Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 19, 2010

O criador dos prédios espetaculares


Ninguém passa incólume pelos edifícios do espanhol
Santiago Calatrava. Sua mais recente criação é um
museu no Rio de Janeiro


Marcelo Bortoloti e Silvia Rogar

Fotos Massimo Borchi/Corbis/Latin Stock e David Brabyn/Latin Stock
O arquiteto e sua obra
Calatrava (à dir.) e o complexo cultural que ergueu em Valência, sua cidade natal:
transformação da paisagem

Expoente da chamada arquitetura-espetáculo com seus prédios de vidro e aço que lembram verdadeiras esculturas gigantes, o espanhol Santiago Calatrava, 58 anos, isolou-se dois meses atrás num chalé encravado nos Alpes suíços para debruçar-se sobre seu mais novo e ambicioso projeto: o edifício que, em 2012, abrigará um museu dedicado à ciência e à tecnologia, no Rio de Janeiro. Depois de duas visitas à cidade, mais de 200 desenhos e um disciplinado estudo sobre o movimento das plantas, Calatrava chegou à forma estilizada de um caule recoberto por painéis de aço, que se abrem e fecham como pétalas. Pode-se dizer que o prédio – cujo projeto será apresentado pelo próprio arquiteto na próxima segunda-feira, no Rio (veja foto abaixo) – é uma boa síntese de sua obra. Ali, veem-se as grandes dimensões típicas de seus edifícios, os traços inspirados na natureza e a estrutura em movimento, um efeito produzido com base em cálculos milimétricos conduzidos pelo próprio Calatrava. No museu carioca, caberá a um sistema hidráulico, controlado por um sofisticado programa de computador, fazer com que tais placas se movimentem de modo que permaneçam mais tempo na direção do sol e em 90 graus. A ideia é que, assim, elas absorvam a maior quantidade possível de energia para mover a engrenagem. Também engenheiro de formação, Calatrava resume a VEJA: "Para mim, é justamente o rigor da engenharia que alça a arquitetura a um patamar mais elevado".

Os edifícios que levam a assinatura do arquiteto espanhol têm em comum o fato de jamais se integrarem harmonicamente à paisagem – ao contrário, eles sempre chocam. Sua obra está espalhada pela Europa, Estados Unidos, Canadá e Argentina, onde Calatrava ergueu uma das mais engenhosas de suas quarenta pontes. Debruçada sobre o Rio da Prata, em Buenos Aires, a estrutura foi projetada para girar em torno de um único eixo fincado sob as águas, de maneira a abrir passagem para navios de grande porte. Entre seus mais ousados trabalhos, figura o Museu de Arte de Milwaukee, nos Estados Unidos, que atrai atenção pelos tubos de aço formando a silhueta de um pássaro cujas asas atingem 66 metros de comprimento. Num discreto movimento, elas se posicionam ora para cima, ora para baixo. O mais impressionante conjunto de autoria de Calatrava, no entanto, fica em Valência, sua cidade natal. Ali, ele ergueu um planetário em formato de olho humano adornado com gigantescas pálpebras de aço em constante abre e fecha e ainda uma ópera que lembra a cabeça de uma serpente (nem todo mundo gosta, mas não há como não parar para ver). Diz-se na Espanha que Calatrava representa para Valência o mesmo que o catalão Antonio Gaudí significou para Barcelona, no princípio do século XX. Diz Paulo Fonseca, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo: "Ambos deixaram marcas que hoje são indissociáveis dessas cidades".

Obcecado pela arquitetura – a ponto de um de seus quatro filhos, Gabriel, um engenheiro de 27 anos com quem ele trabalha, dizer que "meu pai não tem outro hobby na vida" –, Calatrava é dono de um processo criativo singular. A começar pelo fato de seu ponto de partida não serem apenas desenhos, mas também aquarelas, que ele produz às centenas com verdadeira ambição artística, até chegar à forma final. Para se ter uma ideia, a cada projeto Calatrava chega a publicar um novo livro com seus esboços. Outra de suas particularidades diz respeito a um apreço fora do comum por maquetes – tanto que ele mantém uma fábrica na Suíça, onde um grupo de engenheiros especializados desenvolve modelos de até 2 metros de altura que simulam em miniatura todas as engrenagens concebidas para os edifícios. Ao referir-se ao próprio processo de criação, Calatrava gosta de citar o escultor francês Auguste Rodin (1840-1917): "Inspiração é algo que não existe". Vaidoso, ele guarda seus 100 000 desenhos (até os esboços mais rudimentares) e 500 maquetes em suas três residências – em Valência, Zurique e Nova York, onde passa mais tempo. Ali, ocupa com os filhos e a mulher, a advogada sueca Tina Marangoni, 57 anos, três casas geminadas na elegante Park Avenue. À frente de uma equipe de 100 funcionários, é Calatrava quem dá a palavra final sobre tudo. "Meu marido é um centralizador", define Tina.

A arquitetura-espetáculo representada por ele não compõe exatamente uma nova corrente – tais são as diferenças de estilo entre seus mais proeminentes nomes, como o americano Frank Gehry (autor do Museu de Bilbao) e o holandês Rem Koolhaas (do Museu Gug-genheim de Las Vegas). Suas obras, no entanto, guardam uma notável semelhança: amparadas por programas de computador e técnicas de construção que permitem edificar prédios em formatos tão ousados que parecem desafiar as leis da física, elas sempre provocam uma transformação radical no cenário. "Pela liberdade extrema dos traços, é uma arquitetura que se aproxima muito do design", diz Mônica Junqueira, doutora em história da arquitetura. Caso exemplar desse conceito é o edifício Turning Torso, na cidade sueca de Malmö, assinado por Calatrava. Trata-se de um espigão residencial de 54 andares que imita um tronco humano retorcido até 90 graus (ideia que surgiu a partir de uma escultura feita pelo arquiteto dez anos antes). Não raro, Calatrava é alvo de críticos que o acusam de repetir-se nas fórmulas – só de prédios com estruturas em formato de asa, criou três. Ele e seus colegas também são frequentemente atacados com argumentos como o do crítico americano Kenneth Frampton, professor da Universidade Colúmbia. Em seus artigos, Frampton afirma que o exagero gratuito nas formas por vezes compromete a funcionalidade, quando não o bom gosto.

Apreciem-se ou não, os prédios-esculturas têm se prestado à função de lançar luz sobre áreas decadentes e abandonadas – sendo às vezes decisivos na sua revitalização. Foi com o Museu Guggenheim, por exemplo, que a cinzenta e sem graça cidade de Bilbao, na Espanha, se tornou um fervilhante polo turístico. Em Lisboa, Calatrava deixou como legado a monumental Estação do Oriente, cuja cobertura está equilibrada sobre curiosas colunas que se assemelham a palmeiras. Quando surgiu, em 1998, a construção chamou atenção para uma área industrial até então degradada, ajudando a atrair para lá novos prédios residenciais e hotéis. Outro terminal concebido por Calatrava, este para a região onde ficava o World Trade Center, em Nova York, inclui um teto que tem a pretensão de imitar, por meio de enormes estruturas de aço, as mãos de uma criança segurando uma pomba – projeto que deve ser inaugurado em 2014 e que o espanhol apresentou tal como um show, fazendo vários rabiscos diante de uma plateia espantada. Seu museu para o Rio de Janeiro, uma parceria entre a prefeitura e a Fundação Roberto Marinho, surgiu como peça-chave de um ambicioso projeto de revitalização da empobrecida região do porto, prometida até a Olimpíada de 2016. A expectativa é que o gigantesco caule de vidro e aço debruçado sobre a Baía de Guanabara, de autoria de Calatrava, ajude a resgatar uma área que, antes próspera, é hoje um símbolo de decadência.

Fernando Alda/Corbis/Latin Stock
Edifício em movimento
O projeto do Museu do Amanhã (abaixo), que será erguido no Rio de Janeiro até 2012, é uma boa síntese da obra de Calatrava. Ali, veem-se as grandes dimensões típicas de seus prédios, estruturas em constante movimento e o desenho inspirado em formas da natureza – neste caso, o caule de uma planta, segundo ele. lá funcionará um museu dedicado à ciência e à tecnologia, orçado em 130 milhões de reais, em que o visitante terá experiências como um passeio virtual pelo universo e até pelas estruturas de uma célula.


Fotos Joseph Sohm/Corbis/Latin Stock e Divulgação
Gigantes de aço
O museu de Milwaukee, nos Estados Unidos (à esq.), e a ponte Alamillo,
em Sevilha (à dir.): junção da engenharia com a arquitetura.

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