Demorou, mas aos três meses de crise ininterrupta no Congresso, começam a surgir na Câmara e no Senado os primeiros – não obstante ainda débeis – sinais de reação ao que já se desenhava como um programa de desmoralização voluntária.
Uma espécie de ciranda corporativista em que as mãos estendidas sujavam umas às outras.
Dois fatos parecem ter tido o condão de romper esse pacto macabro: na Câmara, a zombaria do relator do processo contra o deputado Edmar Moreira no Conselho de Ética e, no Senado, o depoimento do ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi, montado à imagem e semelhança de uma típica operação abafa.
O senador Artur Virgílio, líder do PSDB, denunciou de pronto: “Foi uma farsa. Você coloca chefiados para ouvir o chefe, e eles não fazem as perguntas que devem ser feitas.” Apoiado pelos senadores Pedro Simon, Eduardo Suplicy, Cristovam Buarque e Mão Santa, Virgílio reagiu à ausência de um representante do Ministério Público no interrogatório conduzido pela Polícia Legislativa que nada perguntou a Zoghbi sobre a acusação de que ele e a mulher, Denise, usaram uma babá como laranja em empresas para contratos ilícitos com o Senado.
O tucano agora ameaça pedir uma CPI para investigar o caso e também a denúncia feita pelo casal à revista Época contra o ex-diretor-geral Agaciel Maia. Ele comandaria um esquema de licitações fraudulentas com o conhecimento de dois ex-primeiros-secretários da Casa, os senadores Romeu Tuma e Efraim Morais.
No depoimento Zoghbi e a mulher, acompanhados do advogado, desmentiram o que haviam dito ao repórter Andrei Meirelles sem a presença de um defensor legal. Se as denúncias são verdadeiras ou não é uma história a ser esclarecida. Mas, em princípio, os senadores que pedem uma investigação mais acurada têm óbvias razões para reclamar.
Nesta altura, qualquer dito que seja tomado por não dito sem uma explicação convincente só faz aprofundar descrédito em relação ao Parlamento. E o silêncio dos senadores deixa no ar uma impressão de proposital omissão, autorizando a generalização das suspeitas.
Na Câmara pelo visto começou a haver o mesmo tipo de compreensão No primeiro momento calados, alguns deputados do Conselho de Ética e o corregedor ACM Neto resolveram se contrapor à atitude do deputado Sérgio Morais de defender a absolvição sem investigação de Edmar Moreira, por estar se “lixando para a opinião pública”.
Alegação oficial é a da nulidade do “juiz” que anuncia sua decisão antes do julgamento e ao arrepio do processo de apuração dos fatos. Mas o motivo real foi o constrangimento a que Sérgio Morais submeteu a instituição como um todo.
Não foi o primeiro a fazê-lo nem suas declarações se configuraram a vergonha já produzida nas dependências do Poder Legislativo. Mas, talvez por traduzir o sentimento impresso nos desmandos da maioria, pode ter feito o papel da gota d’água.
Queira assim o bom senso e que essas reações representem apenas o início de um processo de entendimento da missa por inteiro.
Pelica
Em seu discurso de desistência de pedir a volta ao PT, Delúbio Soares expôs a desfaçatez daqueles que analisaram o pedido à luz da “avaliação rasa, imediatista, eleitoreira” de que a reintegração agora traria desgaste ao partido nas eleições de 2010.
“Por que 2011, se o Delúbio de hoje é o Delúbio de 1980 e será o Delúbio de amanhã?” Bingo.
Dito isso, recusou a oferta, por “indigna” e retirou-se de cena, saindo-se bem melhor que a encomenda preparada pelos artífices – presidente da República incluído – do adiamento estratégico. Chamou a todos, sem pronunciar um nome sequer, de rematados oportunistas.
Na arquibancada
Segundo o ministro da Justiça, Tarso Genro, “é sabido que determinadas empresas colocam adicional de preços nas licitações porque depois terão de financiar campanhas eleitorais”. Isso dito por qualquer pessoa é uma coisa. Na boca do ministro da Justiça soa como omissão grave. Se o crime “é sabido”, seria também de se esperar que fosse pedida uma investigação da Polícia Federal para apurar se o superfaturamento no preço das obras, decorrente de um gasto presumido com as campanhas é um fato comprovado.
Do modo como o ministro expôs a questão, não há outra conclusão possível: ele tem notícia de que ocorre um crime e convive com a suspeita sem que lhe ocorra tomar uma providência para coibir o ilícito.
São quase sete anos completos de governo, mas o PT ainda se comporta como se estivesse na oposição, com a prerrogativa de denunciar, mas sem os instrumentos para atuar. Esse tipo de visão permeia também todos os discursos do presidente Luiz Inácio da Silva, que, vira e mexe, reclama de situações sobre as quais tem o poder, e teria o dever, de modificar.