Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 13, 2008

Gaudêncio Torquato O tabuleiro de Aécio Neves


A aliança entre o PSDB do governador Aécio Neves e o PT do prefeito Fernando Pimentel em torno do nome de Márcio Lacerda, do PSB, para a prefeitura de Belo Horizonte faz jus à matreirice mineira. Como pode um tucano de bico longo passear de mãos dadas com um petista de alto coturno, quando seu partido, ao lado do DEM, se fixa na linha de frente contra o mando do petismo no País? Não há contra-senso quando nubentes da política são mineiros. O neto de Tancredo quer ser presidente da República e para tanto precisa atrair a simpatia do petismo menos radical. Pimentel sonha com o governo do Estado em 2010 e quer, desde já, contar com o apoio de Aécio. A operação, que dirigentes do PT tentam desfazer por distinguirem nela um “haraquiri eleitoral”, teria, ainda, o endosso do presidente Lula, a quem o governador mineiro não se cansa de fazer elogios, a ponto de dizer que, caso seja candidato a presidente da República, não se posicionará contra ele.

A estratégia do jovem governador parte de ampla aliança para compor, primeiro, em casa, a moldura do jogo presidencial. Brandirá como argumento a bandeira “chegou a vez de Minas”. Desde a morte de Tancredo Neves, os mineiros vivem a sensação de que o destino lhes surrupiou parcela considerável de seu patrimônio político e moral. Tancredo representava o resgate da forte tradição mineira na política, o reencontro do País com as liberdades. O desaparecimento da velha fortaleza fez desmoronar o sonho da mineirada de tomar o cetro da Nação. O grito de vitória ficou preso na garganta, substituído por soluços inconsoláveis. De lá para cá, a expectativa do povo das Minas Gerais é recuperar a posição privilegiada que sempre teve na política e que, a cada eleição, viu cair no colo dos paulistas. E recuperar a força interior que, historicamente, o Estado detinha por conta da fartura de homens públicos de porte, cuja história ilustra as melhores páginas da política nacional.

Minas nunca viu com bons olhos o fato de São Paulo deter mais força política. O romancista Mário Palmério desenvolveu para Tancredo uma tese para explicar as diferenças entre os dois Estados: “São Paulo é mais poderoso do que Minas. Mas você, Tancredo, é mais forte do que Franco Montoro, porque os Estados industrializados, por serem mais poderosos, voltam-se para dentro, perdem identidade nacional e acabam diminuindo a força política. É o exemplo de Chicago, nos Estados Unidos.” A velha raposa apenas sorriu, parecendo não acreditar na conversa milongueira. O fato é que São Paulo, no ciclo da redemocratização, além do poderio econômico, passou a se apresentar também como o maior pólo político. A fonte de sua extraordinária força reside na população de 40 milhões de pessoas, das quais mais de 28 milhões são eleitores. É natural que desse berço tenham saído dois presidentes da República, consecutivamente: Fernando Henrique e Luiz Inácio.

O Estado mineiro, porém, não fica muito atrás. É o segundo maior eleitorado do País, com quase 14 milhões de eleitores. Portanto, tem cacife para comandar o processo político. Ademais, a unidade federativa ocupa lugar estratégico no mapa nacional, ao integrar o Sudeste e o Nordeste. Desse modo, seu postulante pode, em tese, argumentar com uma candidatura representativa de duas regiões. No caso de Aécio, há quem aposte, ainda, que sua identidade carioca, conseguida graças a uma vivência no Rio de Janeiro nos tempos de juventude, possa atrair a simpatia do terceiro colégio eleitoral do País, com mais de 11 milhões de eleitores. Para arrematar o conjunto de fatores que terão influência no cenário de 2010, há a questão da experiência administrativa e o desempenho governamental. Esse será um forte trunfo de Aécio, eis que realizou um choque de gestão no governo, saindo de um déficit monumental para obter expressivo superávit.

Esta é a paisagem aeciana vista de cima. De perto, emergem as curvas. José Serra é o tucano de maior prestígio e visibilidade, sendo a mais qualificada referência eleitoral das oposições. Considerado excelente gestor financeiro, exibe uma folha de bons serviços desde os tempos em que organizou as finanças do governo Montoro. Numa queda-de-braço com Aécio Neves, hoje, levaria a melhor e seria o escolhido do tucanato para disputar a Presidência da República. Se esse cenário de vantagens para o serrismo persistir até meados de 2009, não haverá alternativa para Aécio senão se conformar com a situação e se postar ao lado do governador paulista. Os sinais que vêm de Minas indicam, no entanto, que não será essa a escolha. Os seguidos passos do governador mineiro em direção ao PMDB fazem crer que ele deseja montar no cavalo arreado à sua frente. E o cavalo peemedebista lhe parece adequado, até porque ele conta com a simpatia e a amizade do presidente do PMDB, Michel Temer, e do líder do partido na Câmara, Henrique Alves.

Voltemos ao noivado entre Aécio e Pimentel. O anel de casamento será ofertado, sorrateiramente, pelo pragmático Luiz Inácio. Como se sabe, o presidente começou o jogo de 2010 com os peões, colocando Dilma Rousseff nos palcos do PAC. Se a chefe da Casa Civil continuar a tropeçar, virão outras peças, como o imprevisível Ciro Gomes, o indecifrável Patrus Ananias, o amigo Sérgio Cabral, o jejuno Eduardo Campos e, claro, até ele mesmo, Lulinha “que o povo quer de novo”. Mas a jogada de mestre é um xeque-mate. A peça-chave de Lula poderá ser um bispo, que correrá em diagonal, para cima e para baixo do País. Na montagem do cenário futuro, o bispo colocará nas ruas de todas as cidades mineiras estampas sorridentes de seu avô Tancredo, por ocasião das festividades de seu centenário. Ao fundo, mais sorriso, o de Juscelino Kubitschek. A estética da simpatia enfeitará o tabuleiro.

Final de jogo: com o poder que detém nas bases da pirâmide social e com o discurso de chamamento à unidade nacional, não é difícil que o papa Lula transforme o bispo mineiro no mais jovem cardeal da política.

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