O GLOBO
A partir do momento em que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que Lula era “o cara”, naquela reunião do G-20 em Londres, um fenômeno político desencadeou-se: todos começaram a discutir a popularidade do presidente brasileiro. Na ocasião, o primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, um trabalhista, fez um comentário: “É o mais popular num segundo mandato”. E, depois, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, uma democrata-cristã, se interessou em saber qual o índice de popularidade de Lula, e quanto havia caído com a crise, chegando a fazer piada com o fato de que a queda fora pequena. Dias depois, o primeiroministro da França, Nicolas Sarkozy, elogiou o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, em conversa reservada que vazou pelo microfone aberto
Disse que, numa democracia, o importante era ser reeleito, e Berlusconi havia sido reeleito duas vezes. Recentemente, o próprio Berlusconi disse que era mais popular do que Lula e Obama, e que não reconheciam isso porque ele era considerado “de direita”.
Essas conversas em nível internacional mostram que os políticos hoje não têm a dimensão de estadistas que já tiveram em outros momentos da História.
Talvez porque vivemos numa crise mundial, todos estão preocupados com a popularidade, como fazer para mantêla e não perder o poder. E estamos falando de políticos de tendências distintas, tanto à direita quanto à esquerda do espectro político.
Lula acaba virando objeto de admiração neste mundo político, em que ser popular e vencer eleições é o mais importante.
A propensão a permanecer no poder o maior tempo possível não é uma característica de políticos nem de esquerda nem de direita, nem mesmo de políticos da América Latina, como seria justo pensar diante da segunda onda de tentativas de ampliar o número de mandatos presidenciais consecutivos, que começou com Hugo Chávez, na Venezuela, e hoje tem em Álvaro Uribe, da Colômbia, seu novo protagonista.
O presidente da Colômbia consolidou sua popularidade em torno de 80% e insiste na tese do terceiro mandato consecutivo, o que só o fará comparável ao adversário Chávez, ofuscando a fama que ostenta de “estadista moderno”, já bastante arranhada, aliás, com as acusações de ligações diretas com grupos paramilitares.
Além do cogitado referendo popular e da eleição dos novos magistrados da Corte Constitucional — que regerá o referendo e as eleições, e que é composta por maioria uribista, com a nomeação a dedo de cinco novos juízes — começa a ser negociado no Congresso um projeto de decreto legislativo que põe de pé a possibilidade legal de um terceiro mandato consecutivo.
O próprio Álvaro Uribe já não esconde o desejo. Participei de uma conversa com ele recentemente, quando esteve no Rio para a reunião regional do Fórum Econômico Mundial, e, perguntado sobre o assunto, assumiu ares messiânicos, dizendo que o importante era manter as linhas mestras de seu governo, que está tendo êxito no combate ao narcoterrorismo.
Aqui no país, com a revelação da doença da ministra Dilma Rousseff, já recomeçam os movimentos de bastidores, especialmente no PT e no PMDB, para retomar o tema do terceiro mandato consecutivo para que Lula possa disputar novamente a Presidência em 2010, na falta de um nome viável para o projeto de a aliança partidária governista permanecer no poder.
A tarefa é das mais difíceis, pois não há apoio da opinião pública, e nem maioria parlamentar no Senado, para mudar a Constituição — o que tem que ser feito até setembro deste ano, um ano antes da eleição presidencial.
O truque novo que está sendo negociado, ainda que timidamente, nos bastidores, é submeter a aprovação de uma emenda constitucional nesse sentido a um referendo popular, que poderia ser realizado no mesmo ano da eleição, caso a mudança constitucional seja feita ainda este ano.
Há quem prefira a convocação de um plebiscito sobre o tema, para só depois, se aprovada a proposta do terceiro mandato seguido, fazer a mudança constitucional, agora já respaldada pela “vontade popular”, como na Venezuela ou na Bolívia.
O sociólogo Francisco Weffort, ex-ministro da Cultura nos dois governos de Fernando Henrique, acha que o conhecido fascínio dos governantes pelas pesquisas de opinião e pelos índices de popularidade exacerbouse depois das eleições americanas.
“Neste mundo em que a política é, sobretudo, espetáculo e marketing, os Estados Unidos uma vez mais colocaram a Europa na sombra”, diz ele, comentando que a rigor, neste mundo, “o cara” é o Obama, não o Lula.
Para os europeus, analisa Weffort, falar do Lula é uma maneira de desviar o foco.
“Falando do Lula eles continuam sob as luzes do cenário, falando do Obama eles passam para uma área de penumbra do palco”.
Para Weffort, ao mencionar popularidade e continuidade do mandato, “Sarkozy, Merkel e Berlusconi estão expressando por via indireta seus próprios desejos em relação às suas próprias carreiras”.
Weffort diz que o mesmo acontece com Lula quando, a propósito da continuidade do mandato, menciona o Chavez.
“É evidente que todos eles querem continuar”.
Já Octavio Amorim Neto, cientista político da Fundação Getulio Vargas, no Rio, o efeito da popularidade de Lula nos seus colegas “é aumentar o prestígio internacional do nosso presidente e, de tabela, o do Brasil”. Ele não acredita que “tal aumento o leve a buscar um terceiro mandato consecutivo, pois os custos políticos para aprovar uma emenda constitucional que permitisse isto acabariam com o capital político do Lula e o deixariam mais ainda refém do PMDB”. (Continua amanhã)