Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, maio 04, 2009

Licença política Carlos Alberto Sardenberg

O ESTADO DE S. PAULO

Avança no Congresso Nacional, com apoio de parlamentares de todos os partidos, um projeto de lei cuja aprovação abriria um rombo nas contas da Previdência, já deficitárias, e ampliaria o desequilíbrio no Orçamento do governo federal. O projeto determina uma forte correção das aposentadorias e pensões de valor superior a um salário mínimo, em reajuste retroativo que gera também uma pesada conta de atrasados.

Para marcar bem o ponto: uma ampla maioria de deputados e senadores, inclusive do PSDB e do DEM, que no governo FHC ajudaram a aprovar a reforma da Previdência, apoia um texto que arrasa as contas do INSS. Parlamentares da base governista também aprovam o projeto, visto com apreensão no governo e pavor na área econômica.

O objetivo da oposição não tem nada que ver com justiça social. Trata-se de impor um custo político ao presidente Lula. É também uma saborosa vingança. No governo FHC, Lula e seus petistas torpedearam todas as propostas de reforma da Previdência e carimbaram nos tucanos e então pefelistas (os democratas de hoje) a marca de inimigos dos aposentados.

Agora, caiu no colo da oposição o projeto que dá um reajuste geral nas aposentadorias superiores ao mínimo. Tucanos e democratas querem ajudar a aprovar o texto, pois entendem que o presidente Lula, em nome do equilíbrio das contas públicas, será obrigado a vetá-lo. Perto de um período eleitoral, nada mais interessante. Dá para imaginar tucanos e democratas esfregando as mãos, só esperando a hora de se colocarem ao lado dos velhinhos e velhinhas contra o governo.

Pela mesma razão, parlamentares da base governista não querem se comprometer com um voto contrário. Primeiro, porque muitos desses integrantes da base já estão pensando no próximo governo, que pode não ser do PT. E, segundo, porque, mesmo no caso dos petistas, é melhor deixar o ônus para Lula.

Suponhamos, entretanto, que tucanos e democratas voltem ao governo federal nas eleições de 2010, com José Serra ou Aécio Neves. Isso significa que os aposentados terão a correção que teria sido vetada por Lula?

Claro que não. Nenhum presidente pode topar um tal aumento de gastos. E os petistas, na oposição, obviamente voltarão ao papel de atacar qualquer programa do governo, correto ou não.

É assim: a oposição no Brasil, qualquer que seja, acredita ter uma licença política para fazer qualquer coisa que atrapalhe o governo.

Lula não pode se queixar. Ele usou e abusou dessa prática. E a justificou explicitamente quando, no governo, lhe perguntaram por que, no governo, mantinha políticas e programas que condenara quando na oposição.

Aliás, embora tenha se oposto a todas as reformas aprovadas no governo FHC, Lula, presidente, não fez qualquer movimento para revertê-las.

Além disso, Lula não se pode queixar da ação eleitoral da oposição porque ele, afinal, continuou no palanque, preparando sua reeleição. E agora permanece no palanque para eleger Dilma Rousseff.

Ainda agora atacou o uso político da doença de Dilma e, ato seguinte, em palanque, pede ao povo para rezar pela candidata. Ora, se ele está na campanha, por que os outros não podem? E tome irresponsabilidades.

O PROJETO

O projeto de reajuste das aposentadorias parte do seguinte ponto: pessoas que se aposentam ganhando, por exemplo, dez salários mínimos, com o tempo passam a ganhar nove mínimos, depois oito, sete, e assim sempre para baixo. A proposta, portanto, é aplicar um reajuste que ponha todas essas aposentadorias no valor em que estavam no momento da concessão, valor esse medido pelo número de salários mínimos. E que essa equivalência seja garantida para sempre.

Parece correto, mas a proposta ignora a realidade.

Desde a introdução do real, em 1994, no governo FHC, tomou-se a decisão política de aplicar uma valorização acelerada do salário mínimo. Com isso, o mínimo passou a ser reajustado sistematicamente acima da inflação, acumulando ganhos reais. Neste ano, por exemplo, teve um reajuste de mais de 12%.

Como o piso das aposentadorias do INSS é o salário mínimo, deu-se a diferença. Isso porque as aposentadorias de valor superior ao mínimo foram reajustadas de acordo com a inflação. Mantiveram seu poder aquisitivo real, mas perdendo em relação ao mínimo.

Como o governo Lula aprovou uma regra permanente de valorização do mínimo (reajuste anual equivalente à inflação mais o crescimento da economia), enquanto as demais aposentadorias terão apenas a reposição da inflação, é claro que haverá um achatamento.

No longo prazo, todas as aposentadorias se aproximarão do mínimo.

Isso, aliás, estava no espírito das reformas. A ideia era que a Previdência pública deveria garantir apenas uma aposentadoria básica, mínima. Quem quisesse mais do que isso deveria recorrer à previdência privada. É o sistema vigente em muitos países - e o brasileiro se encaminha para isso.

A razão é simples. Não há dinheiro para financiar aposentadorias de 10, 20 mínimos.

Ora, o projeto em tramitação no Congresso é uma reversão total. Dá a todas as aposentadorias os expressivos ganhos reais dados ao mínimo desde 1994, restabelece a grande desigualdade entre as aposentadorias e impõe um custo enorme à Previdência e, pois, aos contribuintes brasileiros.

Para falar francamente, é uma total irresponsabilidade. Que tenha o amplo apoio parlamentar é apenas uma demonstração da situação deplorável da política brasileira.

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