O vale da morte Os combates mais violentos do Afeganistão ocorrem na
No Korengal, um vale com apenas 10 quilômetros de extensão próximo à fronteira paquistanesa, ocorrem as batalhas mais violentas de uma guerra que, quase oito anos depois de seu início, ainda precisa ser vencida. O fotógrafo inglês Adam Dean acompanhou, com exclusividade para VEJA, o cotidiano das tropas americanas nessa região montanhosa do Afeganistão. A companhia militar à qual ele se juntou era atacada diariamente por combatentes talibãs e por jihadistas estrangeiros recrutados pela Al Qaeda. Três quartos de todas as bombas despejadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no país são reservados para o Korengal e arredores. A relevância estratégica das áreas de fronteira com o Paquistão explica a decisão de enviar para lá a maior parte do reforço militar aprovado pelo presidente Barack Obama em fevereiro. Até o começo do segundo semestre, quando é verão no Hemisfério Norte e os combates se intensificam, estarão no Afeganistão mais 20 000 soldados americanos. As forças internacionais no Afeganistão somam 75 000 homens e mulheres de 42 países, a metade dos soldados estacionada no Iraque. Com o aumento de contingente, o governo americano quer impedir que a guerra se alastre para o Paquistão, causando um desastre geopolítico. Mais soldados no terreno também reduzem a necessidade de recorrer a bombardeios aéreos. Na segunda-feira da semana passada, por exemplo, as bombas americanas mataram uma centena de civis em um ataque contra o Talibã no oeste do Afeganistão. Dois dias depois, em um encontro em Washington com os presidentes do Paquistão, Asif Ali Zardari, e do Afeganistão, Hamid Karzai, Obama pediu mais empenho no combate às milícias talibãs. Se algo der errado e o número de baixas americanas aumentar demasiadamente, o Afeganistão poderá ser para Obama o que o Iraque foi para George W. Bush ou o Vietnã para o presidente Richard Nixon: um atoleiro. Os Estados Unidos entraram no Afeganistão um mês depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, com o objetivo de destruir a Al Qaeda de Osama bin Laden e derrubar o governo fundamentalista que lhe dava abrigo. Não havia dúvidas de que a invasão era necessária. A Guerra do Iraque, contudo, roubou as atenções e os recursos militares a partir de 2003, quando a situação no Afeganistão parecia controlada. O Talibã não dava mais as ordens na capital, Cabul, e os terroristas da Al Qaeda já não conseguiam usar o país como base segura para organizar ataques em outras regiões do mundo. Mas, de lá para cá, o panorama piorou muito. Nos últimos dois anos, o Talibã aumentou sua presença em três quartos do território afegão. Além disso, à encrenca se somou outra: o Paquistão. As áreas tribais do país próximas à fronteira com o Afeganistão tornaram-se refúgio tanto de líderes do Talibã quanto de terroristas da Al Qaeda. Eles passaram a utilizar a região, sobre a qual o governo paquistanês tem controle quase nulo, para organizar a retomada gradual do Afeganistão. E também ameaçam desestabilizar ainda mais o Paquistão, uma nação muçulmana e dona de um arsenal atômico. O presidente do país, Zardari, é viúvo de Benazir Bhutto, a candidata assassinada por fundamentalistas islâmicos em um atentado a bomba em 2007. No início da semana passada, o Talibã paquistanês assumiu o controle da principal cidade do Vale do Swat, localizada a apenas 130 quilômetros da capital, Islamabad. Nos dias seguintes, o exército intensificou os combates contra a milícia fundamentalista, que já domina quase todo o vale.
No Afeganistão, os sinais de que os talibãs estão de volta são de uma evidência feroz. Os atentados suicidas em zonas urbanas, antes um fenômeno mais associado ao Iraque, tornaram-se comuns. O número de civis mortos na guerra aumentou de 1.523, em 2007, para 2.118, no ano passado. Os Estados Unidos e seus aliados perderam 294 soldados em 2008, um aumento de 27% em relação ao ano anterior. O cultivo de papoula, matéria-prima do ópio e da heroína, disseminou-se de tal forma que a estimativa é que 1 em cada 8 dólares conseguidos com sua venda vá para o bolso do Talibã. Em troca, o grupo oferece proteção aos produtores e traficantes. Com o dinheiro, os insurgentes compram armas contrabandeadas do Paquistão, para onde também fogem para descansar e tratar dos ferimentos. Eles sabem que os Estados Unidos não podem combatê-los diretamente no país vizinho, porque isso significaria transformar o aliado em inimigo.
Controlar o Korengal é vital para a estratégia de frear o avanço do Talibã em direção a Cabul. Até 2006, o vale funcionava como um corredor para terroristas e armas rumo ao interior do Afeganistão. Já era assim na década de 80, quando a guerrilha afegã expulsou as tropas da União Soviética do país. Nos últimos dois anos, o Exército americano tenta interromper essa rota, lutando pelo controle de cada metro quadrado das montanhas ao redor. O objetivo é empurrar os talibãs e os jihadistas árabes, chechenos, paquistaneses e até chineses cada vez mais para o fundo do vale. O terreno íngreme favorece as táticas de guerrilha dos insurgentes. As encostas das montanhas, algumas com picos nevados de até 3 000 metros de altitude, são cheias de árvores, grandes pedras e cavernas. Escondidos nesse cenário, os homens do Talibã são chamados pelos americanos de "fantasmas". Alguns soldados passam um ano inteiro protegendo-se de tiros de fuzis AK-47 e disparando de volta sem jamais ver o inimigo. Nas raras ocasiões em que isso acontece, as tropas, legalistas ao extremo, não podem fazer nada. "Já ocorreu de, depois de um combate, membros do Talibã passarem na nossa frente para ir pegar seus feridos. Mas não podíamos prendê-los porque não tinham armas", disse a VEJA um capitão da Companhia Viper 126. Os moradores do vale são agricultores e madeireiros que seguem o wahabismo, um ramo ultraconservador do Islã. Por questões ambientais, o presidente Hamid Karzai, que assumiu o governo após a queda do Talibã, ordenou o fim do comércio de madeira com o Paquistão. A proibição eliminou a principal fonte de renda da população de boa parte da província de Kunar, onde se localiza Korengal, sem criar uma opção econômica viável. Esse fato, somado aos bombardeios feitos por helicópteros americanos contra aldeias onde os terroristas usam os civis como escudo, explica por que quase todos os jovens adultos da região aderiram à guerrilha. Estima-se que eles recebam 100 dólares por mês para compor as fileiras do Talibã. Há também outra motivação: o medo. Os que não aderem são acusados de colaborar com os americanos e podem ser mortos. Nesse contexto, ganha ares quixotescos a missão dos militares de conquistar a confiança dos moradores do vale e de convencê-los a dar informações sobre o paradeiro dos insurgentes. A ideia é mostrar aos chefes das aldeias que, se ajudarem, as forças americanas vão lhes dar segurança e providenciar a construção de pontes e escolas. A política de boa vizinhança é feita em reuniões com os anciãos das aldeias, muitos dos quais suspeitos de apoiar o Talibã. Recentemente, em uma dessas visitas, a patrulha da qual fazia parte o fotógrafo Adam Dean foi alertada pela base de que havia sido interceptada uma comunicação por rádio entre os terroristas. Eles planejavam atacar os soldados logo que deixassem o vilarejo e estivessem expostos nas trilhas próximas. Foi o que aconteceu. O ataque partiu de vários pontos do vale, inclusive da própria aldeia. Os americanos responderam com tiros de fuzil e de morteiro. Possivelmente, os chefes tribais, que tão gentilmente serviram chá ao capitão do Exército americano, foram os mesmos a avisar os insurgentes sobre a visita da patrulha. São os riscos da estratégia anunciada por Obama de negociar com os apoiadores de ocasião do Talibã.
Os Estados Unidos tentam ajudar o Exército do Afeganistão a, pouco a pouco, assumir a tarefa de dar segurança à população. Parte do novo contingente americano foi designada para treinar os militares do país. Outro passo de Washington é apoiar a formação de um governo forte. Está difícil. Apesar de estar à frente de uma das burocracias mais corruptas do mundo, o presidente Karzai ainda é considerado o favorito para as eleições de agosto deste ano. O terceiro caminho é de ordem diplomática e consiste em aproximar Paquistão e Índia, inimigos históricos. Sem terem de se preocupar com sua fronteira ao leste, com os indianos, quem sabe os militares paquistaneses comecem a dar mais atenção aos perigos que se avizinham a oeste. Em meio a tanta incerteza, só uma coisa é certa: a população do Afeganistão não tolera o Talibã. Uma pesquisa de opinião mostra que apenas 4% dos habitantes querem a volta do regime fundamentalista. A luta, portanto, vale a pena.
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Afeganistão A guerra de Obama
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