Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 20, 2009

Jean Charles, com Selton Mello

VEJA

Emoções bem dosadas

Jean Charles conta, com delicadeza, a história do jovem 
mineiro que a polícia inglesa assassinou em 2005. Sem
transformar o personagem em símbolo, faz uma oportuna
crônica sobre a vida dos brasileiros no estrangeiro


Isabela Boscov

Divulgação
UM PERSONAGEM NATO Mello, como o eletricista Jean Charles: 
a ideia de que ser estrangeiro pode ser também uma libertação


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Jean Charles (Brasil/Inglaterra, 2009), que estreia nesta sexta-feira no país, exemplifica as vantagens dramatúrgicas de uma ideia formulada com clareza. É, como indica seu título, a história das últimas semanas na vida do eletricista mineiro que em 22 de julho de 2005 foi executado por engano pela polícia inglesa, dentro de um vagão de metrô de Londres, por ter sido incompreensivelmente confundido com um terrorista islâmico. Mas é também – ou antes de tudo – uma crônica do dia a dia daquele contingente de brasileiros que deixam cidades falidas para trabalhar em um país estrangeiro do qual não conhecem nada, nem a língua. Trata-se de um assunto que estava, por assim dizer, bem embaixo do nariz de qualquer cineasta, de ficção ou documentarista. Fácil dizer depois que alguém o enxergou como tal – no caso, Henrique Goldman, que, após longas estadas em Nova York e em Roma, se radicou em Londres desde os anos 90, onde faz documentários para canais como o Channel 4 inglês e a RAI italiana – e, aqui, dirige a primeira coprodução da história entre Brasil e Inglaterra.

O diretor elege como ponto inicial da narrativa o momento em que Jean Charles retorna a Londres, após uma visita ao Brasil, trazendo a prima Vivian. Ela quase é pega no aeroporto pela imigração; Jean Charles inventa uma história triste, e a prima sai de lá com um visto temporário. É uma bela introdução à situação: o terror da deportação, a maneira acanhada como uma recém-chegada como Vivian (Vanessa Giácomo) enfrenta uma cidade imensa e estranha como Londres, e o pendor de Jean Charles (Selton Mello) para se despachar e ajeitar a vida de um e de outro. Goldman e o roteirista Marcelo Starobinas foram conhecer de perto essa comunidade brasileira em Londres. Descobriram um curiosíssimo Brasil paralelo: vendedores de goiabada e pão de queijo, empresas só de motoboys brasileiros, "churrasquinhos de gato" no sábado. Trata-se de um Brasil paralelo, também, por ser monoglota – na maioria, essas pessoas não aprendem uma palavra de inglês. Segundo os relatos que os realizadores colheram, entretanto, Jean Charles era um caso especial. Adorava viver em Londres, fazia questão de falar o idioma e achava que lá poderia crescer e vir a ser algo mais.

Ter os vários lados de uma experiência em um mesmo punhado de protagonistas reais é raro, e o filme explora essa vantagem de maneiras às vezes inusitadas. Alex e Patrícia, os dois primos com quem Jean Charles já morava antes da chegada de Vivian, são interpretados por um ator – o excelente Luis Miranda – e pela prima verdadeira do personagem-título, Patricia Armani, que se tornou um salutar elemento desestabilizador para o elenco, por poder contrapor suas memórias de Jean Charles às concepções que cada um tinha da história. Também o patrão de Jean, o empreiteiro Maurício Varlotta – a pessoa que Jean almeja ser –, interpreta a si mesmo (e trata-se de um ator nato), assim como alguns dos seus peões. Embora brasileiros, o diretor e o roteirista estão longe do Brasil há tempo suficiente para saber lançar um olhar algo antropológico sobre essa comunidade. A mistura entre pessoas comuns e atores profissionais é, portanto, um dos aspectos mais ricos do filme: transforma Jean Charles num exercício de observação temperado com elementos afetivos.

Essa dosagem de emoções acaba por se revelar fundamental. A história de Jean Charles terminou de forma trágica e insensata e deixou grande frustração, já que os agentes que o abateram com oito tiros não foram condenados. Mas transformá-lo num emblema seria um erro fatal para o filme. Aqui, ao contrário, na atuação ao mesmo tempo cativante e transpassada de angústia de Selton Mello – que, sem deixar de ser Selton Mello, nunca se expôs tanto em um papel –, Jean Charles é uma pessoa com várias facetas. Ajuda um, passa a perna em outro, dá um passo adiante e então faz uma besteira e volta dois passos para trás. Todo o tempo, faz o que fazem as pessoas na sua contingência – vira-se. A caçada contra terroristas em Londres, disparada pelos atentados de 7 de julho de 2005 ao sistema de transporte da cidade, é percebida por ele e seus primos de maneira não mais do que periférica. Até que, na cena fatídica em que ele é o alvo, eles de fato se tornam parte da vida da cidade, embora não da maneira como Jean imaginaria sê-lo. E aí o espectador já conviveu tão estreitamente com o personagem que passa a ser uma reação natural, e não apenas uma reação esperada, lamentar sua perda.


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