O GLOBO - 20/06/10
Quando a Jabulani começou a rolar na África do Sul, a Fifa já tinha faturado só com direitos de transmissão quase quatro vezes o que se faturou pela transmissão das Olimpíadas de Inverno. Se é imprevisível a trajetória da nova bola, é certo o fato de que nada mobiliza mais pessoas pelo mundo do que o futebol, movimentando a economia com números astronômicos
Uma comparação feita pelo FastCompany.com mostra que o Tour de France, famosa corrida de bicicletas, é transmitida por 118 canais em 186 países; a Copa do Mundo vai ao ar por 376 canais em 214 países. O futebol tem sete vezes mais audiência que uma final do Super Bowl. Tentam se classificar para uma Copa, times de 204 países, o mesmo que numa Olimpíada, só que a mobilização é em torno de um único esporte, nos Jogos Olímpicos são 28 esportes.
Insuperável, arrebatador, inclusivo, o futebol, que os brasileiros amam, derruba até as fronteiras do mais isolado dos países, a Coreia do Norte. E se seus jogadores entram no campo marchando, quase com o passo de ganso dos seus milhões de soldados, eles são capazes até de fazer gol no mais temido dos adversários, o Brasil, o único pentacampeão.
As novas supercâmeras captam movimentos de beleza extrema no quase bailado de certas jogadas. A imigração para a Europa se vê nas cores misturadas de times antes tão monocromáticos.
O inesperado se constata em derrotas como a que teve, diante do México, a França, os poderosos Les Bleus dos quais guardamos certas mágoas; ou a vitória da economicamente destroçada Grécia sobre a Nigéria.
Mesmo assim, permanece misterioso o motivo do magnetismo do esporte que começa a vencer a barreira até do mais resistente dos países, os Estados Unidos, onde a imprensa já se pergunta por que eles chamam o esporte de soccer.
Pois é. Não faz mesmo sentido algum contrariar o mundo inteiro, mesmo sendo a maior economia.
E por falar em economia, que é o tema natural desse espaço, a Copa do Mundo de 2010 chega num momento em que o continente africano começou a derrubar mitos. A "Economist" admite seu erro. Há 10 anos escreveu "África, o continente sem esperança". Agora constata que de 2000 a 2008, a África cresceu em média 4,9% ao ano, o dobro da década anterior e mais que a média do resto do mundo, 3,8%. O Investimento Estrangeiro Direto saiu de magros US$ 10 bilhões ao ano para US$ 88 bilhões, mais que a Índia, quase os US$ 108 bi da China. As receitas das 500 maiores empresas no continente cresceram 8,3% ao ano desde 1998, segundo The Boston Consulting Group.
A China explorando os imensos recursos naturais da África é uma das razões, mas o Brasil também tem surfado na mesma onda, a ponto de a Odebrecht hoje ser um poder para além das suas especialidades em países como Angola e Moçambique. No esforço para se organizar, o governo moçambicano tem atribuído à empresa brasileira cada vez mais tarefas. Petrobras, Vale também crescem no continente.
Sediar uma Copa do Mundo traz um crescimento de 0,3% ao ano para o país, segundo medição da experiente Alemanha. O economista Cláudio Felisoni, da USP, especialista em mercado de consumo, disse que o impulso às compras que uma copa produz atinge as economias em geral.
O consumidor vai ao mercado pela TV nova — cujas vendas este ano crescem 20% — e aproveita para adquirir outras necessidades.
Sem falar na cerveja para acompanhar os inquietantes momentos como os que teremos hoje contra a Costa do Marfim.
Os economistas se esforçam para entrar na conversa dominante inventando medições duvidosas. Uma delas é do ABNAmro que inventou uma tese que, a começar, tem o equivocado nome de Soccernomics. O estudo deles sustenta que país que ganha a Copa tem um impulso econômico de 0,7% do PIB. O otimismo pode elevar o consumo, mas olhando para a nossa história, a gente constata que em 1958 o Brasil crescia pela força do desenvolvimentismo juscelinista; em 1962, já foi um ano mais estranho, de crise política. Em 1970, era o começo do milagre econômico. Em 1994, era o Plano Real. Em 2002, o país estava num difícil ano de incerteza econômica e assim ficou mesmo depois dos fogos da comemoração. Na inesquecível derrota de 1982, o que bateu a economia não foi a temida Azzura, mas sim a economia do México, que quebrou arrastando o Brasil e a América Latina para a década em que perdemos mais do que aquele jogo doloroso. Se na década perdida conquistamos a democracia, daquele 3 a 2 ficou apenas a dor incurável de quem tinha uma seleção brilhante e precisava apenas do empate.
As alegrias também são inesquecíveis, mas essa coluna tentou falar de economia e se não conseguiu inteiramente foi pelo magnetismo do futebol. O que nos espera em 2014 é ser a sede da Copa. O economista Francisco Baroni, do núcleo de esportes da FGV, lembra que essa vantagem econômica de investir, superar gargalos logísticos e colher os dividendos econômicos de sediar o evento esportivo pode ser perdida.
É, tudo se perde se não tivermos estratégia, esquema tático e se o time não correr em campo. O gol da Coreia do Norte na nossa rede, a exclusão do Morumbi de 2014 ensinam que é preciso aproveitar melhor a oportunidade de cada momento.
Na preparação de 2014, não valem treinos secretos.
O país tem que se preparar de forma transparente e urgente para ganhar na economia a chance aberta pela vantagem de sediar o Mundial do mais amado e global dos esportes. E hoje? Hoje é só torcer por nós.