Até que se ponto pode contar com a força da China na recuperação da economia global? Os analistas põem sua esperança nos emergentes, as novas locomotivas da economia mundial. Mas, por enquanto, é só esperança.
A crise pode ser analisada de várias formas. Uma delas é entendê-la como desdobramento de desequilíbrios macroeconômicos.
O mais importante desses desequilíbrios é a megassimbiose que prevaleceu entre as economias dos Estados Unidos e da China, construída sobre um grande déficit e um grande superávit.
Nesse arranjo, a China dedicou-se a fornecer produtos baratos para o mercado norte-americano e este, a consumir. Em contrapartida, a China remeteu de volta aos Estados Unidos os dólares obtidos no superávit comercial, por meio da compra de títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Quer dizer, a China deu prioridade a poupar e a produzir para os Estados Unidos e estes, a importar poupança e produtos de consumo da China.
Esse jogo não é mais sustentável a longo prazo. Está perto o dia em que a China não terá mais condições técnicas para seguir empilhando reservas. As autoridades chinesas vêm comunicando que se sentem desconfortáveis com o risco de forte desvalorização do dólar e do seu eventual impacto sobre as próprias reservas. Por outro lado, a economia americana já não pode mais seguir cigarreando em cima de produtos asiáticos importados. O consumidor americano está ameaçado de desemprego e atolado em dívidas. Seu imóvel está perdendo preço e sua aposentadoria corre perigo. São fatores que o colocam na defensiva, com baixa disposição de frequentar shopping centers e de sacar o cartão de crédito. Não será mais ele quem vai dar escoamento à produção chinesa.
Então, se não é mais possível seguir nessa relação, fica claro que a saída da crise vai depender de que a China mude o curso de sua economia. Em vez de dar prioridade às exportações, terá de deslocar cada vez mais produção para o mercado interno. Nada menos do que 33% da produção chinesa vai para as exportações. E o principal importador da China são os Estados Unidos.
Quando o governo chinês avisou que destinaria US$ 586 bilhões a seu sistema produtivo para ajudar a combater a crise, ficou entendido que começava a mudança estratégica da economia chinesa em busca da ênfase no consumo interno. Não foi o que parece ter acontecido.
O pacote fiscal chinês destinou-se preponderantemente para as indústrias que até agora produziram para o mercado americano. O PIB chinês deverá crescer neste ano provavelmente acima de 7%. Sem mercado externo para sua produção e com crescimento interno insignificante, a indústria chinesa agora amontoa estoques de produtos acabados, provavelmente à espera da recuperação da economia ocidental.
No entanto, o PIB americano deverá mergulhar pelo menos 3% neste ano. E o da zona do euro, outros 4,6%. Não será nos países centrais que a China poderá descarregar sua produção.
Esse quadro sugere que, por enquanto, não se pode esperar que a China se transforme em salva-vidas da crise. A menos que o mercado interno chinês apareça numa paisagem da qual até agora esteve ausente, não é possível contar com a recuperação dos mesmos níveis de crescimento do PIB chinês como se repetiram nos últimos 15 anos.
Entrevista:O Estado inteligente
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