Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 04, 2009

Políticas de governo ou de ministros? Rolf Kuntz


O Estado de S. Paulo - 04/06/2009
O Brasil é comandado pelo presidente Lula, disse o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, durante o entrevero com a senadora Kátia Abreu, líder ruralista. Se o presidente comandar o Executivo - não o País - e conseguir articular sua base parlamentar, já executará boa parte de sua tarefa. Mas perguntem ao presidente: Qual a política ambiental de seu governo? Qual sua política agrícola? Quais as prioridades transmitidas aos ministros do Meio Ambiente e da Agricultura? Ganha um prêmio quem conseguir uma resposta satisfatória. Se houvesse orientação, ministros não andariam brigando em público nem sairiam em busca de composições com diferentes setores políticos e diferentes grupos de interesses. O ministro Carlos Minc mencionou um pacto entre ambientalistas e a agricultura familiar como derrota para o grupo ruralista. É função de ministro fazer pactos desse tipo?

O presidente Lula tem cobrado bom comportamento de seus auxiliares: divergências não são proibidas, podem até ser úteis, mas não se deve discutir em público. Ele acerta ao cobrar mais compostura e mais discrição, mas erra ao parar nesse ponto. Recém-eleito, em 2002, Lula prometeu governar para todos os brasileiros - não só para quem votou nele. Apesar de redundante, foi uma promessa bonita. Mas ele mesmo não tirou as consequências de suas palavras. Um de seus erros foi permitir a fragmentação do governo, como se os diferentes ministérios devessem atender a diferentes interesses.

O ministro Minc apresentou-se, durante a discussão com os fazendeiros, como representante dos ambientalistas. Se essa é a sua concepção do cargo, está errada. Ministro do Meio Ambiente não representa ambientalistas. Ministro da Agricultura não representa agricultores, grandes ou pequenos, nem os empresários do agronegócio. Ministro do Desenvolvimento não representa industriais. Presidente de Banco Central não representa os banqueiros. Ministro do Trabalho não representa os trabalhadores. Presidente da CVM não representa os participantes do mercado de capitais. O presidente da República representa o País. Para ajudá-lo nessa função ele delega responsabilidade e autoridade a ministros e a outros funcionários. Assim como seu chefe, eles são representantes da sociedade, e não de alguns grupos e de alguns interesses.

Tudo isso pode ser o óbvio ululante, mas essa obviedade é com frequência esquecida no governo. Só esse esquecimento pode explicar o pacto, alardeado pelo ministro Minc, entre seu ministério, os ambientalistas e a agricultura familiar - um pacto descrito como derrota para o grupo ruralista. Como esse grupo, segundo Minc, é apoiado pelo ministro da Agricultura, também este, segundo o mesmo raciocínio, foi derrotado. E o governo? Saiu vitorioso ou perdedor desse episódio?

O pacto festejado em tom triunfal pelo ministro do Meio Ambiente foi motivado pela discussão sobre a reforma do Código Florestal Brasileiro. É um assunto de enorme importância e o governo deve ter uma opinião sobre o assunto. O governo - não este ou aquele ministério. Se o governo tem uma opinião sobre o tema, seus ministros devem trabalhar em conjunto, apoiando e municiando a base parlamentar. Em conjunto os ministros e parlamentares da área governista devem negociar os detalhes polêmicos do projeto, sem se envolver em pactos ou alianças com quaisquer dos grupos de interesses. Se não houver acordo e for preciso confrontar algum grupo, os ministros devem ir unidos para a briga. Os parlamentares da base podem até se dividir, para atender seus eleitores, mas não os membros do Executivo. A administração e a política funcionam assim, nas democracias, exceto quando o governo é incapaz de se organizar.

O presidente Lula parece ter outra concepção de governo e de administração pública. Se a sua concepção fosse mais próxima dos padrões comuns, não teria, por exemplo, deixado o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, afrontar a Comissão de Ética Pública. Não teria tolerado por tanto tempo, no primeiro mandato, o conflito entre o presidente do BNDES, Carlos Lessa, e o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan. Não teria deixado o Ministério do Desenvolvimento Agrário intrometer-se nas discussões da Rodada Doha sobre comércio agrícola. Não autorizaria pressões contra o Banco Central, embora ele mesmo, o presidente da República, tenha evitado dar grandes palpites sobre juros e câmbio. A pergunta permanece: a política ambiental e a política agrícola são dos ministros ou do governo?

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