O GLOBO - 13/01/12
O insuspeito sociólogo Luiz Werneck Vianna, homenageado no recente 15º Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia com o prêmio Florestan Fernandes, defendeu em entrevista ao "Valor Econômico" uma posição bastante independente com relação à Comissão da Verdade, servindo para colocar nos trilhos a pretendida revisão da Lei de Anistia de 1979.
"A minha posição não acompanha as posições majoritárias aí na intelligentsia. Acho que a gente deve recuperar a história, mas o passado passou, é página virada", definiu Werneck Vianna, lembrando que cada país tratou do assunto delicado de acordo com as suas circunstâncias.
"A esta altura, rasgar a Lei da Anistia seria jogar o país numa crise, não sei para quê", assinala o sociólogo.
O mais importante no raciocínio de Werneck Vianna, no entanto, é o que toca em outro tabu da política brasileira: os que estão querendo reabrir a questão são, na sua definição, "as forças derrotadas, ou seja, a luta armada".
E os que fizeram os acordos "que nos trouxeram à democracia" foram as grandes lideranças políticas que, segundo o sociólogo, "tiveram muito clara esta questão: anistia real, geral e irrestrita".
Werneck Vianna insiste: "Não foram elas (as forças derrotadas) que nos trouxeram à democracia. Nos momentos capitais, ela não estava à frente, na luta eleitoral, na luta política, na Constituinte. (O deles) era um outro projeto."
A idéia de rever a anistia é, para o sociólogo, "politicamente anacrônica. O país foi para a frente". Para ele, "os direitos humanos dizem respeito aos vivos. Aos mortos, o velho direito de serem enterrados como Antígona (protagonista da tragédia grega de Sófocles) quis enterrar o irmão em solo pátrio. É o que esta Comissão da Verdade está fazendo".
Esse resumo de Werneck Vianna sobre as condições políticas que levaram à decretação da anistia e à redemocratização do país, com a convocação da Constituinte de 1988, pode ser acompanhado pelo relato de Dona Mora no GLOBO aos domingos, que, incorporada pelo jornalista Jorge Bastos Moreno, está nos contando, com detalhes de bastidores, a atuação de seu marido, Ulysses Guimarães, uma das grandes lideranças políticas do país na resistência à ditadura militar.
Outra grande figura daquele tempo, Petrônio Portella, presidente do Senado durante o governo Geisel e ministro da Justiça de Figueiredo, foi fundamental na negociação para a anistia e teve em Ulysses um adversário dentro do PMDB.
Dona Mora, com a sinceridade que os mortos podem ter, especialmente quando psicografados por Moreno, explicava essa pendência: "Ulysses debochava da sua empáfia. E, também, não será aqui nos nossos encontros que deixarei de ser sincera: os paulistas sempre tiveram preconceitos contra os nordestinos. E Petrônio Portela, a estrela civil da ditadura, era do Piauí."
Petrônio tinha, porém, diálogo com o PMDB através de Tancredo Neves, outro grande líder político da abertura que chegou à Presidência da República no processo de redemocratização, e Thales Ramalho.
Do lado governista, o então deputado Marco Maciel foi outro importante aliado dos militares que queriam fazer a abertura política, na disputa contra a "linha dura" militar.
O historiador Carlos Fico, da UFRJ, em trabalho justamente sobre as negociações políticas que desembocaram na anistia, lembra que "a Lei da Anistia de 1979 foi uma das etapas do longo processo de superação do regime militar. Assim, para que se possa interpretá-la corretamente, é fundamental considerar o contexto em que foi aprovada", mostrando que "a maioria dos membros da oposição, no contexto da negociação política que se estabeleceu, aceitou a anistia tal como foi proposta pelo governo".
A chamada "abertura política", que desembocou no fim do AI-5 e na anistia, iniciou-se no governo do general-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) e estendeu-se pelo mandato de seu sucessor, o general João Figueiredo (1979-1985).
Carlos Fico lembra que Geisel tomou várias iniciativas que atenuaram a opressão política, como o abrandamento da censura à imprensa e o restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos.
Esse passo foi dado, aliás, dentro da chamada "Missão Portella", em que o então presidente do Senado, depois da decretação do Pacote de Abril, que fechou o Congresso, tentava retomar o diálogo com a chamada "sociedade civil".
Buscou a cooperação do então presidente nacional da OAB, Raymundo Faoro, que pediu a volta do habeas corpus como um sinal concreto de que havia a intenção do governo de restabelecer a democracia no país.
Foi nesse contexto de "abertura" que surgiu a campanha pela anistia em 1975, com diversas manifestações pelo país, em ritmo crescente, até que em 1978 formou-se o Comitê Brasileiro pela Anistia, lançado no Rio de Janeiro com o apoio do general Pery Bevilacqua, punido pelo AI-5 em 1969.
A exigência de uma anistia "ampla, geral e irrestrita" tornou-se a marca da campanha.
O projeto de anistia foi enviado ao Congresso pelo então presidente João Figueiredo em junho de 1979. A ideia de uma "anistia recíproca" não era alheia à campanha pela anistia, ressalta Carlos Fico, lembrando que a dirigente da seção gaúcha do Movimento Feminino pela Anistia, por exemplo, defendia uma anistia "de parte a parte", tanto quanto Pedro Simon falava em "esquecimento recíproco dos que agiram e dos que sofreram".
Pery Bevilacqua também defendia a "anistia recíproca", diferentemente da presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia, Terezinha Zerbini.
O projeto encaminhado por Figueiredo não incluía na anistia os "condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal", que os militares chamavam, genericamente, de "terroristas".
A ampliação do alcance da anistia acabou acontecendo por pressão da sociedade e com a alteração de algumas leis, como a Lei de Segurança Nacional.
Mas o projeto do governo incluía o perdão para os chamados "crimes conexos", fórmula obscura, segundo Fico, adotada porque o governo não estava apenas preocupado com torturadores.
Ao anistiar os "crimes políticos ou praticados por motivação política", o projeto garantia que, no futuro, nenhum militar seria punido em função das ilegalidades praticadas durante a ditadura.
Como registrou o brasilianista Thomas Skidmore, a anistia foi "uma transação política", com o objetivo da conciliação.
O insuspeito sociólogo Luiz Werneck Vianna, homenageado no recente 15º Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia com o prêmio Florestan Fernandes, defendeu em entrevista ao "Valor Econômico" uma posição bastante independente com relação à Comissão da Verdade, servindo para colocar nos trilhos a pretendida revisão da Lei de Anistia de 1979.
"A minha posição não acompanha as posições majoritárias aí na intelligentsia. Acho que a gente deve recuperar a história, mas o passado passou, é página virada", definiu Werneck Vianna, lembrando que cada país tratou do assunto delicado de acordo com as suas circunstâncias.
"A esta altura, rasgar a Lei da Anistia seria jogar o país numa crise, não sei para quê", assinala o sociólogo.
O mais importante no raciocínio de Werneck Vianna, no entanto, é o que toca em outro tabu da política brasileira: os que estão querendo reabrir a questão são, na sua definição, "as forças derrotadas, ou seja, a luta armada".
E os que fizeram os acordos "que nos trouxeram à democracia" foram as grandes lideranças políticas que, segundo o sociólogo, "tiveram muito clara esta questão: anistia real, geral e irrestrita".
Werneck Vianna insiste: "Não foram elas (as forças derrotadas) que nos trouxeram à democracia. Nos momentos capitais, ela não estava à frente, na luta eleitoral, na luta política, na Constituinte. (O deles) era um outro projeto."
A idéia de rever a anistia é, para o sociólogo, "politicamente anacrônica. O país foi para a frente". Para ele, "os direitos humanos dizem respeito aos vivos. Aos mortos, o velho direito de serem enterrados como Antígona (protagonista da tragédia grega de Sófocles) quis enterrar o irmão em solo pátrio. É o que esta Comissão da Verdade está fazendo".
Esse resumo de Werneck Vianna sobre as condições políticas que levaram à decretação da anistia e à redemocratização do país, com a convocação da Constituinte de 1988, pode ser acompanhado pelo relato de Dona Mora no GLOBO aos domingos, que, incorporada pelo jornalista Jorge Bastos Moreno, está nos contando, com detalhes de bastidores, a atuação de seu marido, Ulysses Guimarães, uma das grandes lideranças políticas do país na resistência à ditadura militar.
Outra grande figura daquele tempo, Petrônio Portella, presidente do Senado durante o governo Geisel e ministro da Justiça de Figueiredo, foi fundamental na negociação para a anistia e teve em Ulysses um adversário dentro do PMDB.
Dona Mora, com a sinceridade que os mortos podem ter, especialmente quando psicografados por Moreno, explicava essa pendência: "Ulysses debochava da sua empáfia. E, também, não será aqui nos nossos encontros que deixarei de ser sincera: os paulistas sempre tiveram preconceitos contra os nordestinos. E Petrônio Portela, a estrela civil da ditadura, era do Piauí."
Petrônio tinha, porém, diálogo com o PMDB através de Tancredo Neves, outro grande líder político da abertura que chegou à Presidência da República no processo de redemocratização, e Thales Ramalho.
Do lado governista, o então deputado Marco Maciel foi outro importante aliado dos militares que queriam fazer a abertura política, na disputa contra a "linha dura" militar.
O historiador Carlos Fico, da UFRJ, em trabalho justamente sobre as negociações políticas que desembocaram na anistia, lembra que "a Lei da Anistia de 1979 foi uma das etapas do longo processo de superação do regime militar. Assim, para que se possa interpretá-la corretamente, é fundamental considerar o contexto em que foi aprovada", mostrando que "a maioria dos membros da oposição, no contexto da negociação política que se estabeleceu, aceitou a anistia tal como foi proposta pelo governo".
A chamada "abertura política", que desembocou no fim do AI-5 e na anistia, iniciou-se no governo do general-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) e estendeu-se pelo mandato de seu sucessor, o general João Figueiredo (1979-1985).
Carlos Fico lembra que Geisel tomou várias iniciativas que atenuaram a opressão política, como o abrandamento da censura à imprensa e o restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos.
Esse passo foi dado, aliás, dentro da chamada "Missão Portella", em que o então presidente do Senado, depois da decretação do Pacote de Abril, que fechou o Congresso, tentava retomar o diálogo com a chamada "sociedade civil".
Buscou a cooperação do então presidente nacional da OAB, Raymundo Faoro, que pediu a volta do habeas corpus como um sinal concreto de que havia a intenção do governo de restabelecer a democracia no país.
Foi nesse contexto de "abertura" que surgiu a campanha pela anistia em 1975, com diversas manifestações pelo país, em ritmo crescente, até que em 1978 formou-se o Comitê Brasileiro pela Anistia, lançado no Rio de Janeiro com o apoio do general Pery Bevilacqua, punido pelo AI-5 em 1969.
A exigência de uma anistia "ampla, geral e irrestrita" tornou-se a marca da campanha.
O projeto de anistia foi enviado ao Congresso pelo então presidente João Figueiredo em junho de 1979. A ideia de uma "anistia recíproca" não era alheia à campanha pela anistia, ressalta Carlos Fico, lembrando que a dirigente da seção gaúcha do Movimento Feminino pela Anistia, por exemplo, defendia uma anistia "de parte a parte", tanto quanto Pedro Simon falava em "esquecimento recíproco dos que agiram e dos que sofreram".
Pery Bevilacqua também defendia a "anistia recíproca", diferentemente da presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia, Terezinha Zerbini.
O projeto encaminhado por Figueiredo não incluía na anistia os "condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal", que os militares chamavam, genericamente, de "terroristas".
A ampliação do alcance da anistia acabou acontecendo por pressão da sociedade e com a alteração de algumas leis, como a Lei de Segurança Nacional.
Mas o projeto do governo incluía o perdão para os chamados "crimes conexos", fórmula obscura, segundo Fico, adotada porque o governo não estava apenas preocupado com torturadores.
Ao anistiar os "crimes políticos ou praticados por motivação política", o projeto garantia que, no futuro, nenhum militar seria punido em função das ilegalidades praticadas durante a ditadura.
Como registrou o brasilianista Thomas Skidmore, a anistia foi "uma transação política", com o objetivo da conciliação.