A novidade agora é Doha. Doha para cá, Doha para lá, desta vez vai, as negociações serão relançadas, porque os EUA já estão se entendendo com a União Européia, a representante comercial americana, Susan Schwab, primeiro negou, depois deve ter sido advertida por Bush e foi mais diplomática, estamos negociando sim, etc., etc., etc. Posso afirmar que é tudo conversa fiada. Nem europeus nem americanos querem ceder nada quanto à liberalização do comércio agrícola enquanto os países agroexportadores não abrirem, e muito, o seu comércio nas áreas industrial e de serviços. E ponto final.
Quem melhor refletiu isso foi o nosso colega do Estado Rolf Kuntz, atualmente cobrindo a reunião de Davos. Em sua reportagem de sexta-feira, neste caderno, ele entrevista a madame Schwab. Apertou-a ao máximo e ela saiu-se magnificamente bem pela tangente. Eis o que ela diz a Kuntz:
1 - Há condições de progresso nas negociações globais de comércio, os EUA estão dispostos a negociar o corte dos subsídios à agricultura se os outros países oferecerem “suficiente acesso a mercados”. Toma aqui, mas dá lá, e imagine quem vai sair ganhando...
2 - Há algum prazo? E Kuntz registra que ela prefere não definir prazo “porque a Rodada Doha já teve muitos”.
3 - “Esperamos que em algum momento possamos juntar tudo e ver o formato daquilo que poderá ser um avanço.” Só faltou o condicional, poderia...
Essa moça diz tudo sem dizer nada! E tem razão. Os EUA têm problemas mais urgentes do que adotar medidas contrárias aos interesses dos seus produtores-eleitores, vêm tentando desacelerar o crescimento sem provocar choques e vão continuar nesse jogo. Mas por quê? Aqui a resposta é chocante. E não vem de Washington, mas da bela e sedutora Paris. Vamos aos fatos obtidos em nossas fontes de Bruxelas.
FRANÇA DIZ NÃO E NÃO
Enquanto desavisados como o chanceler Celso Amorim insistem em olhar para os EUA esperando um sinal de que estariam dispostos a fazer concessões na Rodada Doha da OMC, quem de fato promete causar sérios danos ao processo está em Paris.
Nesta semana, a ministra de Comércio da França, Christine Lagarde, deu pauladas por todos os lados. Afirmou que dificilmente um entendimento será atingido em Genebra promovendo um amplo acesso aos mercados dos países ricos para os produtos agrícolas do sul.
Há poucos dias, Lagarde viajou até Bruxelas para falar com o comissário de Comércio da Europa, Peter Mandelson. Suas afirmações a ele foram cristalinas. A França não aceitará os níveis de cortes de tarifas de importação pedidos pelo Brasil e outros emergentes nem fará concessão antes de saber até que ponto os EUA reduzirão seus subsídios.
Quanto à informação do Financial Times de que a Europa estaria disposta a cortar 54% de suas tarifas, madame Lagarde esbravejou: “São elucubrações.” “Ce sont des chiffres abracadabrantesques” (em tradução livre, são números mágicos, fantasiosos).
A menos de cinco meses da eleição presidencial, a França confirma que o setor agrícola é importante demais nas urnas para fazer barganhas. Os candidatos estão prudentes ao falar sobre reforma do sistema de subsídios ou eventuais aberturas, agrícolas ou não. O único sinal dado pela França, e assim mesmo vago, é de um provável corte máximo de tarifas que chegue a 39%, algo considerado como inaceitável pelo Brasil.
A FRANÇA VAI BLOQUEAR
O que mais espantou os assessores de Mandelson é que Lagarde não hesitou em afirmar ao comissário que a França não pensaria duas vezes em vetar um acordo na OMC.
Cinicamente, a União Européia (UE) anunciou nesta semana que estava se aliando ao Canadá, Brasil, à Austrália e Argentina na disputa na OMC contra os subsídios americanos ao milho. Segundo a UE, as práticas americanas “distorcem o comércio internacional...” Só o deles? Ora, ora, madame, a senhora acha que, por sermos menos desenvolvidos, somos burros?
ACORDO A PREÇO INACEITÁVEL
Para completar, os europeus reuniram-se nesta semana com diplomatas de países emergentes e avisaram que vão cobrar caro caso o capítulo agrícola seja solucionado nas negociações dos próximos meses. Eles querem um corte de 65% nas tarifas de importação de bens industriais em países como Brasil, China e Índia. Um diplomata surpreendido pelo recado dos europeus confessou a este colunista: “Vai ser difícil.”
As conversas vão continuar. Mas só o Brasil finge que acredita num resultado positivo... Só nós e a imensa torcida do Corinthians (desculpe, leitor amigo, mas eu sou santista...).
Entrevista:O Estado inteligente
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