Não vivemos tempos comuns. Nesta semana, na Câmara dos Deputados, se trava uma disputa pelo comando da Casa que não pode ser considerada normal e rotineira. Está em jogo o perfil do Parlamento requerido pela sociedade brasileira. Nos anos recentes, a degradação moral abalou profundamente nossas instituições, particularmente o Poder Legislativo. Ele foi atacado com sórdidas manobras e práticas patrocinadas, muitas delas, pelo próprio Executivo. Ao mesmo tempo, foi agente e vítima da impunidade e pagou um preço altíssimo, com o descrédito na opinião pública, que hoje questiona até mesmo a sua pertinência. A propósito, charge publicada na semana passada num grande jornal mostrava dois deputados consultando sua “consciência” ao contarem notas de dinheiro em suas carteiras! É aqui que a própria democracia começa a correr grave perigo. O processo de erosão ética e moral do Congresso abre as portas para o autoritarismo. Tenho a convicção de que, desde a redemocratização, esta crise traz consigo a maior ameaça à sobrevivência do regime democrático em nosso país.
Estamos diante de uma disjuntiva, e é sobre ela que as deputadas e os deputados devem refletir. Ou votam pela continuidade de uma Câmara dos Deputados corporativa, submissa ao Executivo e eivada de práticas menos nobres, ou optam pelo resgate do Congresso Nacional. Neste caso, estariam criadas as condições para iniciarmos uma caminhada no sentido da autonomia do Poder Legislativo e para a adoção de princípios e práticas republicanas. O desafio é enorme e não pode ser reduzido a uma disputa mesquinha entre governo e oposição. Ou entre o PT e o PSDB. Idealmente, teria sido ótimo se os governistas tivessem oferecido uma alternativa identificada com esses propósitos. Sem dúvida, existem em seus quadros partidários pessoas que se encaixam perfeitamente nesse perfil. As duas candidaturas vinculadas à base do governo, entretanto, foram na contramão da renovação, apesar de se tratar de deputados dignos. Não devemos rejeitá-los pelo que são, mas pelo que, infelizmente, representam em matéria de continuidade das más práticas na Câmara. Por isso um grupo de parlamentares reunidos na chamada “Terceira Via” construiu uma nova opção, a candidatura de Gustavo Fruet, que vem avançando a olhos vistos no público interno e ganha amplos apoios na sociedade brasileira. Aliás, não há lembrança de uma eleição para a presidência da Casa que tenha mobilizado tanto a opinião pública. Ainda bem. Significa que nosso povo está vivo, atuante e tem esperança.
Nossa legislatura terá enormes responsabilidades. A primeira delas é fazer uma espécie de “revolução interna” para que o Congresso se auto-respeite e possa ser digno do respeito de todos. Sem dúvida, a impunidade, responsável pela produção de lamentáveis episódios recentes, será atingida com o voto aberto na Câmara. O corporativismo e o balcão de negócios serão golpeados com a racionalização e transparência dos gastos da Câmara, pela atualização do seu Regimento Interno e pelo fortalecimento do seu Conselho de Ética. É preciso ampliar a participação dos parlamentares nas deliberações do Congresso, hoje conduzidas, na prática, por um pequeno número, sem chances reais de interferência de muitos deputados no processo legislativo. A sociedade desconhece o teor dos debates e deliberações no Congresso, onde muitas leis são aprovadas sem nunca terem sido submetidas a voto em plenário.
A nova direção da Casa terá também de se pautar pela autonomia do Poder Legislativo. Como reza a nossa Constituição, queremos a harmonia entre os Três Poderes, e não o confronto. Mas a verdadeira harmonia implica o respeito ao papel de cada uma das instâncias. A função primeira do Congresso Nacional é legislar, e isso não é possível enquanto não for debelada a profusão de medidas provisórias editadas pelo Poder Executivo e a sistemática de sua tramitação, que praticamente garante sua aprovação. A pauta é trancada e não são observados os critérios de real urgência e relevância. Quem perde é o Brasil, pois deixamos de debater e aprovar os grandes temas nacionais.
Nos temas substantivos, não há como resgatar o Parlamento sem a promoção de uma verdadeira reforma política. Algumas de nossas normas eleitorais e partidárias foram, em parte, responsáveis pelos escândalos e pela constituição de uma maioria governista por meio do troca-troca partidário, ou da utilização de benesses do Executivo como moeda política. Urge instituir a fidelidade partidária e a cláusula de barreira para que os partidos sejam fortalecidos. O sistema proporcional para a eleição de parlamentares leva ao distanciamento dos eleitores e é um estímulo ao caixa 2. Para a modernização da nossa democracia o Congresso terá de aprovar a adoção de outro sistema, organizado com base no voto distrital. Por outro lado, o crescimento econômico e a geração de empregos somente ocorrerão com uma profunda reforma tributária. Se o Congresso não agir, dificilmente ela ocorrerá, a julgar pela timidez nessa matéria do chamado PAC, lançado pelo governo na semana passada.
Se o futuro presidente da Câmara adotar esses compromissos, nossas instituições serão preservadas. Nunca é tarde para ter esperança. Estamos na undécima hora, mas ainda há tempo para que o governo e seus partidos despertem para a grave ameaça que paira sobre a nossa democracia. Este deveria ser o esforço de todos os cidadãos, tais são as forças externas e internas empenhadas na desmoralização do Congresso Nacional. Os verdadeiros democratas e republicanos devem estar à altura do que o momento histórico exige: o resgate do Congresso Nacional para o fortalecimento da democracia em nosso país.
Entrevista:O Estado inteligente
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