que têm o paladar mais apurado, percebem que alguma coisa está errada mas não sabem bem o que, e as coisas ficam por isso mesmo. Isso acontece sobretudo nos pontos mais turisticos, como em St. Germain, meu bairro do coração. Mas um amigo me contou que foi ao l’Ami Louis, pediu um foie gras, e achou que fosse sorvete.
O problema é grave, já que a gastronomia, na França, é coisa séria. Mesmo com a chegada da nouvelle cuisine, dos novos chefs, dos laboratórios na Espanha, a cozinha francesa tradicional sempre permaneceu no alto do pedestal, como uma das jóias da coroa.
Ok, o mundo mudou, vamos admitir: e em muitas coisas, para pior. Vou passar o resto das minhas férias em Paris buscando restaurantes onde se come bem, de acordo com as velhas tradições, e se você está planejando sua viagem, fique atento. Evite restaurantes com longos cardápios, pois é aí que mora o perigo.
E se o prato que você pediu estiver com cara e gosto de comida de avião, marque no seu caderninho para não voltar lá nunca mais.

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