O Estado de S. Paulo - 09/06/2009
Não há pânico nos mercados, mas talvez esteja em formação algo próximo disso.
Desde o dia 4, o mercado financeiro internacional manifesta um movimento de rejeição dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos de curto prazo, as T-Notes de 2 anos. Seria o começo da rejeição do dólar?
O gráfico ao lado mostra uma forte escalada no rendimento (yield) destes títulos no seu mercado de revenda. (Veja a explicação no Entenda.)
Um grupo minoritário de analistas faz o jogo do contente e interpreta a estocada do rendimento como demonstração de que mais gente está se desfazendo de posições defensivas (T-Notes) para voltar a aplicar em títulos de risco, especialmente ações. Mas o que parece estar acontecendo é que os títulos de curto prazo passam por uma forte rejeição.
O fundamento disso é o medo de estarem próximos os dias em que o mercado global perca o apetite por títulos do Tesouro americano e este se veja obrigado a pagar o resgate não mais com emissão de novos títulos, mas com emissão de moeda providenciada pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Se isso ocorrer, estará escancarada a porta para a inflação nos Estados Unidos.
Ao menos dois fatores sustentam esse medo. O primeiro é o fato de que o déficit orçamentário, ou seja, a insuficiência de arrecadação de impostos nos Estados Unidos para o tamanho das despesas correntes do governo, ultrapassará neste ano, cujo exercício fiscal termina em setembro, a magnitude de US$ 1,8 trilhão.
Segundo, o Fed extrapolou todos os limites do seu mandato para socorrer a economia americana em plena crise. Despejou dinheiro vivo nos bancos, financiou o setor privado e, dentro do esquema heterodoxo do tal afrouxamento monetário, está recomprando US$ 300 bilhões em títulos do Tesouro de longo prazo, o que quase se equivale a financiar despesas correntes do setor público americano. Essas injeções incharam o balanço do Fed em nada menos que US$ 2 trilhões.
Pode-se contra-argumentar que o Fed está comprando esses títulos no mercado secundário, porque estavam nas carteiras do John, do Joe e do Bill, e que isso não é a mesma coisa que passar dinheiro vivo para o Tesouro. Mas o fato é que o dinheiro deixado pelo Fed com o John, com o Joe e com o Bill em pagamento dos títulos está disponível agora para comprar novos títulos do Tesouro, que continua compulsivamente a despejá-los no mercado.
Essas operações heterodoxas não estão levantando cismas apenas dos predadores habituais do mercado financeiro. As autoridades da China já se manifestaram algumas vezes sobre as dúvidas que começam a pairar sobre a saúde da principal moeda de reserva do Planeta. E, na semana passada, foi a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, que fez um duro pronunciamento contra as irresponsabilidades heterodoxas dos bancos centrais, e aí incluiu o Fed, o Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra.
O presidente do Fed, Ben Bernanke, não respondeu diretamente a Merkel. Mas também fez declarações duras em que pareceu reconhecer que falta uma estratégia de saída e cobrou responsabilidade fiscal dos Congressistas e do governo americano.
Enfim, são coisas que não podem ficar por isso mesmo.
CONFIRA
Por que o rendimento sobe quando um título é rejeitado? Ao ser emitido, um título prevê o prazo de vencimento e os juros. Esses títulos podem ser renegociados, a preços definidos pela lei da oferta e da procura.
Se a procura aumenta, o preço pago pelo título sobe, ou seja, o vendedor exige mais dólares por ele. Como os juros embutidos continuam os mesmos, se o comprador precisa gastar mais, o juro fica mais baixo em relação ao capital aplicado.
Se ocorre o contrário, ou seja, a procura se retrai, o titular do ativo aceita vendê-lo por menos e os juros ficam mais altos em relação ao total aplicado.
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