Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 05, 2009

Estado e mercado Yoshiaki Nakano


 VALOR ECONÔMICO

A atual crise, quando receber atenção dos historiadores no futuro, deverá ser chamada de "A Grande Crise Financeira do Início do Século XXI" e deverá representar o fim de uma época histórica, pelas rupturas e mudanças que causará na configuração das economias nacionais. Entre as relações estruturantes que sofrerão mudanças, e marcarão a primeira metade do século, deverá estar a relação do Estado com o mercado. O período que antecede a crise foi de liberalização da economia com a desregulação e o retraimento dos órgãos de controle estatais, particularmente nos mercados financeiros. Como aconteceu depois da crise de 30, os próximos anos deverão ser de retorno do Estado, mas não sem idas e vidas até que a própria crise estabeleça a configuração final.

A rigor, ao longo da história, temos assistido um processo cíclico em que períodos de dominância do Estado sobre o mercado são sucedidos por períodos em que o Estado se subordina à disciplina do mercado. É um processo essencialmente político e ideológico, e depende das forças da comunidade. Assim, o que muda, dependendo das circunstâncias históricas, é a articulação entre as três instâncias com forças estruturantes: Estado, mercado e comunidade.

Para fugir às posições doutrinárias e ideológicas, evitando entrar num debate de filosofia política sem fim, temos que lidar com a questão do Estado e mercado de forma pragmática: são as circunstâncias históricas que definem a forma de articulação destas três instâncias, e sua hierarquização que determina a configuração do sistema econômico e da própria sociedade humana. Assim, em certos períodos podemos ter a dominância do Estado sobre o mercado e a comunidade. Assim foi o pós-Segunda Guerra, quando o Estado e seu aparato regulatório e de controle foram gestado em consequência da Grande Crise de 30 e reforçado pela Guerra Fria, pelo avanço do comunismo e do bloco soviético, inimigo externo que levava a comunidade a aceitar a centralização do poder nas mãos do Estado.

O colapso do bloco soviético e o fim da Guerra Fria destruíram os pressupostos do Estado centralizador e regulador dos mercados. Com isso iniciamos o período liberalizante, inaugurado pelas reformas dos governos de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos EUA. Neste período, a desregulação dos mercados permitiu a introdução de inovações financeiras, ampliação de operações fora do balanço dos bancos e do controle estatal e o desenvolvimento de um "sistema bancário paralelo", que ampliaram o crédito de forma monumental, alavancando um longo ciclo de investimentos iniciado com a introdução da Tecnologia de Informação e um período de rápido crescimento da economia mundial. É essa expansão excessiva do crédito e da liquidez financeira que chega ao fim com a atual Grande Crise Financeira. Na nova configuração pós-Grande Crise Financeira, o Estado deverá novamente voltar à dominância, estruturando com novas instituições o mercado e construindo as bases para novo ciclo de expansão econômica que o governo Obama já anunciou.

Entretanto, é bom lembrar que esta transição deverá ser longa, pois ideologias e convicções políticas não se desfazem rapidamente, mesmo que a crise tenha uma grande função pedagógica. Quando a fase mais aguda da crise passar, e isso for indicado por uma desaceleração nas quedas do PIB e do emprego e sinais leves de recuperação em algum segmento da economia, as forças políticas conservadoras, que querem restabelecer o status quo anterior à crise, ganharão força. Elas bloquearão as próprias medidas anticíclicas do Estado que possibilitaram a estabilização momentânea. Surgirão alertas de que "o pior já passou e agora podemos ter a recuperação".

Mais do que isso, vão argumentar que são os problemas o déficit público e o aumento da dívida pública, ameaças para a inflação. No caso dos EUA, déficits públicos e dívida crescente representam crise do dólar enquanto moeda-reserva. Consequentemente, vão exigir medidas contracionistas tanto na área monetária como fiscal. É por isso que tanto na Grande Crise de 30, como na crise do Japão, na década de 90, quando se imaginava que a recuperação poderia ocorrer, a retração na política fiscal acabava aprofundando tanto a crise financeira como a recessão.

Assim, é importante ter cautela, pois os alertas de que "o pior já passou" e que a recuperação vai iniciar representam um grande risco de aprofundamento da crise e de aumento de sua duração. Este embate político prolongará a própria crise até que esta quebre as resistências conservadoras o suficiente para que o Estado possa reconfigurar o sistema financeiro e a economia, eliminando, de um lado, os conceitos, instituições e operações que desencadearam a crise, e de outro, permitindo que o Estado seja capaz de estabelecer e implantar nova estratégia de longo prazo de expansão da economia. Uma Grande Crise Financeira como a atual, com destruição da riqueza financeira, provoca mudanças na lógica do consumidor, que agora quer reduzir sua dívida, da mesma forma que as empresas passam a priorizar a recomposição do balanço e das perdas patrimoniais.

No desenrolar das grandes crises financeiras, a comunidade aumenta a sua poupança e reduz consumo e investimentos produtivos, com efeitos depressivos sobre a economia. A única força capaz de evitar isso é o Estado, com sua ação fiscal absorvendo esta poupança para reinjetá-la na economia sob forma de demanda efetiva para reanimar a atividade econômica. As medidas na área monetária já não surtem efeitos.

Hoje, todas as economias estão dependentes da ação do Estado para evitar o pior. O momento e o lugar onde "o pior já chegou e a crise se estabilizou" serão dados em função da ação do Estado. Numa crise da magnitude e poder destrutivo como a atual, gera-se um quadro de incerteza e queda na confiança tal que as forças que poderiam desencadear a recuperação da economia ficam dormentes. O mercado não as restabelece por si próprio. É o "espírito animal" dos empresários a que aludia Keynes, ou a compulsão a acumular e ter lucros dos capitalistas a que se referia Marx, que precisam ser revitalizados. Em seu lugar, na crise, prevalece o instinto de sobrevivência. Só a força da comunidade, por meio do Estado, reestruturando os mercados, pode revitalizar a economia.

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