Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, maio 18, 2009

Suely Caldas O dilema da Infraero

10/05/2009

Os desdobramentos da decisão do governo Lula de limpar a Infraero, livrá-la da influência política, prepará-la para abrir capital e privatizar alguns aeroportos escancaram o que há escondido por trás do interesse de certos governantes de se negar a abrir mão de empresas estatais. Desconfie, caro leitor, de candidatos que, em campanha eleitoral, demonizam a privatização - discursos bravateiros mascaram a verdadeira intenção de usar as estatais para atender a objetivos políticos, pessoais e de poder para financiar campanhas eleitorais.

Do loteamento político a que o governo Lula submeteu o Estado brasileiro a Infraero foi uma das estatais mais violentadas: o Tribunal de Contas da União e a CPI do Apagão Aéreo encontraram licitações fraudadas, operações superfaturadas, compras fictícias e várias outras irregularidades nas obras de construção de aeroportos Brasil afora. A diretoria da Infraero inteira era rateada por partidos aliados do governo e, como de hábito, o PMDB era maioria.

Qual investidor privado, disposto a impor gestão profissional e eficiente para obter lucros, vai se interessar por uma empresa comandada por políticos interessados em tirar lascas de um orçamento de R$ 1,3 bilhão para seus partidos? Como não há esse investidor, restaram ao ministro Nelson Jobim (ironicamente um peemedebista) duas opções: ignorar as consequências e nada fazer, deixando a Infraero sob o desmando desses políticos; ou livrar-se deles, profissionalizar a gestão, demitir apaniguados e abrir caminho para captar recursos privados com a venda de ações da empresa nas bolsas de valores e a privatização dos Aeroportos de Viracopos (Campinas) e Tom Jobim (Rio de Janeiro).

O ministro Jobim fez a escolha certa. Tão certa que a extinção de uma centena de cargos comissionados (os protegidos dos políticos que, de tão inúteis, nem substituídos serão) vai representar ao Tesouro uma economia de R$ 19,5 milhões, que podem vir a ser aplicados em saúde, educação e saneamento. Essa foi uma escolha certa. Escolhas erradas são muitos dos gastos correntes do governo, que fazem encolher os investimentos públicos.

Privatizar estatais já foi ação identificada com o ideário liberal nos anos 80, quando a primeira-ministra da Inglaterra, Margaret Thatcher, deu a partida. Na América Latina perdeu o sentido ideológico e se transformou em pragmático instrumento de proteção da população contra políticos que querem se dar bem. Já imaginou, caro leitor, se as empresas de telefonia, as distribuidoras elétricas, os bancos estaduais e as siderúrgicas continuassem, hoje, estatais? Quantas centenas, milhares de protegidos políticos estariam extraindo vantagens para seus partidos? E suas gestões desastrosas? Será que teríamos mais de 100 milhões de telefones celulares e outros milhões de fixos? População de baixa renda com acesso ao telefone? E bancos estaduais e distribuidoras elétricas? Certamente estariam ainda hoje suprindo dinheiro para campanhas eleitorais dos governadores e seus aliados.

Depois das privatizações no governo FHC, sobraram quatro bancos e uma distribuidora elétrica em poder dos governadores, e mais seis elétricas estaduais sob intervenção da Eletrobrás. Os bancos e a elétrica administrados pelos governos estaduais registram prejuízos todos os anos. Das seis sob intervenção da Eletrobrás, três continuam no passivo e três passaram a dar lucro em 2008, depois que essa estatal nomeou uma única diretoria para todas, tirando dos governadores o poder sobre a gestão e a indicação de cargos de comando.

Lamentavelmente, nessa questão, o governo Lula despertou tarde. Por puro preconceito político contra as privatizações, perdeu muito tempo tentando atrair investimento privado por meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs), que não decolaram pela incompetência do governo em formatar projetos viáveis. Aproveitando-se da falta de informação de boa parte dos eleitores, na campanha de 2006 Lula demonizou as privatizações para atacar o adversário. Este, em vez de reagir, caiu na cilada. Reeleito, Lula se rendeu, mudou de lado, traiu seu discurso de campanha e começou a privatizar rodovias. Agora parte para vender aeroportos. Ainda bem, mas já poderia estar colhendo frutos se o preconceito ideológico não atrapalhasse.

As obras no Aeroporto Tom Jobim já poderiam estar bem adiantadas ou até concluídas, influenciando favoravelmente a decisão, a ser anunciada em 2 de outubro deste ano, de o Rio de Janeiro sediar as Olimpíadas de 2016.

Enrascada - Nas duas últimas reduções da taxa Selic, o presidente Lula veio a público garantir que o pequeno poupador não seria prejudicado no rendimento de sua aplicação em Caderneta de Poupança - 6% ao ano mais Taxa Referencial (TR) -, que seria inteiramente preservado. Nas reuniões com ministros da área econômica, Lula tem reiterado que encontrem uma fórmula que sustente a promessa. Mas a ata da última reunião do Copom, divulgada na quinta-feira, foi fulminante no recado: para a Selic continuar caindo nas próximas reuniões, o Ministério da Fazenda terá de encontrar urgentemente uma solução para a poupança.

O presidente terá de optar entre cumprir a promessa ou dar continuidade à queda da Selic. Evidentemente, a Selic tem um efeito multiplicador em toda a economia e na retomada do crescimento do produto interno bruto (PIB), que tanto Lula e os brasileiros querem ver ressurgir o mais rápido possível. O que não ocorre com a poupança. Precavido e descrente, o pequeno poupador não confiou muito na promessa de Lula e há dois meses vem sacando seu dinheiro e migrando para outras aplicações, temendo mudanças que o prejudiquem.

Como sempre, o presidente se precipitou, agiu politicamente, falou para a plateia e agora terá de se explicar caso o ministro Mantega fracasse na missão de encontrar a fórmula mágica de não mexer na poupança.


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