Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 25, 2007

CARLOS ALBERTO SARDENBERG Os vinhos no Chile

Visitar as vinícolas é conhecer, com muito prazer, o Chile moderno. Começa pelas estradas que levam de Santiago aos diversos vales do vinho.

São excelentes — como as melhores estradas de São Paulo — e, não por acaso, todas também privatizadas. O visitante viaja tranqüilo, tem apoio por todo o caminho (postos, restaurantes, lojas) e não se perde mesmo estando ali pela primeira vez.

Mesmo quando se entra nas vias menores — las rutas del vino —, algumas de terra batida e cascalho, de propósito, para manter o clima de fazenda, a viagem é fácil. Há cercas de proteção e placas sinalizando os destinos, as famosas vinícolas.

Visitei várias, nenhuma falhou.

Considere as mais antigas, Concha y Toro, Cousiño Macul e Santa Rita. Todas mantêm as marcas da história, preservam as tradições. Ali se encontram adegas estilo francês, construídas no século XIX, várias ainda guardando vinhos, em garrafas ou nos barris de carvalho. É sensacional.

A temperatura, fria, é mantida exclusivamente pela circulação do ar proporcionada pela arquitetura e pela profundidade das instalações.

Funcionários mostram genuíno orgulho por essas adegas, mas logo acrescentam que o negócio propriamente dito não está mais ali. A produção do vinho chileno é pura globalização, como se verifica com uma simples olhada pelos enormes tonéis de aço das modernas instalações.

Não são mais enterradas, algumas estão andares acima, e a temperatura é controlada pelos computadores, tanto a do ambiente quanto a interna, dos barris, onde ficam os vinhos. Em geral, são equipamentos importados dos Estados Unidos.

A tecnologia de ponta está também nas plantações. No que vi, a irrigação é pelo sistema de gotejamento, de tal modo que, dos computadores centrais, pode-se controlar a quantidade de água e os nutrientes que vão para as parreiras. A terra e o clima do Chile são altamente favoráveis, mas não se deixa nada inteiramente por conta da Natureza. A ciência está ali, a biotecnologia no desenvolvimento das uvas.

Nas vinícolas mais novas, algumas muito recentemente instaladas, é tudo século XXI, da arquitetura às máquinas.

Em todas, das clássicas às modernas, os profissionais envolvidos na produção e na recepção dos visitantes são de primeiro time.

Falam línguas, o inglês é quase local.

Português? Não é freqüente, mas se enc o n t r a .

As visitas e degustações são rigorosamente profissionais, inclusive no cumprimento dos horários.

A maior parte da produção é destinada à exportação, sendo os principais clientes os Estados Unidos e a Europa. Americanos e europeus também são ampla maioria entre os visitantes nas vinícolas.

A carga tributária local é muito baixa — 16,5% do PIB (menos da metade da brasileira) — e praticamente nenhuma na exportação.

Assim, o vinho é barato lá e mais ainda quando chega ao país importador. Lá, uma garrafa do Cousiño Macul mais simples pode ser encontrada, em lojas de Santiago, por algo equivalente a dez reais. Isso mesmo. E oito reais na própria vinícola.

Quando eu dizia que esse vinho sai no Brasil por R$ 28, numa loja barateira, o pessoal de lá dizia: “Absurdo.” “Impostos”, respondia eu.

Tudo considerado, a indústria do vinho no Chile, com tudo que a envolve, é um exemplo acabado do país. Economia de mercado, globalização, tudo privado, o governo apenas regulando.

E por que estamos tratando disso? Por que a onda neo-estatizante que assola a América Latina, em graus variados, também parece estar batendo no Chile.

Começa com as estradas. Por iniciativa do Partido Socialista, da presidente Michelle Bachelet (lá, a imprensa a trata por “la presidenta”), o Congresso está discutindo uma revisão na lei de concessões, inclusive de rodovias.

Reclamam que o pedágio tem que ser mais barato e que as concessionárias devem ter mais obrigações, incluindo as sociais.

Não tem ninguém lá ocupando praças de pedágio com apoio de governadores, mas já se percebe a dúvida nos meios econômicos em relação a investimentos futuros. Mesmo porque o Congresso também está analisando projetos que mudam o conceito e as obrigações de empresas privadas, na direção de maior restrição.

E a Concertação — a aliança partidária entre socialistas e democratas-cristãos que governa o país desde a queda de Pinochet — debate aumento de impostos para financiar uma elevação dos gastos públicos.

Sempre que se dizia que a racionalidade econômica e o espírito do capitalismo não pegavam na América Latina de hoje, a resposta era direta: pegou no Chile. Pois parece que eles estão lá começando a reviver o genuíno passado latino.

Em tempo: há dois restaurantes extraordinários, o da clássica Santa Rita e o da novíssima vinícola Indômita. Aproveitem.

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