O Estado de S.Paulo - 09/04/10
"A Justiça só é justa quando alcançada por meios justos." Essa palavra de ordem eu conheci com o Guilherme Afif, durante a sua heroica campanha à Presidência da República em 1989 - primeiro pleito democrático de tal porte depois de três décadas. Foi por meio dele também que entendi (eu e o então garoto Gilberto Kassab) que a política não é, necessariamente, a mais vil das profissões. Ela pode ser também a mais nobre das artes. E a humanidade precisa que ela seja assim.
Eu, é forçoso reconhecer, estou ficando velho - "maduro", numa definição mais precisa. Queira ou não, sou um político identificado pelos jovens como "do século 20". Infelizmente é verdade. Aprendi a lidar com a informática e com a internet nos seus primórdios. Dominava tudo nessas duas áreas, mas estacionei no fim do século passado. Word, Excel, e-mail, tudo isso é comigo mesmo. Agora Twitter, Facebook e as demais redes sociais só consigo operar com a assessoria de profissionais qualificados: jovens que me "concedem" aulas, empertigados.
Cabe aí a pergunta: Será que nós, "políticos do século 20", ainda somos de alguma utilidade? Eu ouso afirmar que sim. Somos nós, ainda, os guardiães dos "valores permanentes". O que são eles? Coisas assim como virtude, coerência, palavra e honra - que recebemos de nossos avós com a condição de transmitirmos para os nossos netos.
Dia desses eu juntei a família e declarei: - Meus filhos, eu já ocupei quase todo tipo de cargo em minha vida pública, como jornalista, administrador e parlamentar, e posso hoje afirmar que as únicas personalidades políticas que me impressionaram foram aquelas que demonstraram ter as vistas postas além do horizonte próximo. Isso é o que se pode chamar de civismo. Essas pessoas punham os seus ideais além de suas conveniências políticas imediatas e - exatamente por isso - muitas vezes foram incompreendidas pelas grandes massas. Paciência! Nem por isso deixaram de lado os seus sonhos e se tornaram impenitentes velhacos e adeptos do farisaísmo e da hipocrisia, como parece ser praxe no mundo político. Muitos ainda lograram colher em vida os frutos de sua coerência. Outros, não, o que valida a máxima cristã (Sermão da Montanha) de que "Deus faz chover da mesma forma sobre justos e injustos".
Voltando ao tema principal, eu declarei solenemente aos meus filhos que sempre estaria ao lado de gente com tais virtudes, porque eles pertencem a um tipo especial de políticos que "pensa grande". E eu, particularmente, tenho especial fascínio por pessoas assim.
"Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena", repetia para mim sempre, parafraseando Fernando Pessoa, durante uma campanha presidencial - aquela de 1989 - em que todos nós sabíamos não ter chances reais de vitória. Essas palavras caíam fortes em mim em especial: um ano antes, em 1988, eu havia sido candidato a prefeito de São Paulo pelo PL, um partido então minúsculo, porém dotado de uma doutrina e de uma conduta coerentes e consistentes. E também jamais tivera chances mínimas de vitória.
Pois bem, lá se vai metade do artigo e eu ainda nem sequer esbocei a minha mensagem principal.
Lá vai. O que quero dizer é que, por já conhecer a política e os seus personagens o suficiente, eu aprendi a dar valor apenas àqueles homens que se dispõem a, na vida pública, acrescentar alguma coisa: valores, principalmente.
Em outras palavras: eu prefiro os homens públicos que sempre atiram para cima, mesmo sob o risco de errar, do que aqueles que costumam atirar para baixo, porque julgam que assim é mais fácil de acertar.
A sabedoria antiga já rezava: quando no deserto, guie-se sempre pelos astros mais brilhantes. Você jamais haverá de alcançá-los - não se iluda -, mas é seguindo-os que você alcançará o seu destino.
Eu, dessa forma, tenho especial admiração pelos homens que pretendem deixar nessa vida alguma marca de si. São eles - e unicamente eles - aqueles que conseguem fazer alguma diferença.
O agora ex-governador de São Paulo José Serra se lança candidato à Presidência da República, buscando realizar aquele que sempre foi o seu maior sonho.
Aprecio muito o Serra. Eu o conheço relativamente bem há mais de três décadas. Mais especificamente desde a heroica primeira candidatura do então professor Fernando Henrique Cardoso ao Senado, por São Paulo, em 1978, numa sublegenda do então MDB. O candidato vencedor, então, foi o Franco Montoro.
José Serra, após 1964, aproveitou para graduar-se em Ciências Econômicas no Chile e nos Estados Unidos e pretendia se candidatar naquela eleição a deputado federal. A legislação da época não permitiu e, assim, ele contentou-se em ser, como eu, um cabo eleitoral de FHC. Sorte minha. Tive assim a oportunidade de vir a conhecer razoavelmente bem alguém que o próprio Fernando Henrique me confidenciara, então, ser um dos mais preparados de seus quadros.
José Serra adotou como um dos principais temas de sua campanha a ética. Difícil escolha essa. Valores éticos não são dos mais fáceis ou atraentes temas eleitorais. Essa é uma das razões pelas quais eu tenho orgulho em empunhar essa bandeira.
Talvez seja exatamente nisso que nós, os "antigos", nos comungamos com os mais jovens: todos nós entendemos que de nada adianta acenar ao povo com privilégios ou benesses se não se garante a ele aquilo que é o mais básico, a decência.
Essa bandeira é, de todas, a mais gloriosa. Há mais de 2 mil anos se sabe que os corações não são conquistados pela força das armas, mas sim pela grandeza da alma.