Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 23, 2010

Projeção externa do Brasil Rubens Barbosa

Rubens Barbosa - O Estado de S.Paulo
Ao buscar convencer o Irã a assinar um acordo sobre o reprocessamento
de urânio, com o objetivo de afastar suspeitas sobre um programa
nuclear militar, o Brasil chamou a atenção para a sua disposição de
influir para além dos limites da América do Sul.

Com o fim do unilateralismo, vêm surgindo novos polos de poder no
mundo, que a crise econômica se encarregou de acelerar. E o Brasil foi
um dos países que mais se beneficiaram dessa nova desordem
internacional.

Como entender a crescente projeção externa do Brasil? E que fatores
podem explicar o espaço que o País está conquistando no mundo?

Em primeiro lugar, há vários fatores internos. O mais importante é a
estabilidade política e econômica alcançada ao longo dos últimos 16
anos. Ao mesmo tempo que a democracia e as instituições foram
fortalecidas, o Brasil cresceu a taxas mais elevadas, resultado da
continuidade de políticas que mantiveram a inflação baixa e estável, a
situação fiscal sob controle e o câmbio flutuante. Houve significativa
redução da pobreza e 31 milhões de pessoas ingressaram na classe
média, trazendo uma rápida expansão do mercado consumidor.

A liberalização comercial e a internacionalização das empresas
brasileiras são exemplos de como a nossa economia se modernizou. A
diversificação do setor industrial e de serviços acompanhou o grande
crescimento do setor agrícola, altamente competitivo e com marcante
presença no mercado internacional. Pela diversificação de seu comércio
exterior, o Brasil considera-se hoje um "global trader".

A estabilidade, somada a um atraente mercado doméstico em expansão,
contribuiu para que o Brasil venha sendo percebido de forma cada vez
mais positiva. A redução do risco País e a concessão do grau de
investimento pelo setor financeiro muito reforçaram as projeções
favoráveis sobre a economia brasileira.

A reorganização produtiva global colocou a China e o Brasil como
motores do crescimento da produção de bens industriais e agrícolas. Os
dois países são, em grande parte, responsáveis pela cada vez maior
presença dos mercados emergentes no cenário internacional.

Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, nossos dois
últimos presidentes, cada um ao seu estilo e por seus contatos no
exterior, história de vida e facilidade de interagir com os demais
chefes de Estado, contribuíram para aumentar a visibilidade do Brasil
no exterior.

A voz do Brasil não pode mais ser ignorada nos temas globais de
interesse dos países desenvolvidos, como comércio exterior, mudança de
clima e meio ambiente, energia (biocombustível e petróleo), segurança
alimentar, água e direitos humanos. O Bric, que juntou o Brasil, a
China, a Rússia e a Índia num só bloco, tornou-se uma das grandes
novidades no cenário internacional nos últimos anos.

O tradicional envolvimento da diplomacia brasileira em organismos
multinacionais acentuou a imagem do País como formador de consensos e
negociador isento. A harmonia étnica e religiosa e o papel de
moderador que o Brasil exerce na conturbada América do Sul também
passaram a chamar atenção no mundo.

O maior ativismo da política externa do governo Lula na América do
Sul, na África e no Oriente Médio, em virtude da prioridade atribuída
ao relacionamento com os países do Sul (relações Sul-Sul) resultou na
crescente presença externa do Brasil como potência regional com
capacidade de atuação regional e global.

Ao contrário dos outros membros do Bric, o Brasil não tem capacidade
nuclear. Esse fato, associado às posições independentes na defesa de
seus interesses, permitiu ao governo brasileiro margem de manobra nas
suas incursões em disputas até aqui reservadas exclusivamente aos
países desenvolvidos.

O Brasil também se engajou na reforma da governança global. No âmbito
do G-20, mecanismo de consulta que gradualmente vem substituindo o
G-8, o País tem sido uma voz estridente a favor da maior participação
dos países emergentes no Banco Mundial e no Fundo Monetário
Internacional (FMI). O País vem há vários anos defendendo uma ampla
reforma dos mecanismos econômicos e políticos da ONU e sugerindo a
ampliação do número de membros permanentes e não-permanentes do
Conselho de Segurança, de modo a que haja maior peso e
representatividade no diretório que zela pela paz e pela segurança
internacional.

Por esses motivos, internos e externos, o Brasil de hoje, confiante e
afirmativo, procura ampliar a sua atuação externa. Nesse contexto, o
Mercosul, sob o aspecto comercial, e a América Latina, do ponto de
vista político, estão ficando pequenos para os interesses globais do
nosso país.

O Brasil depende apenas de vontade política para fazer as reformas
estruturais ? tributária, política, da Previdência Social e
trabalhista ? e completar o seu processo de modernização. Essas
reformas são necessárias para permitir o nosso grande salto para a
frente, que poderá elevar-nos, nos próximos 15 anos, à categoria de
superpotência econômica global, segundo previsão de alguns governos e
instituições, como o National Intelligence Council, do Departamento de
Defesa dos EUA.

O apressado desejo de protagonismo internacional para fins de política
interna eleitoral põe em xeque alguns dos pressupostos mencionados.
São equívocos de nossa política externa que podem vir a prejudicar um
caminho de afirmação madura no mundo, que uma bem-sucedida realização
da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos poderiam estimular ainda mais.

A correção desses desvios será necessária para que a voz do Brasil
seja ouvida de forma crescente e com seriedade no palco mundial.

EX-EMBAIXADOR EM WASHINGTON (1999-2004)

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