VEJA
O Brasil já chegou ao futuro
O ministro da Fazenda diz que o Brasil passou pelo teste
da grande crise mundial, encontrou seu rumo e ele não
vai mudar, seja qual for o presidente eleito em 2010
Eurípedes Alcântara e Alexandre Oltramari
Lailson Santos | "As diferenças entre um e outro candidato dificilmente serão tão profundas a ponto de tirar o país do caminho que está trilhandol" |
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, 60 anos, tem mais horror de rótulos do que de recessão. A atual, diz ele, está sendo vencida pelo Brasil justamente porque a política econômica não é mais um cabo de guerra entre correntes de pensamento discordantes: "Essa discussão sobre se determinada medida é ortodoxa ou heterodoxa acaba sendo bobagem. Você tem de tomar as medidas que são mais eficientes para o país naquele momento – e ponto". Como um bom petista histórico, Mantega acredita que na política os conceitos de esquerda e direita continuam tendo validade. Mas em economia só atrapalham – pelo menos para quem tem a missão de formular políticas econômicas. Satisfeito com os resultados de seu pragmatismo, ele falou a VEJA.
Quando o senhor discutia as ideias econômicas do PT nos anos 80, seria levado a sério alguém que dissesse que a verdadeira revolução brasileira viria pela estabilidade econômica e pela criação de uma nova classe média? Seria uma surpresa ainda maior se essa pessoa dissesse que isso ocorreria em um governo do PT. O que importa mesmo é termos conseguido atingir nossos objetivos históricos. Eles nunca mudaram. Sempre foram elevar a qualidade de vida de todos os brasileiros, em especial daqueles com maiores carências, fortalecer a democracia, modernizar ainda mais a economia, tornar o Brasil um país menos dependente, menos vulnerável e fortemente respeitado no exterior. Nossa passagem pelo governo e a maneira como enfrentamos as crises externas e internas me permitem dizer o que todo mundo repete lá fora: para o Brasil o futuro, finalmente, chegou. O sinal mais evidente disso é estarmos caminhando para mais uma eleição presidencial e, desta vez, sem dar chance aos especuladores de explorar riscos reais e imaginários como no passado. Espero que saia vencedora nossa candidata, a ministra Dilma Rousseff, mas, seja quem for o novo presidente eleito em 2010, ele não terá como mudar radicalmente os rumos do país. Não vai desfigurar a política econômica, tampouco a social. Se relaxar no combate à inflação, estará em apuros. Se acabar com o Bolsa Família, correrá o risco de ser deposto.
Em 2002, o mercado se apavorou com Lula e o risco-país bateu em 2 400 pontos, um recorde. A desconfiança foi exagerada? Isso foi em outubro de 2002. Lula liderava as pesquisas e havia um acúmulo de percepções negativas sobre como se comportaria a esquerda brasileira, que pela primeira vez chegava ao poder em nível federal. Muita gente falava que haveria quebra de contratos, de princípios, e que nós não iríamos respeitar as instituições. Somava-se a isso a própria fragilidade da economia brasileira naquele momento. O nível de reservas internacionais estava muito baixo, os investimentos estrangeiros diretos tinham despencado e, para piorar, o país ainda sentia os impactos de uma grave crise de energia. Então, por mais que reafirmássemos nosso compromisso com a responsabilidade na condução da economia, as percepções negativas se mantiveram. Elas só se dissiparam mesmo quando começamos a governar e não quebramos um contrato sequer, adotamos uma política fiscal mais vigorosa do que a do governo anterior, reforçamos a luta contra a inflação e continuamos arrumando o país.
Continuaram...? Mas, então, o mundo não começou no dia da posse do Lula? Ironias à parte, fomos nós que demos a grande virada no país ao incentivar o crescimento. Demos a virada por nossos próprios méritos, principalmente pelo fato de o presidente Lula ser um político conciliador e avesso a rupturas e por sabermos aproveitar a excelente situação da economia externa que vigorou até o ano passado. Mas é óbvio para qualquer um que é obra também de governos passados o fato de dispormos atualmente da democracia mais funcional e das instituições mais avançadas entre todos os principais países emergentes, chamados de Brics por alguns. Nós construímos em quinze, vinte anos instituições sólidas no país. Hoje não se aceita mais que as políticas públicas sejam feitas sem ouvir os trabalhadores e sem que elas visem a diminuir a pobreza e a concentração de renda. O Brasil era um país vergonhoso. Agora há um consenso em torno de pontos vitais, e, repito, seja qual for o próximo governo, ele vai continuar acumulando reservas, diminuindo a vulnerabilidade externa, vai manter a inflação sob controle e dar continuidade aos programas sociais. As diferenças entre um e outro candidato sempre existirão, mas dificilmente elas serão tão profundas a ponto de tirar o país do caminho que está trilhando com tanto sucesso.
"Quem disser que esta crise não foi o maior 'stress test' do século estará desinformado. Foi um teste brutal, e o Brasil está se saindo muito bem até agora. Todos os setores da economia brasileira já começam a reportar uma retomada" |
O Brasil passou com louvor pelo teste político de ser governado pela esquerda. O senhor diria que a crise financeira mundial foi a grande prova para a economia e também fomos aprovados? Quem disser que esta crise não foi o maior "stress test" do século estará mentindo ou desinformado. Foi um teste brutal, e o Brasil está se saindo muito bem até agora. Saiu-se bem em relação a si mesmo, pois provações bem menos vigorosas no passado nos deixaram de joelhos. Saiu-se bem também em comparação com os demais países emergentes e em comparação com as economias mais maduras. Para completar o quadro positivo, houve um reconhecimento quase universal do nível de preparo do Brasil para enfrentar situações internacionais adversas. Isso é um prenúncio de que, quando a crise amainar ainda mais, começará a haver uma sobra de capital, uma liquidez enorme no mundo, que vai procurar um lugar seguro e promissor para investir. Posso afirmar sem medo de errar que uma porção substancial desse capital virá para o Brasil.
Com relação à crise mundial, pode-se dizer que ela está no fim, no começo do fim ou apenas no fim do começo? A fase mais aguda da crise já foi deixada para trás. Isso é consenso mesmo nos países avançados que foram o epicentro de tudo e agora começam a experimentar uma melhoria gradual. Mas talvez seja tarde demais para salvar 2009 da recessão. Ela será forte em quase todos os países, com raras exceções. O Brasil é uma dessas exceções. Nossa economia vai se sair melhor do que as da Inglaterra, da União Europeia, do Japão e dos Estados Unidos. Esses países e regiões estão prevendo variações do PIB fortemente negativas. O Brasil não apresentará o mesmo resultado brilhante dos dois anos passados, mas os dados mostram que podemos chegar ao fim do ano com um resultado mais próximo do positivo do que do negativo.
Que dados são esses? Todos os setores da economia brasileira já começam a reportar uma retomada. Em ritmo diferente, claro, mas todos estão começando a acelerar. Mesmo o setor industrial, que tem problemas mais específicos e mais profundos, já dá sinais muito claros de recuperação. Outro sinal inequívoco de que as nuvens de tempestade estão se dissipando vem de fora. Nas primeiras semanas de maio, a bolsa de valores recebeu quase 5 bilhões de dólares. Esse tipo de investimento é uma boa leitura de radar do que está para ocorrer na economia real. De modo geral, quando não se trata de especulação, os investidores vão para a bolsa de um país com a expectativa de se posicionar para ganhar com a valorização das ações que resultará do esperado crescimento econômico. Quando se olha o IED, o investimento estrangeiro direto, feito em fábricas e outros bens no Brasil, os números também são bons. Em abril entraram no país 3,5 bilhões de dólares. Isso cria empregos, que é nossa principal meta.
Alguns analistas temem que essa "corrida para o Brasil" produza uma bolha. O senhor compartilha esse temor? Não temos esse temor e não pensamos em taxar o investimento estrangeiro. Isso só é necessário em situações muito excepcionais, quando tudo o que entra vai para aplicações financeiras. No ano passado, quando houve um fluxo exagerado de dólares direcionado à renda fixa, decidimos taxar essas operações em 1,5%, pois elas estavam atrapalhando o funcionamento da economia. Não é o caso agora no Brasil. Estamos falando em uma economia que vai crescer de 3% a 4% já no próximo ano, que tem necessidade e condições de usar produtivamente a médio prazo todo o capital externo que puder atrair.
O governo Fernando Henrique transcorreu sob uma tensão constante, positiva até, entre correntes ditas desenvolvimentistas e monetaristas. Qual a grande polarização interna na formulação da política econômica do governo Lula? Tentou-se explorar uma potencial disputa entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Mas isso durou pouco. Não existe essa polarização. Cada um faz seu trabalho. Cada um tem uma área específica. Trabalhamos juntos, nos reunimos toda semana, discutimos os problemas do país e buscamos sempre uma sintonia. Pensamos igualmente sobre todos os assuntos? Não. Lá fora, cada um tem um ponto de vista diferente sobre A ou B. Mas, no governo, essas diferentes visões precisam ser direcionadas para a obtenção do objetivo comum.
"A vocação pela conciliação do presidente Lula, seu jeito de avançar pelo consenso, funciona tão bem porque a sociedade brasileira não é radicalmente dividida, não se dilacera na luta de classes" |
O senhor sofre pressão de grupos de esquerda para adotar políticas mais populares? Pode parecer uma visão muito benigna, mas é verdade constatável. A vocação pela conciliação do presidente Lula, seu jeito de avançar pelo consenso, funciona tão bem porque a sociedade brasileira não é radicalmente dividida, não aposta no confronto, não se dilacera na luta de classes. Os pobres melhoraram sua condição de vida sem que fosse preciso tirar dos ricos para dar a eles. Os empresários têm hoje mais oportunidades do que tinham no passado. O Brasil avança com o talento dos empresários somado ao dos trabalhadores como uma burocracia pública tentando ajudar, e não ser um obstáculo. O Brasil encontrou sua diretriz e está unido em torno dela.
O senhor já ouviu propostas não republicanas em seu gabinete?Há uma filtragem muito eficiente até alguém conseguir sentar aqui na frente do ministro. Mas, às vezes, algumas pessoas chegam achando que o estado está a serviço de si mesmo ou de determinada empresa ou de algum mandato. Mas essas propostas não prosperam.
O senhor tem alguma resposta-padrão para esse pessoal? Quando as coisas vão bem, todo mundo é ortodoxo, a favor do mercado, mas, quando as coisas vão mal, todo mundo quer que o estado salve. Eu até entendo, quando a pessoa fala em nome de todo um setor em dificuldade e procura uma salvação por meio da intervenção do governo. É assim no Brasil. Vimos recentemente que é assim também lá fora. Nossa política é a de que é preciso ouvir e tentar ajudar dentro de princípios claros e sem prejuízo para os cofres públicos.
Quais os pedidos mais comuns? O que todo setor quer é, exagerando, que os impostos sejam reduzidos a zero. Se nós atendêssemos a todo pedido de redução de impostos, a arrecadação é que seria zerada. Não haveria arrecadação.
Com gastos de custeio que crescem a cada ano e já dono de 40% de toda a riqueza do país expressa pelo PIB, não chegou a hora de o estado brasileiro começar a pesar menos sobre os ombros dos contribuintes? Nós temos reduzido os impostos, reduzimos o IPI de quase tudo e vamos reduzir mais quando as condições possibilitarem. Mas o custo da folha de pagamento ainda é muito alto para as empresas no Brasil. A contribuição previdenciária é bastante elevada, e isso resulta em prejuízo para o próprio empregado. Vamos atacar isso sem que implique perda de direitos para os trabalhadores. O custo de criar e manter um emprego no Brasil tem de cair rapidamente. Todos ganhariam com isso.