Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 04, 2010

Suely Caldas -Riscos eleitorais

O Estado de S.Paulo

Dívida pública em expansão, superávit primário em queda, inflação em alta e com risco de não cumprir a meta do ano, déficit externo piorando e... Tudo isso em ano eleitoral, quando os cofres públicos se abrem para as gastanças políticas e, em ritmo de despedida e busca frenética de popularidade, os governantes pisam forte no acelerador e se lixam para o futuro. Divulgados na quarta-feira, o Relatório de Inflação e o resultado das contas públicas do Banco Central (BC) assustaram. Como será nos próximos meses? O perigo está numa certeza: a agenda política vai se impor sobre a econômica. Afinal, se o presidente declara em público que sua maior prioridade em 2010 não é governar o País, mas se empenhar em eleger a sucessora, o que esperar de ministros, governadores, deputados e senadores neste ano de eleições?

Ao analisar o resultado fiscal de fevereiro, que apresentou déficits de R$ 701 milhões do governo federal e de R$ 1,6 bilhão das empresas estatais, o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, os atribuiu ao pesado cronograma de repasses dos ministérios, pagamentos de royalties a Estados e municípios e de dividendos retidos da Eletrobrás. Lopes não detalhou, mas os repasses privilegiaram os Estados de origem dos ministros, que se despediram na última quarta-feira para cuidar de suas campanhas. O ministro Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional, foi o campeão de repasses para a Bahia, onde é candidato a governador. Não foi o único. Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Social, foi generoso em verbas para Minas Gerais, onde vai disputar o governo ou o Senado. E por aí vai...

O déficit do governo central surpreendeu porque a receita tributária só tem crescido e, mesmo assim, não cobriu as despesas. E, se em fevereiro os repasses multiplicaram, o que o contribuinte deve esperar de março, o último mês de gestão dos ministros que saíram? Na posse coletiva dos novos ministros, Lula pediu a eles que não inventassem nada e dessem seguimento aos programas em andamento. Será que eles resistirão à tentação ou aproveitarão seu curto tempo de fama e gestão? Afinal, o presidente é tão tolerante com quem comete erros...

Com o superávit primário minguado, faltou dinheiro para pagar juros e a dívida líquida cresceu em fevereiro de 41,6% para 42,1% do PIB, ampliando a dívida bruta para a extraordinária cifra de R$ 2,015 trilhões. O governo Lula perde oportunidade rara de aproveitar o bom momento econômico para reduzir a dívida do País.

Pior foi o relatório trimestral da inflação, que descreve um cenário de desequilíbrio entre demanda e oferta que pressiona os preços, levou o BC a aumentar de 4,6% para 5,2% sua previsão de inflação em 2010 e a admitir que a meta de 4,5% não será cumprida. O relatório não foi pessimista, foi realista. Reforça os argumentos da Ata do Copom de deterioração da inflação, justifica ser inevitável aumentar a Selic em abril e põe lenha na fogueira das especulações sobre os verdadeiros motivos que levaram o BC a manter a taxa em 8,75%, em vez de elevá-la na última reunião do Copom.

Há quem avalie que o BC montou uma estratégia prévia que implicou deixar a decisão de aumentar a Selic para a nova diretoria, com o objetivo de fortalecê-la, logo na partida, com uma imagem de independência e autonomia. Os fortes argumentos em favor da elevação da taxa contidos na Ata do Copom e no Relatório de Inflação são verdadeiros sim, mas foram intencionalmente reforçados para construir um colchão de proteção contra afoitas interferências partidas de dentro do governo já no início da nova gestão. Faz sentido. Influências políticas em decisões sobre juros só servem para dar munição aos especuladores do mercado. E como esta diretoria é toda ela integrada por funcionários do governo, tradicionalmente submissos a quem detém poder político (olha aí o ministro Guido Mantega, que sempre quis interferir), é melhor avisar, na partida, que ela vai agir com independência. E será sempre assim? A ver.

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