Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 25, 2010

Lição de anatomia Celso Ming


O Estado de S. Paulo - 25/06/2010


Na mesa, o doente. Em volta dela, os maiorais da política mundial. Lembra a obra-prima de Rembrandt, Lição de Anatomia.

Há uma enorme ansiedade em torno do encontro de cúpula do Grupo dos 20 (G-20) que começa hoje em Toronto, no Canadá, porque a economia do planeta continua prostrada, como acaba de reconhecer oficialmente o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). A saída passa por importantes definições políticas e lá em Toronto estão os grandes líderes mundiais.

Os principais temas em discussão foram fartamente cantados em reuniões preparatórias: (1) O que é mais importante agora, derrubar as dívidas dos grandes, especialmente as da União Europeia, com reforço do aperto fiscal, ou aumentar as despesas públicas, inclusive dos mais endividados, para garantir a recuperação?; (2) A hora é de taxar os bancos e de uniformizar a regulação financeira ou é de manter relativamente solto o mercado?; (3) Como incrementar o consumo dos países emergentes, que hoje garantem dois terços do crescimento econômico global?

Divergências. Tão ou até mais importante do que a agenda em discussão são as divergências entre as potências econômicas. A União Europeia, mais particularmente a Alemanha e a França, elegeu como prioridade a derrubada das dívidas. Não há sustentabilidade no crescimento econômico que não se apoiar no equilíbrio fiscal, argumenta a chanceler alemã, Angela Merkel. Dívida grande demais, avisam as autoridades francesas, deixa os devedores à mercê dos credores e estes não se contentam com cobrar juros escorchantes que tendem a agravar o problema da dívida. Os credores são dados à chantagem. A qualquer momento podem se recusar a refinanciar a dívida de um país, como ameaça acontecer com Grécia, Portugal e Espanha.

Enquanto isso, as autoridades dos Estados Unidos, que há alguns dias distribuíam o mesmo catecismo da recessão e da austeridade, hoje querem que o resto do mundo não se deixe impressionar pelas dívidas e sigam despejando verbas públicas. "Temos que nos comprometer com reduzir os déficits de longo prazo, mas não ao preço de comprometer o crescimento imediato. Sem crescimento já, os rombos aumentarão ainda mais e solaparão o crescimento futuro", escreveram ontem, no Wall Street Journal, o secretário do Tesouro americano, Tim Geithner, e o diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, Larry Summers.

Novos impostos. Há certo consenso sobre a necessidade de taxar os grandes bancos. Mas há enormes divergências sobre a motivação e a forma de taxá-los. Na Europa, por exemplo, o buraco a preencher é de natureza fiscal. A criação de novos impostos sobre os bancos vem no bojo de projetos de aumento de arrecadação, como está acontecendo na Inglaterra e na França. Nos Estados Unidos, a ideia é arrancar dos bancos o retorno das despesas que o contribuinte teve com as operações de salvação dessas instituições.

O maior problema aí é que uma taxação dos bancos teria de ser universal e uniforme. Como os grandes bancos são globais, eles podem transferir a titularidade dos seus ativos para filiais mantidas em outros países e, assim, fugir à taxação. De mais a mais, qualquer um sabe que a saúde e a confiabilidade das instituições financeiras estão mais relacionadas com uma proporção adequada entre capital e aplicações (ativos) do que com a criação de novos impostos.

Quanto à expansão do consumo dos emergentes, o principal foco de atenção continua sendo a China. Os Estados Unidos e a Europa estão pressionando Pequim para apressar o processo de valorização de sua moeda para que, assim, eleve o poder aquisitivo do trabalhador e se criem condições para o aumento das exportações de manufaturados dos países ricos. Mas esse efeito pode ter baixo alcance. Muito provavelmente, o chinês incrementará, sim, seu consumo, mas o fará com compras de produtos fabricados lá mesmo, na China, e não nos demais países.

Seja qual for a forma final como se compuserem interesses tão divergentes, o mais importante é que cresce a percepção de que a economia mundial não pode ser administrada isoladamente, país por país. É preciso mais coordenação. Ainda que os resultados desejados sejam insignificantes, o fortalecimento do G-20 é parte de um processo inexorável de convergência de governanças.

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