Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 19, 2009

Com o motor desligado Luiz Garcia


O Globo - 19/05/2009
 

Ajuda bastante a vida dos poderosos que existam sinais altamente visíveis de sua condição privilegiada. Não foi por acaso que foram inventados coroa e cetro. Esses adereços não servem apenas para lembrar aos poderosos que não fazem parte da legião das pessoas comuns, se é que isso algum dia em algum lugar foi necessário.

 

Eles servem essencialmente, quase sempre, para não permitir que o pessoal do andar de baixo tome liberdades e intimidades indevidas.

 

De certa maneira, farda, batina e toga também servem para isso.

 

Nos tempos modernos, um dos sinais mais visíveis e cobiçados da situação excelsa é o carro oficial. Em tese, deveria servir apenas para permitir aos portadores da excelsitude rápido acesso ao lugar de trabalho. Para que, descansados e tranquilos, pudessem trabalhar mais e melhor.

 

Na prática, em todos os ramos dos três poderes, o carro pago pelo Estado é instrumento de conforto, para o servidor público e quem mais ele desejar, inclusive fora dos horários e dias de trabalho.

 

Quem se irrita com isso deve bater palmas para decisão recente do Conselho Nacional de Justiça: todos os juízes do país só podem usar seus carros oficiais em dias de trabalho. Fora das horas de expediente e nos fins de semana não poderão sair das garagens.

 

A exigência de austeridade é absoluta. Todos os tribunais deverão manter sob controle o tempo de uso e o itinerário de cada carro. Fora das horas de expediente, garagem com eles. Levar as crianças ao colégio e madame às compras, nem pensar. E também é proibido comprar modelos de luxo.

 

A corregedoria do CNJ está encarregada de zelar pela aplicação das normas, que foram aplaudidas pela Associação Nacional dos Magistrados, que já entrou em ação denunciando ao conselho um desembargador pernambucano, acusado de usar o carro oficial para ir à praia.

 

E já se esboça uma campanha contra a moralização, com o peculiar argumento de que ela afetaria a autonomia dos tribunais. No Rio, o Tribunal de Justiça aprovou um regulamento próprio, muito menos severo, e tenta transformá-lo em lei estadual.

 

Portanto, vem muita briga pela frente. É claro que a iniciativa moralizadora do CNJ ganharia muita força se fosse imitada pela União, os governos estaduais e o Legislativo em todos os seus níveis.

 

Mas quem pensa nisso pode esperar sentado em seu carrinho.

 

Com o motor desligado, naturalmente.

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