Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 01, 2005

O Convidado de Pedra PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

FSP


Escrevo de Foz de Iguaçu. Estou aqui para um encontro Argentina-Brasil, que marca o 20º aniversário do processo de integração entre os dois países. Em 1985, os presidentes Alfonsín e Sarney lançaram uma nova fase da relação bilateral. Apesar dos percalços e das dificuldades, o panorama mudou muito nesses 20 anos: a rivalidade histórica deu lugar a uma aliança de caráter estratégico.
Faço essas anotações entre uma reunião e outra (perdoe-me, leitor, se o artigo ficar mais descosturado do que de costume). Ao meu lado, neste momento, está o vulcão Carlos Lessa, que, em questão de dez minutos, já me deu umas três sugestões ótimas de temas para o artigo de hoje. Contrariando a opinião dele, entretanto, vou escrever de novo sobre a relação Argentina-Brasil.
Como disse um dos participantes do debate, aqui em Foz, na relação Argentina-Brasil, queiramos ou não, há sempre um "tertius", um "convidado de pedra": os Estados Unidos da América. Trata-se da única superpotência e, enquanto tal, tem interesses, objetivos e prioridades em todos os cantos do planeta.
A superpotência, contudo, nunca deu as cartas sozinha -mesmo depois do colapso da União Soviética. Ela opera num mundo que é multipolar e será, provavelmente, cada vez mais multipolar. A influência e o peso relativos dos EUA tendem a diminuir, em termos econômicos e políticos. Na Ásia, temos a emergência de duas nações de proporções continentais, que souberam preservar a sua autonomia nacional e cujas economias vêm crescendo de forma rápida: a China e a Índia. O Japão está superando a sua longa crise econômica. A Rússia pós-Ieltsin também vem expandindo a sua economia a taxas elevadas e aumentando o seu papel internacional. Depois da recente ampliação para 25 países, a economia da União Européia já ultrapassa a dos EUA.
A questão que se coloca para nós é a seguinte: haverá um pólo de poder também aqui na América do Sul? Ou seremos meros satélites de um bloco comandado por Washington?
A resposta depende, em grande medida, de como evoluirão as relações Argentina-Brasil, pois esse é o eixo em torno do qual se articulará a integração da América do Sul.
Repare, leitor, que é preciso falar em América do Sul -e não em América Latina. México e adjacências tomaram o rumo da satelitização -e de forma aparentemente difícil de reverter.
Já a América do Sul é um campo em disputa. Estão em curso dois movimentos. Por um lado, o "convidado de pedra" está executando uma manobra de flanco, mais precisamente uma manobra no flanco ocidental da América do Sul. As dificuldades de avançar na Alca levaram os EUA a lançar negociações bilaterais de livre comércio no modelo Alca-Nafta. O primeiro acordo bilateral foi o com o Chile. Mais recentemente, começaram as negociações de acordos do mesmo tipo com três outros países sul-americanos: Colômbia, Peru e Equador. As negociações avançam com dificuldade, principalmente porque as exigências de Washington são muito duras.
Segundo movimento: a ampliação do Mercosul. Já estão em fase de implantação acordos de livre comércio com a Bolívia e o Chile. No passado recente, o Mercosul assinou acordos de livre comércio com Venezuela, Peru, Colômbia e Equador.
Agora, estamos entrando em nova fase: a incorporação plena de outros países sul-americanos à união aduaneira do Mercosul, isto é, a sua adesão (com as ressalvas e exceções que vierem a ser negociadas) à tarifa externa comum.
A Venezuela já anunciou a sua intenção de tornar-se membro pleno do Mercosul. A Bolívia tende a tomar o mesmo caminho.
Duas Américas do Sul? A oriental (Venezuela, Brasil, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Argentina), maior e mais autônoma, de um lado? E a ocidental, de menor expressão geográfica e econômica e estreitamente alinhada ao modelo de integração subordinada aos EUA, de outro?
Não necessariamente. O único país sul-americano profundamente engajado no modelo proposto por Washington é o Chile. Os demais não definiram o seu rumo ainda. Vários deles atravessarão eleições presidenciais em futuro não muito distante. Em muitos casos, os candidatos favoritos não se identificam ou são abertamente contrários à agenda econômica e política dos EUA.
Estamos num período de definições cruciais. Fortalecer a relação Argentina-Brasil nunca foi tão importante.

Arquivo do blog