Criado no início da década por ativistas de esquerda para servir de contraponto ao Fórum Econômico Mundial e propor alternativas para o capitalismo, brandindo o slogan “um outro mundo é possível”, o Fórum Social Mundial não poderia ter encerrado esta sua sétima reunião de maneira mais melancólica e contraditória. A reunião foi promovida entre 22 e 24 de janeiro em Nairóbi, capital do Quênia, e os participantes não conseguiram chegar a qualquer conclusão, meteram-se numa enorme confusão com as autoridades locais e não se revelaram capazes sequer de se entender sobre o próximo encontro. Em 2008, o evento simplesmente não será realizado.
Nos três dias do encontro, foram promovidos 1.200 seminários, conferências e oficinas divididos em 21 temas, entre os quais trabalho, habitação, mulheres, migração, água, aids, dívida externa e paz. Os 2 mil participantes também discutiram formas de mobilizar a “sociedade civil internacional”, criticaram os acordos comerciais firmados pela União Européia com as ex-colônias da África, Caribe e Pacífico, acusaram os organismos multilaterais de serem responsáveis pelos débitos dos países pobres, pediram a queda do presidente George W. Bush e do primeiro-ministro Tony Blair, entoaram “vivas” a Hugo Chávez e a Cuba e assinaram uma declaração de “solidariedade” à América Latina.
Os integrantes da delegação brasileira, alguns dos quais tiveram passagem paga por empresas estatais, exigiram a retirada das tropas da ONU no Haiti, grande parte formada por militares brasileiros. Um representante da CUT leu uma nota afirmando que “a humanidade rejeita o sistema neocolonial e o neoliberalismo”. E o chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, ministro Luiz Dulci, fez uma palestra sobre a “tensão” e a “criatividade” na “dialética entre movimentos sociais e governos de esquerda”.
Tudo isso, no entanto, não passa de simples folclore, o que sempre foi a principal característica do Fórum Social Mundial desde o primeiro encontro, realizado em Porto Alegre em 2001. O que houve de novo, no evento deste ano, foi a flagrante incapacidade demonstrada pelos participantes de conviver com as regras e o espírito de tolerância que tanto defendem para a construção de um “novo mundo”.
Vários participantes invadiram um dos restaurantes escolhidos para fornecer refeições aos participantes do Fórum e o destruíram, sob a alegação de que ele seria de propriedade de um antigo colaborador do regime colonial inglês. Outros criticaram as empresas privadas que contribuíram para a realização do Fórum, por meio de apoio material e financeiro. E houve ainda quem questionasse a exigência de pagamento de uma taxa de inscrição no valor de US$ 7, sob o argumento de que a cobrança seria uma forma de “exclusão social”, e a presença dos policiais quenianos encarregados de garantir a segurança no local do evento.
Além disso, representantes de organizações religiosas entraram em confronto aberto com líderes de movimentos feministas e defensores da diversidade sexual. A chamada Assembléia dos Movimentos Sociais, que tradicionalmente encerra o Fórum, desta vez não foi sequer incluída na programação, dando margem a muito bate-boca. Uma das entrevistas coletivas concedidas pelos porta-vozes do evento foi simplesmente invadida. E, ao contrário do que aconteceu em todos os encontros anteriores, os líderes das diferentes organizações participantes não conseguiram chegar a um acordo para a redação de um documento conclusivo que reunisse as reivindicações e posições ideológicas de todos os setores representados. Não houve consenso nem mesmo sobre o que os ativistas terão de fazer para “não deixar 2008 passar em branco”, já que o Fórum não será realizado no próximo ano.
Para salvar as aparências, alguns dos dirigentes do Fórum Social Mundial reconheceram que o encontro de 2007 foi caótico, com a ressalva de que ele permitiu avaliar fracassos e vitórias. A fragilidade do argumento dá a medida da inviabilidade das alternativas por eles propostas ao capitalismo. Se não são capazes nem de organizar um evento internacional com um mínimo de eficiência nem de assegurar a sobrevivência de sua própria entidade, como podem almejar ser os construtores de um “novo mundo”?
Entrevista:O Estado inteligente
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