O Estado de S.Paulo - 07/01/12
Impressionante a foto da jovem Dilma Rousseff diante de oficiais do Exército em seu julgamento pela Auditoria Militar, no processo por infração à Lei de Segurança Nacional. A foto mostra uma moça ciente de sua dignidade e de sua superioridade em face dos julgadores, representantes do sistema que já a punira com meses de tortura. Na mesma foto se veem, atrás, os juízes militares revelando intimidação diante daquela idealista, que fora torturada antes de julgada, ao taparem o rosto com a cabeça baixa.
Nos anos 1970, jovens que aderiram à luta armada contra a ditadura acreditavam valer a pena arriscar a própria vida em favor de uma causa que pretendia não destruir o regime militar e reinstalar a democracia, mas estabelecer o regime comunista, caminho visto como único para a igualdade social e o fim do capitalismo. Tinham os moços um objetivo claro, mas uma avaliação míope dos meios disponíveis ante o inimigo poderoso. Com certeza acreditavam piamente na probabilidade de vencer e até mesmo de arregimentar apoio popular.
O erro de cálculo foi fatal, pois apenas deu justificativas para o regime militar se tornar ainda mais duro na supressão das garantias democráticas, impondo draconiana Lei de Segurança Nacional e a instituição de forças paralelas de investigação, como o DOI-Codi, a agir nos porões com garantia de impunidade para a tortura.
Agora o desafio da presidente, passado o primeiro ano de seu governo, conforme os fatos mostram, está também na avaliação dos meios de que dispõe para enfrentar a cena política. Deve ser firme em suas convicções como foi a jovem integrante do movimento denominado Colina na década de 70. Cumpre-lhe, então, tal como ocorreu ao ser submetida a tortura, enfrentar com coragem a chantagem contínua da base dita aliada.
Deve-se recordar a primeira mandatária dos ensinamentos da História reveladores da supremacia do interesse particular sobre o geral, que Gilberto Freyre considerou ser ostensiva na formação brasileira. Ao longo dos tempos poucos dirigentes do País o presidiram em favor da maioria. Se no Estado patrimonialista "a minoria exerceu o governo em nome próprio", como destacou Raymundo Faoro, ao usá-lo não em prol da Nação, mas segundo o interesse particular, como coisa privada, o mesmo se deu recentemente na Casa Civil com Eunice Guerra.
A busca do poder para benefício privado perdura com as emendas parlamentares, o mensalão e a apropriação do Estado pelos partidos políticos por meio de milhares de cargos dados a apaniguados, verdadeiro loteamento da administração pública, governando-se por ministérios, sendo cada ministério um feudo, fonte livre de benesses, que facilita a corrupção.
O que se destaca no governo de Dilma, bem mais liberta da figura de Lula, é a compostura da presidente, ciente da liturgia do cargo, ao contrário do antecessor, usuário de lances de comunicação, independentemente do dever de ser coerente e verdadeiro. A atitude demagógica conveniente ao instante prevalecia sobre a firmeza das posições, com desprezo pelo papel pedagógico que deve promanar da conduta da Presidência. A mistificação foi o sinal característico do governante anterior. A discrição e o comedimento nas atitudes caracterizam o mandato da atual presidente.
Dilma afirma que tem e terá tolerância zero com a corrupção. Não cabe esperar que seja apenas uma frase de efeito, um jogo de palavras destituído de credibilidade. O sucesso de Dilma, acima dos índices de Lula, decorre do fato de não teatralizar e não gerar o receio de se estar a ser enganado. Infunde confiança.
Mas o desafio de se ter tolerância zero com a corrupção exige correta avaliação dos meios necessários não só a puni-la quando descoberta pela imprensa, mas em exercer a política de modo a preveni-la. Para tal é preciso primeiramente escolher ministros sem ceder à imposição de nomes pelos partidos, que preferem os mais dóceis a atender às reivindicações no preenchimento de cargos e na "assistência" às ONGs e a algumas empresas amigas.
Se o primeiro ano de mandato se notabilizou pela administração das crises decorrentes de desmandos em vários ministérios, herança maldita de Lula, com longos processos de demissão, deve-se extrair desses fatos a coragem de mexer em redutos fechados, criados algum tempo antes, enfrentando a recomendação do ex-presidente a seus antigos ministros no sentido de resistirem à avalanche de denúncias.
A ênfase de Dilma ao dizer que terá tolerância zero com a corrupção requer agora, na reforma ministerial, a independência na escolha de seus colaboradores, a imposição de limites aos ministros e, depois, o acompanhamento de sua gestão, para não atuarem por conta própria em função de interesses particulares.
Para tanto Dilma terá o apoio popular que não obteve na juventude. Esse apoio, que forçará o do próprio Congresso, deve ocorrer também em torno de programa de ação realista, condizente com o atual estágio da economia mundial e voltado, por exemplo, para um específico fim, como a melhoria da educação em todos os níveis, em conjugação com Estados e municípios, mormente no aperfeiçoamento do professorado.
A mobilizar o povo, que acredita na seriedade da presidente, haverá, então, não apenas uma meta de exclusão - no caso, a corrupção -, mas também uma meta de inclusão, consistente, por hipótese, no dar prioridade à educação de crianças e jovens, condição essencial de qualificação para o mundo tecnológico.
É sabido não ser fácil afrontar os fins escusos da base parlamentar, que pretende usar o poder em benefício próprio. Porém a seriedade de Dilma, em razão de sua compostura, bem como a meta fixada, seja a educação ou a saúde, poderão reunir em seu favor a população e lideranças da oposição e da situação para mudança de nossa cultura política ao se reforçar a cidadania graças ao exemplo de firmeza.