Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 17, 2009

Livros Uma voz contra a barbárie


Em discursos radiofônicos durante a II Guerra, Thomas
Mann tentou salvar a terra de Goethe e Beethoven
da destruição moral promovida pelo nazismo


Jerônimo Teixeira

Corbis/Latinstock
FORÇAS DAS TREVAS
Thomas Mann: os alemães estavam entre os "povos oprimidos" por Hitler


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Trecho do livro

Muito já se comentou sobre a aparente contradição entre o maravilhoso legado da cultura alemã e a torpeza do nazismo. Como pôde a terra de Kant, Goethe, Beethoven e tantos outros luminares da filosofia, da literatura e da música originar a negação mais cabal do humanismo e da razão? Enquanto Hitler devastava a Europa, o escritor Thomas Mann (1875-1955), de seu exílio nos Estados Unidos, tentava desesperadamente dissociar as altas realizações do "espírito alemão" dos monstruosos crimes cometidos pelo nacional-socialismo. A Alemanha nazista, dizia ele, "não pode mais ser nem alemã". Essa defesa da essência germânica foi expressa no terceiro dos 58 discursos que o autor de A Montanha Mágica transmitiu, pela rádio BBC de Londres, a seus compatriotas – discursos reunidos em Ouvintes Alemães! (tradução de Antonio Carlos dos Santos e Renato Zwick; Jorge Zahar; 224 páginas; 39,90 reais). À parte o estilo elegante e a argumentação cristalina do maior escritor alemão do século XX, a beleza dessas exortações encontra-se no seu esforço entre desiludido e heroico de falar ao que restaria de racionalidade sob a sombra da suástica.

Os discursos de Mann começaram a ser transmitidos em 1940 e seguiram, com algumas interrupções, até o fim da guerra, em 1945. Inicialmente, o autor telegrafava os textos para Londres, onde um funcionário da BBC que falava alemão fazia a leitura. A partir de março de 1941, o próprio Mann fazia a leitura em um estúdio americano e a gravação era então transmitida por telefone para Londres, para ser levada ao ar. Mann comentava os acontecimentos mais recentes da guerra – discursos dos líderes aliados ou dos chefes nazistas, bombardeios, deportações de judeus. No conjunto, suas falas radiofônicas documentam como a guerra na Europa era percebida nos Estados Unidos. Pode-se observar, por exemplo, a gradual tomada de consciência das verdadeiras dimensões do holocausto – de ocasionais menções a execuções de judeus, em 1942, à descoberta da matança industrial em campos de concentração como Auschwitz em 1945.

A progressão dos pontos de vista do próprio Mann é ainda mais interessante. Em suas primeiras transmissões, ele apela para o suposto desejo de paz de seus compatriotas e diz que os próprios alemães deveriam ser contados entre os "povos oprimidos" da Europa. A Alemanha era uma espécie de vítima ingênua da canalha nazista que ocupara seu governo. Mais para o fim da guerra, quando a derrota do nazismo se delineava no horizonte, os discursos chamam os alemães a assumir a responsabilidade pelos crimes que cometeram, a única chance, argumentava o Nobel de Literatura de 1929, de encontrarem seu lugar na "nova ordem" democrática que se instalaria após a queda de Hitler e seus asseclas.

Ainda na Alemanha, o próprio Mann vivera um período de nacionalismo exaltado, muito próximo das ilusões de grandeza que alimentariam a ascensão do nazismo. Durante a I Guerra Mundial, chegou a romper com o irmão mais velho, o também escritor Heinrich, porque este se posicionava contra o belicismo germânico. No entreguerras, porém, Thomas Mann foi gradualmente abandonando seu patriotismo autoritário para abraçar os princípios democráticos da claudicante República de Weimar. Em 1929, alarmado com o crescimento dos nazistas, Mann criticava o triunfo das "forças das trevas" e da irracionalidade na política de seu país. Teve a sorte de estar na Suíça quando Hitler subiu ao poder, em 1933. Não voltaria mais a residir na Alemanha.

No último discurso de Ouvintes Alemães!, em novembro de 1945, cerca de seis meses depois da capitulação dos nazistas, Mann explica por que não desejava se restabelecer na terra natal. Não achava possível reencontrar o país que deixara em 1933. Tinha o sentimento profundo de que a antiga pátria, dilacerada em diversas zonas de ocupação, não existia mais como unidade. Restava apenas a culpa por seus crimes terríveis: "Tudo o que se chama alemão está incluído na ampla e terrível culpa nacional". Embora pedisse desculpas aos ouvintes por não ser nacionalista, Mann ainda conservava seu orgulho pela herança cultural alemã. Afirmava que manteria, no exílio, a sua "germanidade cosmopolita".

Consciência no exílio

As opiniões que o escritor Thomas Mann gravava nos Estados Unidos e transmitia para a Alemanha, via rádio, durante a II Guerra Mundial

"Com razão, os destruidores da Europa e os violadores de todos os direitos dos povos veem em Roosevelt seu mais poderoso adversário. Ele é o representante da democracia combativa, o verdadeiro defensor de uma nova ideia de liberdade ligada ao social e um estadista que sempre distinguiu claramente paz de conciliação."
Novembro de 1940

"Chegamos à decisão maníaca de exterminar os judeus europeus. (...) Na França não ocupada, 3 600 judeus foram embarcados para o Leste. Antes mesmo de o comboio da morte se pôr em movimento, 300 pessoas cometeram suicídio. Isso causou indignação no povo francês. E para vocês, alemães, não significa nada?"
Setembro de 1942

"Os ataques aéreos britânicos sobre a terra de Hitler causaram estragos à minha cidade natal. (...) Mas não tenho objeção contra a doutrina de que tudo deve ser pago. Haverá outras pessoas de Lübeck, Hamburgo, Colônia e Düsseldorf que quando ouvem a Royal Air Force sobre sua cabeça desejam a ela todo o sucesso."
Abril de 1942

"Hitler, com sua reles crueldade, com seus constantes rugidos de ódio, seu estropiamento da língua alemã, seu fanatismo medíocre, (...) é a mais repugnante figura sobre a qual jamais caiu a luz da história!"
Fevereiro de 1941

Fotos Getty Images; Akg-Images/Latinstock; Hulton-Deutsch Collection/Corbis/Latinstock

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