Aldo Fornazieri
Em política, como já mostraram inúmeros acontecimentos, não existe linha reta. A natureza da política consiste em ser mesmo paradoxal. Partindo dessa premissa, o retorno da tese do terceiro mandato é, ao mesmo tempo, um incômodo e um conforto para o presidente Lula. A tese voltou com força. Relançada pelo vice-presidente, José Alencar, patrocinada pelo deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), repetida por prefeitos, deputados e vereadores, até mesmo entre partidos da oposição, não convém ignorá-la.
Para Lula a proposta de uma segunda reeleição é um desconforto porque é conhecida a sua reiterada posição de defender apenas um mandato, sem direito à reeleição. Lula foi um duro crítico quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso fez aprovar um casuísmo para estabelecer o direito a mais um mandato para ele mesmo. O presidente repetiria Fernando Henrique, num casuísmo com a mesma natureza, se requeresse ou patrocinasse o direito a mais um mandato consecutivo.
Lula, no entanto, não precisa patrocinar a iniciativa da busca de mais um mandato. Há uma legião de políticos dispostos a fazê-lo por ele. Ao afirmar que romperá até mesmo com o PT se o partido pretender obrigá-lo a mais um mandato, o presidente está no papel dele, buscando reafirmar a coerência de suas teses.
Defender mais um mandato para um presidente que chega a ter mais de 70% de avaliação positiva traz evidentes benefícios políticos e eleitorais a quem monta nessa proposta. Ter um terceiro mandato defendido por inúmeras vozes traz notórios benefícios políticos ao presidente Lula. Esses benefícios ficam ainda mais avolumados se o presidente recusar a prebenda que lhe oferecem, dando uma demonstração de humildade, coerência e desapego ao poder.
Os benefícios serão ainda maiores se a oposição morder a isca, cair na armadilha e ficar batendo contra o terceiro mandato. Estará ocupada com um nada, com uma não-realidade política, enquanto o governo navega num oceano calmo, sem enfrentar os percalços de uma oposição efetiva - seja porque ela se ocupa do nada, seja porque ela empunha os esfarrapados estandartes de um embate moralista improdutivo.
No projeto de sua autodanificação, a oposição tem a ajuda de uma poderosa armada: analistas e colunistas políticos que a munem com as teses desidratadas de substância política e programática. Na medida em que não estamos mais numa era de conspirações militares, como foi no passado, quando o embate político se decidia pela arbitragem militar, a oposição moralista se tornou inócua e uma espécie de bênção para o governo. As pesquisas mostram que parte minoritária da sociedade julga que a corrupção é um dos principais problemas do País. Ao conferir-lhe centralidade no combate ao governo, a oposição faz política para uma minoria já oposicionista e não consegue ganhar dividendos políticos e eleitorais. O embate moral só tem alguma eficácia quando secunda uma disputa em torno de programas e projetos.
Nessa história de terceiro mandato, a oposição está perdida num labirinto sem saber em quem atirar. Não consegue enfraquecer Lula, porque o presidente a secunda no repúdio ao terceiro mandato. Não consegue alvejar o PT, porque o partido também não alimenta a tese. E não consegue abater os propositores da idéia porque estes, individualmente, não expressam uma força política real.
A circulação da tese do terceiro mandato traz ainda um outro benefício a Lula. Ela funciona como uma espécie de bode na sala quando o assunto é 2010. Enquanto o bode é acossado, o presidente trabalha no sossego do silêncio, à sombra de sua imensa popularidade, as alternativas reais à sua sucessão.
Com sua astúcia política, Lula joga com vários curingas, num jogo que está sendo permanentemente embaralhado para propositalmente confundir. A arte da boa simulação e dissimulação expressa uma das melhores qualidades políticas, como já foi ensinado no passado. Ela representa a posse da virtù política pelo governante, pois a boa política sempre será feita também com a astúcia.
Os curingas de Lula são uma meia dúzia de políticos emergentes, destacando-se Aécio Neves, Ciro Gomes, Sérgio Cabral, Dilma Rousseff. Se Lula conseguir fazer um sucessor que agregue grande força política e social, estará aberto o caminho para a redefinição do quadro partidário do País e a constituição de um projeto de continuidade alternada no poder que dure alguns bons anos.
Mesmo auferindo dividendos políticos com a circulação da tese do terceiro mandato, Lula, de fato, não tem por que desejá-lo. Não ganharia nada com isso. Poderá e deverá terminar o segundo mandato com louvor, ladeado pela boa fortuna por ter sabido dominá-la pela sua virtù, pelas suas escolhas e decisões governamentais. Além disso, mudar as regras do jogo democrático enquanto o jogo está sendo jogado sempre é perigoso e representa um ato não-democrático.
Se o presidente aceitasse o terceiro mandato, passaria à História como beneficiário de um casuísmo. Lula tem a extraordinária capacidade de unir e agregar politicamente. Mas deve saber que o tempo não é garantia de nada. Ao contrário, o tempo costuma erodir as glórias do passado e do presente se o agente persistir no mesmo caminho. Não vale a pena pôr em risco o capital político e a biografia acumulados nos dois mandatos. Como bom tirador de ditos populares, Lula deve saber também que alguns deles, em política, devem ser lidos de forma invertida. Por isso, deve saber que depois da bonança pode vir a tempestade. A prudência recomenda que guarde o tesouro político acumulado e o reproduza de outras formas que não sejam um terceiro mandato.
Aldo Fornazieri, doutor em Ciência Política, é diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2008
(5781)
-
▼
abril
(535)
- FH: Terceiro mandato desmoralizaria Lula e abriria...
- Preços congelados-Reunião do governo sobre gasolin...
- Villas-Bôas Corrêa A sacudidela na oposição
- Everardo Maciel -O pragmatismo como instumento de ...
- AUGUSTO NUNES- O cinqüentão maluquinho
- Clipping Folha de S. Paulo
- Vamos acordar?- Antonio Delfim Netto
- A outra morte anunciada - Alexandre Schwartsman
- Clóvis Rossi - De palavrões à derrota
- Clipping Valor Econômico
- Clipping O Estado de S. Paulo
- A compostura já perdeu a eleição paulistana - José...
- Celso Ming - Petrobrás, efeito Argentina
- Dora Kramer - No altar do próprio umbigo
- Clipping O Globo
- Merval Pereira - O princípio e o fim
- Míriam Leitão - O mundo e a fome
- Luiz Garcia - A duração do horror
- Invasão bilionária
- Míriam Leitão - Efeitos do petróleo
- Merval Pereira - Sinais
- Dora Kramer - A pauta do "povo"
- Clipping 29/04/2008
- Clipping de 28/04/2008
- Clipping do dia 27/04/2008
- Clipping do dia 26/04/2008
- Mariano Grondona
- Joaquín Morales Solá
- Miriam Leitão O velho e o novo
- Merval Pereira Protecionismo
- FERREIRA GULLAR
- DANUZA LEÃO
- CLÓVIS ROSSI
- Discutir a relação
- ''O mestre do inusitado e da sugestão''
- João Ubaldo Ribeiro Itaparica e a questão amazônica
- Daniel Piza
- Alberto Tamer Brasil agrícola incomoda o mundo
- Ethevaldo Siqueira
- Mailson da Nóbrega A difícil marcha para o capital...
- Celso Ming O pior já passou?
- Suely Caldas Ricos e pobres na crise de alimentos
- Dora Kramer Não basta julgar
- As ONGs do bem e do mal
- Raposa Serra do Sol e a soberania nacional
- Relatório mostra que Exército tem de pedir autoriz...
- Empresário denuncia lobby de advogado-
- A pobre e superprotegida Amazônia-Ruy Fabiano (Nob...
- Adriana Vandoni OS RISCOS REAIS SÃO OUTROS
- ELIANE CANTANHÊDE Bolsa Vizinhos
- Miriam Leitão Ocaso da fronteira
- Merval Pereira Visões do poder
- HELIO JAGUARIBE
- Celso Ming Mais uma escassez
- Dora Kramer De empadas e azeitonas
- VEJA Carta ao leitor
- VEJA Entrevista: Edmund Phelps
- Lya Luft
- RADAR
- J. R. Guzzo
- André Petry
- Diogo Mainardi
- Roberto Pompeu de Toledo
- O álcool brasileiro não tem culpa na alta dos alim...
- Índios O conflito em Roraima
- Ciro Gomes e a conspiração da vez
- Eleições americanas Nuvens negras no horizonte d...
- Paraguai O que esperar do novo presidente
- Caso Isabella: defesa acuada
- A prisão do advogado Ricardo Tosto
- Europa libera celulares a bordo
- As células-tronco e o tratamento de males do coração
- O acúmulo de informações no mundo digital
- O terremoto no sudeste do país
- Sociedade A poderosa Ana Paula Junqueira
- Tecnologia Lançado o primeiro microprojetor de ...
- Especial A importância de uma dieta equilibrada
- Ginástica: sem esforço, não dá
- Bons de ter em casa
- Homem de Ferro, com Robert Downey Jr.
- O Sonho de Cassandra, de Woody Allen
- Pós-Guerra, de Tony Judt
- O anjo da História
- Clipping 25/04/2008
- Nós, os imperialistas
- Mais inchaço no gasto público
- Celso Ming - O arroz ameaçado
- Dora Kramer - Homem trabalhando
- Clóvis Rossi - De pé contra a morte
- Eliane Cantanhede - Pós-terremoto
- Merval Pereira - O PT hegemônico
- Míriam Leitão - Tempos incertos
- Operação da PF prende o advogado Ricardo Tosto. Ac...
- A MENTIRA PROPAGADA POR UMA ONG
- FHC entra em lista de 100 maiores intelectuais do ...
- A defesa do bom etanol
- Merval Pereira - Dilema americano
- Míriam Leitão - Hora da mesa
- Eliane Cantanhede - Balança, mas não cai
- Dora Kramer - Com o pé no tubo
-
▼
abril
(535)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA