Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 09, 2009

Especial Meninos de ouro

Chuteiras que valem ouro

O futebol é um negócio rentável não apenas para
os clubes e jogadores. Empresários e investidores
estão ganhando muito dinheiro com a venda de atletas


Kalleo Coura

Lailson Santos
FOME DE BOLA
Cerca de 120 garotos vivem, longe dos pais, no centro de treinamento do Desportivo Brasil: sacrifício em nome do sonho de se tornar um jogador milionário


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Quadro: Alto rendimento (fora de campo)

Em dezembro de 1962, o escritor e cronista Nelson Rodrigues, o primeiro a traduzir o lirismo do futebol brasileiro, escreveu o seguinte sobre a proposta do Juventus, clube da cidade italiana de Turim, para comprar o craque Amarildo, que brilhara na Copa do Chile, vencida meses antes pela seleção nacional:

Amigos, o Juventus da Itália reiterou o lance nababesco: 250 milhões (de cruzeiros) por Amarildo. Para um futebol pobre como o nosso e, repito, para um futebol barnabé, a oferta soa como um escândalo: 250 milhões! Aí está uma quantia que muitos só farejam ou apalpam nalgum delírio furioso. Há reis, impérios, cidades, nações que não valem tanto. E esse dinheiro todo por um rapaz, ali, de Vila Isabel, que faz a barba num salão do Boulevard e que apanha o lotação no Ponto de 100 réis.

Nelson Rodrigues se estende, na crônica publicada na revista Manchete, sobre a negativa do Botafogo de vender Amarildo – "Tratou os 250 milhões com o nojo de quem afasta com o lado do pé uma barata seca" – e a penúria dos nossos times, "que boiam num lago de dívidas como vitórias-régias". Era um baita dinheiro – dezesseis vezes o maior prêmio pago pela Loteria Federal no mesmo ano. Quase 47 anos depois, os clubes nacionais continuam paupérrimos, mas, associados a investidores, já não se recusam a vender – nem por um minuto – suas estrelas por quantias nababescas. Muito pelo contrário. O futebol brasileiro tornou-se o grande celeiro que abastece os gramados da Europa e da Ásia. Só nos clubes europeus, há 551 atletas nacionais, o suficiente para formar trinta equipes completas, com sete reservas cada uma. Se um jogador de futebol brasileiro pudesse ser negociado na Bolsa Mercantil de Chicago, seria um investimento dos mais concorridos: a "mercadoria" está rendendo mais que o ouro. A venda de atletas para o exterior vem crescendo há três anos consecutivos e, em 2008, totalizou 1 176 transferências – 46% a mais do que em 2005. Só a transferência de Breno, ex-zagueiro do São Paulo, para o Bayern de Munique rendeu ao grupo investidor um lucro de 2 300% em menos de cinco meses.

Lailson Santos
"PENEIRA" DIFÍCIL
Jogadores do Santos se arrumam para mais um dia de treinamento. De cada 100 garotos que passam pelas categorias de base do clube, apenas dez vestirão a camisa santista como profissional

Na corrida aos craques nacionais, a pressa de chegar antes do concorrente vem fazendo com que a idade dos contratados caia na mesma proporção com que dispara a cotação dos atletas no mercado: os gêmeos Rafael e Fabio da Silva, ex-Fluminense, foram comprados aos 15 anos pelo Manchester United, da Inglaterra. Philippe Coutinho, de 16 anos, joga no Vasco, mas já pertence ao Internazionale de Milão (que só poderá levá-lo quando ele completar 18 anos). Há ainda o incrível caso de Caio Werneck, "craque-bebê" brasileiro de apenas 10 anos e já selecionado pelo Roma. "Jogador de futebol virou commodity e o Brasil, seu maior exportador", diz o italiano Raffaele Poli, pesquisador do Centro Internacional de Estudos do Esporte, na Suíça.

Lailson Santos
O QUE TODOS QUEREM
Nilson Belem Junior, o Juninho, de 14 anos, não almeja jogar em um clube brasileiro com tradição. "Quero ir para o exterior para ganhar mais dinheiro e ajudar minha família", diz


Um negócio só é bom mesmo quando é bom para os dois lados. Por tal critério, esse de selecionar, treinar e vender para o exterior jovens craques brasileiros é um excelente negócio. Para o jogador, a diferença entre os salários pagos por um clube brasileiro e por um time europeu de porte equivalente quase sempre é de um dígito, ou perto disso. Um atacante de um time médio, de primeira divisão, que ganhe 15 000 reais por mês no Brasil facilmente conseguirá emplacar um salário equivalente a 100 000 reais em um time de igual tamanho na Itália. Diante disso, os pobres clubes nacionais, as vitórias-régias de Nelson Rodrigues, fazem malabarismos para tentar segurar um pouco seus craques – pelo menos até o momento de conseguir vendê-los ao melhor preço. Os dirigentes do Santos, por exemplo, além de pagar salários expressivos a suas estrelas mirins – o promissor Jean Chera, de 14 anos, ganha 18 000 reais mensais, incluindo patrocínios –, esmeram-se em agradar àqueles a quem cabe a palavra final diante de um convite vindo do exterior: os pais dos meninos. Telefonemas simpáticos de integrantes da diretoria e visitas ocasionais para um cafezinho são as formas mais comuns de, digamos, "fidelizar" a família do pequeno jogador. A família do craque Neymar, de 17 anos, é íntima da diretoria do clube. O potencial de valorização do passe de Neymar atrai investidores como abelhas ao mel. Certamente, para a tristeza das arquibancadas da Vila Belmiro mas para a alegria do jogador, da sua família, da diretoria do clube e dos investidores, Neymar logo será vendido por uma fortuna. Quanto? Bem, o grupo Sonda comprou 40% do valor de uma venda futura quando o atleta ainda nem tinha entrado em campo pela primeira vez por 6,5 milhões de reais. Hoje, a multa rescisória do contrato dele com o Santos é de 90,5 milhões.

O sonho de fama e fortuna de milhares de jovens candidatos a craque materializa-se nas peneiras – testes que os grandes clubes fazem para identificar novos talentos. As peneiras são de trama apertada. As organizadas pelo Flamengo fora do Rio de Janeiro atraem 800 meninos a cada vez. Desses, apenas quatro são selecionados para um período de testes. No Santos, segundo Guto Assumpção, diretor de futebol de base do clube, de cada 100 garotos que entram nas categorias de base, apenas dez acabam vestindo a camisa profissionalmente. Outros cinquenta poderão até se tornar profissionais, mas em equipes de segundo ou terceiro escalões. Só três de cada cinquenta jogadores convocados para uma seleção de base chegam a vestir a camisa canarinho da seleção principal.

Lailson Santos
CHUTE CERTEIRO
O potiguar Victor Paiva Torres, de 15 anos, vive confinado. "Pelo sonho de ser um jogador de futebol me sujeito a tudo", diz o garoto, que enfrenta diariamente a saudade da família

Se a peneira é apertada, as recompensas são também desproporcionalmente milionárias para quem chega lá. Por essa razão, o garimpo de novos talentos tem se revelado um ótimo negócio. Atraídos pelo baixo custo e pelo potencial de lucro fantástico, investidores dos mais variados setores têm feito suas apostas. É o caso do grupo de supermercados Sonda e da empresa EMS Sigma Pharma. Juntos, eles detêm direitos sobre futuras vendas de mais de uma centena de jogadores. Esse modelo de negócio surgiu quando o passe (título de propriedade de um jogador que, na maioria das vezes, pertencia ao seu clube) foi abolido pela Lei Pelé, em 2001. A partir daí, os times, eternamente endividados, começaram a vender aos interessados porcentuais do valor da venda futura de seus atletas, numa operação similar à divisão de capital entre os acionistas de uma empresa – com a diferença de que, nesse caso, o lucro só aparece quando o jogador é negociado. A Sigma Pharma, que detinha 42,5% dos direitos sobre a venda do ex-atacante do Cruzeiro Guilherme Gusmão, de 20 anos, embolsou em torno de 6 milhões de reais com a ida do atleta para o Dínamo de Kiev. O grupo Sonda tem participação na cota de venda de trinta jogadores profissionais, entre eles o argentino Andrés D’Alessandro, do Internacional, e de mais de setenta jogadores de base. "Nossa expectativa é duplicar o capital investido em até dois anos", diz Thiago Ferro, um dos sócios do grupo. Para não falar de empresas dedicadas exclusivamente ao negócio esportivo – como a Traffic, que, além de ter um plantel de setenta jogadores, acaba de inaugurar uma verdadeira incubadora de talentos (veja o quadro).

Ernani d'Almeida
MINICRAQUE
O garoto Caio Werneck tem apenas 10 anos e já treina no Roma, da Itália. Ele foi convidado a integrar a base do clube depois de participar de um acampamento da equipe no Brasil

O assédio de clubes e investidores às chamadas "promessas do futebol" vem criando miniestrelas – jovens sem fama, mas já familiarizados com a pose de um David Beckham e a bajulação que cerca um Ronaldinho Gaúcho. Tome-se o caso de Luiz Henrique Muniz Batista, o Esquerdinha. Aos 16 anos, ele assinou com o Santos seu primeiro contrato como profissional. Dias depois, foi levado a um passeio na Oscar Freire, rua que abriga as lojas mais elegantes de São Paulo. Acompanhado por três empresários, o adolescente – de regata branca e chinelo de dedo – lotou sacolas de chuteiras, camisetas e bermudas de marcas caras. No momento em que a reportagem de VEJA o encontrou, Esquerdinha estava sendo levado para escolher seu próximo presente: um celular novo. O jogador contou que seus novos empresários reservaram um preparador físico para ajudá-lo a desenvolver a musculatura e contrataram um professor para lhe dar aulas de inglês. Como em Santos o idioma é português, está claro o objetivo final dos investidores.

Os brasileiros formam de longe o maior grupo de jogadores estrangeiros na Europa. Em geral, eles chegam lá por meio de uma negociação entre clubes. Mas podem também ser levados diretamente por um dos muitos olheiros que os times estrangeiros mantêm espalhados pelo Brasil. Essa rede de caça-talentos – em geral, constituída de ex-jogadores – acompanha desde os principais campeonatos regionais até as mais obscuras partidas de várzea. O inglês John Calvert-Toulmin, observador do Manchester United na América do Sul, assiste a cerca de cinquenta partidas por mês: "A minha função não é procurar o melhor jogador, mas o jogador que melhor se adapte às necessidades do meu clube".

Lailson Santos
O MAIS RECENTE PRODÍGIO
Considerado o novo Robinho, Neymar já ganha um salário de 80 000 reais

Ao contrário de barras de ouro, jogadores de futebol podem ter saudade de casa ou detestar o clima do novo país – isso quando não se metem em boates de reputação suspeita, com frequentadoras idem, ou dão chá de sumiço nos treinos para visitar os amigos no Brasil. VEJA acompanhou a rotina de três jogadores que estão vivendo na Europa: Willian Borges da Silva e Guilherme Gusmão, na Ucrânia, e Breno Borges, na Alemanha. Em comum, os três ganham pelo menos dez vezes mais do que recebiam no Brasil, mantêm-se sintonizados nos canais brasileiros de TV a cabo e mostram um notável desinteresse pela cultura local. O atacante Guilherme chegou à Ucrânia há três meses como a mais cara contratação do Dínamo de Kiev. Ele reclama do frio e do fato de que ninguém lá "parece fazer questão alguma" de entendê-lo, ainda que o atleta não fale outra língua. O ex-corintiano Willian, um dos seis brasileiros do Shakhtar, é um dos poucos a estudar um idioma, mas não com vistas à adaptação na Ucrânia. Ele está aprendendo inglês porque não pretende renovar o contrato com o clube de Donestk.

Com pouca idade e, em geral, baixa escolaridade, os jogadores brasileiros raramente tiram proveito pessoal da experiência de viver no exterior. Nesse sentido, ex-jogadores como Leonardo Nascimento de Araújo e Dunga são exceções. Ambos se beneficiaram com os anos passados na Europa. Dunga aprendeu italiano e alemão e se orgulha de ter podido visitar locais históricos fechados ao público (veja o depoimento). Leonardo diz que sempre teve curiosidade de conhecer outras culturas. "Procurei passar apenas dois anos em cada país e me esforcei para aprender a língua e conhecer o modo de vida de cada um deles", diz. Na Itália, pouco antes de abandonar os campos, fez um curso de gestão esportiva. Hoje, aos 39 anos, é diretor técnico do Milan.

Leonardo deixou o Brasil para jogar na Espanha quando tinha 22 anos de idade. Dunga foi para a Itália pouco mais velho: aos 23. Coisas do século passado. Hoje, apesar de a Fifa proibir transferências internacionais de menores de 18 anos, uma série de subterfúgios permite que se drible a regra: uma das formas mais frequentes é a contratação fictícia do pai do atleta para um cargo em uma das empresas patrocinadoras do clube. Dessa maneira, a família se transfere para o exterior e o pai recebe o salário que seria do filho, mas que a lei impede que seja pago. A história do mineiro Caio Werneck, de apenas 10 anos, seria diferente também nesse aspecto. Em julho do ano passado, em Petrópolis, no Rio, o menino participou de um acampamento promovido pelo Roma. Assim como o Milan, o time da capital italiana realiza periodicamente esse tipo de evento com o objetivo oficial de "fortalecer a marca do clube" fora da Itália e a intenção inconfessada de detectar talentos precoces, também fora das fronteiras do seu país. Caio, segundo o técnico Ricardo Perlingiero, responsável pelas categorias de base do Roma, sobressaiu tanto nas partidas disputadas no acampamento que foi chamado para fazer um estágio de uma semana no clube romano. Lá, acabou sendo convidado a ficar. O fato de seu pai, Israel Werneck, ter conexões com o clube italiano ajudou.

A família se mudou para Roma e Caio passou a integrar a categoria de base do clube. "Ele tem um passe muito acima da média", diz Perlingiero. O técnico, que é brasileiro, afirma que nem o menino nem sua família recebem nenhum tipo de remuneração. Israel Werneck revela que colocou o filho numa escola de futebol assim que ele completou 5 anos. Caio é um caso especial. Mas já se contam nos dedos das duas mãos os jogadores brasileiros que brilham no futebol no exterior e às vezes chegam à seleção canarinho sem nunca ter brilhado com a camisa profissional de um clube brasileiro. Ah, sim, quanto a Amarildo, o da crônica de Nelson Rodrigues, ele foi vendido para o Milan e jogou muitos anos na Itália antes de voltar ao Brasil para encerrar a carreira no Vasco.

"Não renovo por valor nenhum"

Alexander Khudoteply/AFP

"Eu nunca quis jogar na Ucrânia. Vim para cá em 2007 porque insistiram muito. O presidente do clube fez de tudo para me convencer: cheguei da Alemanha no jatinho particular dele – até a torneira do banheiro era banhada a ouro. Fiquei impressionado com a proposta que me fizeram e assinei na hora. Ganho por volta de 200 000 dólares por mês. Com o passar do tempo, comecei a ficar infeliz. Jogando na Ucrânia não tenho visibilidade. Não quero ser um milionário desconhecido no resto do mundo. Depois, os treinos parecem de atletismo. Nos fins de semana, fico em casa, entediado. No inverno chega a fazer 25 graus negativos! Mas o que mais odeio aqui é a polícia, que sempre me para. Como eles sabem que sou jogador, fazem isso para tentar me tomar dinheiro. O Shakhtar pode me dar um caminhão de dólares, mas eu não renovo por valor nenhum."

Willian Borges da Silva, 20 anos, jogador do Shakhtar Donetsk, da Ucrânia

Tradução até na hora do parto

Joerg Koch/AFP

"Tudo é muito diferente na Alemanha: o povo e o clima são mais frios, os vizinhos cuidam mais da sua vida e nos treinamentos não tem ‘rachões’ (partidas disputadas entre reservas e titulares). No começo, senti dificuldade para me adaptar, mas tive a ajuda dos meus empresários, que moraram comigo durante quase cinco meses. Eles fizeram de tudo. Até colaram etiquetas na máquina de secar com as palavras em português, já que não falo inglês e não entendia nada de alemão. Também arrumamos uma ajudante ótima. Ela chegou a fazer a tradução do parto do Pietro, meu filho, já que minha mulher não entendia nada do que o médico falava. Hoje estou totalmente adaptado e, apesar de ter estudado apenas um mês, consigo até entender o alemão. A vizinhança é o que mais me atormenta aqui. Eles vasculham nosso lixo para ver se estamos fazendo corretamente a separação e já até ameaçaram chamar a polícia porque acharam que estávamos maltratando os cachorros por deixá-los na garagem no inverno. No geral, sou feliz aqui, mas queria poder jogar mais do que estou jogando. No tempo livre, geralmente fico em casa assistindo a partidas de futebol. Quando saio em Munique, costumo ir ao shopping, ao centro ou a lojas e restaurantes legais. Não me interesso por museus. Quando estou em São Paulo, não sou tão caseiro assim. No Brasil tem muito mais coisa para fazer."

Breno Vinicius Borges, 19 anos, jogador do Bayern de Munique, da Alemanha, desde janeiro de 2008

Na Itália, como um italiano

Joedson Alves


"Meu pai foi jogador de futebol e vendedor de bilhetes de loteria. Não tive berço de ouro. Quando fui jogar no Pisa, em 1987, não falava língua nenhuma. Se via alguma coisa e não sabia o nome, pedia para os colegas escreverem num papel. Um jogador estrangeiro não pode ser um corpo estranho na equipe. Quem vai para fora tem de se desvencilhar do Brasil, e não ficar procurando o Brasil lá fora.

É por isso que, quando morei na Itália, tentei viver como um italiano, na Alemanha como um alemão, e no Japão como um japonês. Em Florença, por exemplo, ia sempre aos mercados tradicionais e a museus. Cheguei a entrar em lugares históricos reservados apenas para secretários de governo. No Japão, visitei vários templos budistas. Na Alemanha, tinha aulas com uma professora que me levava a festas típicas. Além disso, em todos os países, fiz amizade com famílias que me mostraram o modo de vida local. Isso foi bom não só pelo aspecto cultural. De certa forma, essas experiências me deixaram com a cabeça mais aberta e me ajudam a lidar com os jogadores como treinador."

Carlos Caetano Bledorn Verri, o Dunga, 45 anos, treinador da seleção brasileira

O internato do futebol

TRABALHO DURO
Os garotos confinados no centro de treinamento seguem uma extenuante rotina de atividades

A empresa Traffic, de marketing esportivo, criou um clube próprio para revelar jovens talentos. O Desportivo Brasil, baseado na cidade de Porto Feliz, no interior paulista, tem o objetivo declarado de formar jogadores para o mercado europeu. O time, que atua na segunda divisão do futebol paulista, funciona também como um intermediário. Alguns de seus jogadores, contratados de outras agremiações profissionais, são emprestados para equipes parceiras, como o Palmeiras e o Botafogo. Esses clubes grandes são usados como vitrines e, quando o jogador é vendido ao exterior, eles recebem em troca 20% do lucro obtido pela Traffic. No início deste ano, a empresa inaugurou um gigantesco centro de treinamento em Porto Feliz. Lá, cerca de 120 jogadores, de 13 a 20 anos, vindos de todo o país, seguem um rígido regime de horário e de treinamentos. Eles moram ali, com cinco colegas em cada quarto, e treinam três horas por dia, de segunda a sábado, em troca de uma ajuda de custo (160 reais, em média) e do sonho de se tornar um jogador milionário. "A gente é muito cobrado. É muita pressão para jogar bem, melhorar. É difícil, não vejo minha família desde o Natal. Mas, pelo sonho de ser jogador, eu me sujeito a tudo", diz Victor Paiva Torres, de 15 anos, nascido em Apodi, no Rio Grande do Norte. Para matar a saudade, os garotos recorrem ao MSN e ao Orkut. Correntes de prata, brincos de brilhantes, iPods e laptops – na maioria presentes de seus procuradores – são sinais de prestígio. "Sou corintiano, mas quero jogar no exterior porque lá poderei ganhar muito mais dinheiro e ajudar minha família", diz Nilson Belem Junior, o Juninho, de 14 anos. Os que estão em idade escolar estudam num colégio público de Porto Feliz. Matar aula rende um desconto de 5% na ajuda de custo e a proibição de treinar por um dia. "Nosso objetivo é formar e vender jogadores. Não existe paixão. Não temos torcida. É negócio", diz João Caetano, gerente do centro de Porto Feliz. A Traffic também tem parceria com o Manchester United. Pelo acordo, o time inglês pode pedir à empresa que contrate adolescentes nos quais tem interesse para serem treinados e, futuramente, integrados ao seu plantel.

O misterioso dono da bola

Gleb Garanick/Reuters
ALEGRIA NA UCRÂNIA
Apaixonado por futebol, o bilionário Rinat Akhmetov atrai craques brasileiros para o Shakhtar

Um dos homens mais ricos da Ucrânia, o deputado e empresário Rinat Akhmetov, de 42 anos, tem uma fortuna estimada em 1,8 bilhão de dólares e duas paixões: é louco por futebol e fanático pelo estilo brasileiro de jogar. Nos últimos quatro anos, importou nove atletas do Brasil para atuar no seu time, o Shakhtar Donetsk, um dos mais populares da Ucrânia. Além de dono do clube, Akhmetov é seu presidente. Foi o bilionário quem o elevou à categoria dos grandes de seu país. Ele sucedeu no cargo a Akhat Bragin, assassinado num misterioso atentado no estádio do Shakhtar, em 1995. Bragin era acusado de ser um dos chefes da máfia ucraniana.

O passado de Akhmetov também é um tanto obscuro. Segundo seus funcionários, ele "ganhou muito dinheiro jogando pôquer" nos anos que precederam o colapso da União Soviética. Já o jornalista Serhiy Kuzin, autor do livro Donetsk Mafia, afirma que o bilionário teria trabalhado como capanga da organização mafiosa, a mando da qual executara várias pessoas. Akhmetov só se desloca acompanhado de pelo menos cinco seguranças, em um comboio de três Mercedes-Benz S550 pretos e blindados. Quando seu time vence, costuma dar prodigiosas demonstrações de generosidade – distribui até 200 000 dólares para cada jogador.

Dono de um conglomerado de setenta empresas dos ramos de metalurgia, extração mineral e telecomunicações, ele mora em uma casa que ocupa praticamente três quarteirões, quase na divisa de Donetsk com Makeevka. Só na cozinha da mansão trabalham onze empregados, sem contar os treze garçons que se revezam para servir o empresário e sua família – a mulher e os dois filhos raramente são vistos em público. Vaidoso, Akhmetov tem personal stylist e maquiador.

Até o fim deste ano, ele deverá concluir mais um grande investimento: vai inaugurar um portentoso estádio em Donetsk, o Donbass Arena, orçado em 450 milhões de dólares (apenas 50 milhões de dólares mais barato que o Ninho de Pássaro, o célebre estádio que a China construiu para sediar a Olimpíada do ano passado). Não se trata do único investimento previsto para 2009: rumores na cidade dão conta de que a contratação de mais um brasileiro, o atacante Ciro Ferreira e Silva, do Sport Recife, é só uma questão de tempo.


Foto Giuliano Gomes/AE


Foto Alexandre Sant'Anna

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