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Macacos nos mordam
Mas só se forem bem limpinhos, ou você vai disparar na
escala de nojo. Isso mesmo: estudo americano estabelece
índice de repugnância e suas conexões sociopolíticas
Suzana Villaverde
Divulgação |
PRATO CHEIO Kate Capshaw no banquete simiesco de Indiana Jones e o Templo da Perdição: um clássico |
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Você é do tipo de pessoa que compra um pacote de frutas pré-lavadas, chega em casa e lava tudo de novo? Não encosta em nenhum machucado, nem o seu próprio? Sente pavor incontrolável diante de todo e qualquer inseto? O motivo, como era de esperar, está num recanto do seu cérebro, território que vem sendo mapea-do com precisão cada vez maior, para intenso fascínio dos leigos no assunto. O recanto, no caso, chama-se córtex pré-frontal medial, uma área crucial para a elaboração de julgamentos. Nos indivíduos que têm circuitos neurológicos mais sensíveis a ameaças sociais, essa região do cérebro desencadeia intensa aversão a elementos externos indesejáveis. Daí a sensação de nojo incontrolável diante de situações que os mais insensíveis toleram e até dão risada, como atestam clássicos da repugnância do patamar da inesquecível cena do banquete com miolos de macaco em Indiana Jones e o Templo da Perdição, em que a atriz Kate Capshaw reflete o sentimento das pessoas normais diante daquilo. Mais importante ainda, do ponto de vista das pesquisas comportamentais, é o fato de que, quando alguém não suporta a visão de uma barata, não é a barata, em si, que desperta tamanha aversão, mas sim o julgamento moral que faz dela: um bicho que vive no esgoto e na sujeira. Para avaliar o grau de repugnância dos indivíduos, o psicólogo americano Jonathan Haidt, professor da Universidade de Virgínia, desenvolveu, com colegas, uma "escala de nojo" que virou notícia, inclusive, no New York Times. Sua função, segundo ele, não é simplesmente dividir as pessoas entre as que têm maior ou menor tolerância a coisas repugnantes. A definição é mais abrangente, envolve valores e regras pessoais e chega até o espectro político: quanto mais cheio de cuidados com o que come, vê e manipula, mais conservador é o indivíduo. "Liberais costumam ser abertos a novas experiências e situações. Conservadores adotam uma postura cuidadosa, escolhem com segurança – e geralmente têm mais nojo", diz Haidt, usando a terminologia americana para esquerda e direita.
O teste mede a propensão individual para a repulsa com perguntas que avaliam três tipos de nojo: aquele que recorda que somos mortais e vamos apodrecer, como o que se sente diante de cadáveres; o que remete a contaminação, como usar o garfo que outra pessoa levou à boca; e o nojo clássico, que faz tapar a boca e virar o rosto. A aversão a situações de contaminação, segundo Haidt, é a mais indicativa da tendência conservadora. "Ela não é determinante, até porque na ciência social não existem leis. Mas comprova uma predisposição, um empurrão naquela direção", explica. Mulheres sentem, sim, mais nojo do que homens, e Haidt credita essa atitude a seu papel na evolução humana: "São as mulheres que cuidam dos bebês e por isso precisam se preocupar com limpeza e risco de infecções. Homens, em geral, nem chegam a reparar na sujeira". Na sociedade atual, o nojo visceral não tem mais função evolutiva, mas a repugnância diante de certas ações ainda molda o comportamento humano. "O chamado nojo moral, que faz o indivíduo rejeitar ideias e atitudes deploráveis, é capaz de desencadear reações compatíveis com as provocadas por um alimento estragado", explica o neurologista Jorge Moll, coordenador do Centro de Neurociências, no Rio de Janeiro. Quando o nojo é excessivo, e incomoda, a forma de amenizá-lo é uma só: expor-se continuadamente ao objeto da aversão. Técnico de necropsia há 45 anos, o paraibano Geraldo Ferreiro, 69, lembra a primeira vez que teve de abrir um cadáver. "Não sabia direito qual era o trabalho e, quando soube, vomitei a feijoada que tinha almoçado", diz, resumindo em uma dúzia de palavras algumas das situações mais nojentas possíveis para um ser humano. Passou três meses sem comer carne, mas acabou se acostumando. "Hoje mexo em cadáveres em decomposição sem problema algum", orgulha-se. Já Haidt, após tantos anos estudando o nojo, ainda se arrepia só de pensar em usar um banheiro sujo. "Para mim, é o pior", confessa, deixando entrever que quem é de esquerda, mesmo, nem repara nessas coisas.
Qual é sua reação diante de situações que atentam contra a higiene, o bom gosto e o estômago frágil? O teste abaixo se propõe a definir os diferentes índices de tolerância ou repugnância Conclusão Na pesquisa feita, a média de pontos das mulheres foi 47 e a dos homens, 39. Dez pontos acima ou abaixo ainda é considerado dentro da média. Menos que isso, você é despreocupado, o que é bom, mas corre certorisco de contrair infecções. Mais que isso, você é limpíssimo,o que é bom, mas vive sob tensão e pode ser mal compreendidopelas pessoas – principalmente as do outro grupo Fontes: Jonathan Haidt (Universidade da Virgínia), Paul Rozin (Universidade da Pensilvânia) |