Se existe um setor que não sairá desta crise com a mesma cara é o automotivo. A GM conta os dias do ultimato do governo, a Chrysler pode virar italiana. A Fiat engata a marcha de forma ousada. O governo Obama encomenda carros menores e econômicos, que nunca fizeram sucesso no mercado americano. As japonesas querem ganhar terreno, mas também enfrentam solavancos.
Uma metáfora para a situação seria que, no mercado automotivo, as empresas estão como os carros num engarrafamento na hora do rush, esperando o melhor momento para mudar de fila e seguir viagem.
A grande expectativa do mercado mundial é o destino da grande, cara, endividada e encrencada General Motors. A gigante americana vai fechar 16 fábricas, demitir mais 23 mil empregados, fechar concessionárias e será muito difícil para ela sair dessa situação sem pedir concordata, o chamado “Chapter 11” da legislação americana.
Tenta fugir do “Chapter 7”, que é a falência pura e simples.
Para a consultora Tereza Fernandes, da MB Associados, é uma missão quase impossível a GM se reestruturar sem pedir concordata.
Ela acha que o governo americano pode, sim, salvar a montadora.
— Nem o Super-Homem, que é um símbolo americano, conseguiria reestruturar a GM sem passar pelo Capítulo 11. E acho que o Barack Obama não terá o menor prurido de estatizar.
A GM é uma marca dos Estados Unidos, uma marca forte, assim como a Ford.
A situação da General Motors, que já foi a maior montadora do mundo e perdeu o posto para a Toyota, mostra bem a situação das montadoras americanas, que não se prepararam tecnologicamente para produzir carros menores, mais baratos e menos poluentes. Com o consumidor preferindo as chamadas SUVs, que consomem muito, elas já vinham perdendo mercado com a alta do petróleo, já que, lá, o aumento e a queda do preço do combustível vão direto para o bolso do consumidor, diferente daqui, em que a Petrobras controla os preços.
Com a crise, a queda nas vendas de veículos foi maior, chegando a 50%. Em 2007 foram 16 milhões de veículos vendidos nos EUA, em 2008 foram 13 milhões, a previsão para este ano é vender, no máximo, 10 milhões.
No mercado americano, segundo Tereza, a Ford está se saindo bem, sem a necessidade de socorro. A montadora fez grande investimento em carros híbridos e até agora tem recusado ajuda do governo. A GM tem menos de um mês para apresentar seu plano. Já se sabe que cortará na veia, vai encolher, mudará modelos, vai ficar só com as filiais boas, como a do Brasil, mas ainda é preciso saber o que fará com seu passivo trabalhista e previdenciário.
A Chrysler, que parecia igualmente condenada, poderia se salvar no plano apresentado na semana passada, com o apoio da Fiat. Mas na visão de Tereza Fernandes, esta é uma tentativa da montadora italiana se salvar.
— Na Chrysler, a Fiat ainda não botou um tostão. O acordo é de cooperação. A Fiat diz: “eu tenho tecnologia para fazer carros menores, você tem fábricas nos Estados Unidos. Eu te ajudo na produção, você me ajuda a entrar no mercado americano.” O sonho da Fiat era a Chrysler quebrar e o mercado americano ficar para ela. A Fiat não tem escala de produção mundial.
Do seu mercado, 50% estão no Brasil, 40%, na Itália, e o resto é na Europa. O que salvou a Fiat há seis anos foi o mercado brasileiro.
Ela está latindo muito, mas acho que está mordendo pouco.
As montadoras japonesas Toyota e Honda, que já vinham na dianteira, querem acelerar. Elas têm nome e são competitivas, mas também amargaram prejuízos recentes — a Toyota anunciou ontem o primeiro prejuízo anual da sua história.
— A Toyota é a primeira montadora do mundo. A Honda está produzindo mais e se espalhando pelos países. Elas possuem linhas de qualidade — diz Tereza.
Na Europa, a Volks está em situação melhor que suas concorrentes, conta Tereza. Ela tem 18% do mercado chinês e 25% do brasileiro.
A Renault/Nissan foi afetada pelo mercado americano, mas estaria melhor que a PSA/Citroën, que já recebeu dinheiro do governo francês. O setor automotivo certamente terá fusões e reestruturações após essa tempestade.
— O que os analistas internacionais dizem é que o mercado viverá uma revolução.
Devem sobrar seis montadoras em todo o mundo. Já temos a Toyota, a Honda, a Volks e a Ford.
Podemos ter a GM, se o governo dos EUA salvar. Na Europa, podem ficar a Fiat, se o acordo com a Chrysler der certo, e a Renault/Nissan.
E ainda temos de olhar as montadoras chinesas, que produziram oito milhões de carros em 2008.
Estão chegando fortes.
A hipótese de a Fiat ficar com a GM na América Latina daria à italiana mais de 40% do mercado brasileiro. Segundo a analista, a produção de automóveis e comerciais leves deste ano deve ser comparada com a de 2007, já que 2008, mesmo com a crise no último trimestre, foi um ano diferente.
— Até setembro de 2008, o crescimento era de 30% para o mesmo período de 2007. Tinha uma distorção muito grande. Faz mais sentido comparar 2009 com o ano de 2007. Falando só de automóveis e comerciais leves, 2007 fechou com vendas de cerca de 2,3 milhões, e este ano podemos chegar até a 2,6 milhões. Acredito que a média de vendas de 220 mil a 225 mil carros por mês deve se manter em 2009, o que seria um número bom para o setor.
Mas a estrada ainda está com muito nevoeiro. É difícil ter certeza do que haverá depois da próxima curva.
Ou próximo mês.
Entrevista:O Estado inteligente
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