O GLOBO
Merecer a sensação de alívio, merecemos. Mas jornalista de economia que já viu muita crise, e nenhuma tão complexa, cumpro o doloroso dever de dizer que esta crise continua. A bolsa sobe, o dólar cai, o risco despenca, alguns setores puderam comemorar um bom trimestre. Mas aumentam riscos fiscais no Brasil, o mundo encolhe e o mercado de capitais vive euforia descolada da economia real.
O maior exemplo de como a economia vive em dois tempos distintos é a Alemanha.
Em abril, a bolsa alemã subiu 16,8%, e o país está caminhando para uma recessão que pode ser de 6% neste ano de 2009, porque é dependente do comércio internacional, que está vivendo um ano de forte encolhimento.
A Bovespa já subiu 41,8% desde 2 de março, o menor patamar de 2009, e 74,6% desde o piso desta crise, em 27 outubro de 2008. Eu perguntei ao presidente do BC, Henrique Meirelles, se estava havendo uma exuberância irracional. Ele não quis “corrigir” o mercado.
— É sempre difícil julgar até que ponto o mercado está exagerando. Ele tenta não perder o “timing”. Saber exatamente qual é o fundo de um vale é uma maravilha para qualquer investidor. O ano de maior recuperação da bolsa em 1929 foi um ano de recessão.
A bolsa não é termômetro.
Na crise de 29 houve quatro movimentos de alta forte antes que a economia se recuperasse de forma sustentada.
Mas e o dólar, que já caiu 18,5% desde o pico desta crise? E o risco país, que despencou 370 pontos? E a ata do Copom, que avisou que os juros vão cair mais do que o mercado projeta? Segundo o economista José Márcio Camargo, dois fatores fizeram o real se valorizar.
Primeiro, as importações estão caindo mais que as exportações. As vendas se beneficiam de recuperação localizada de alguns produtos, como soja e minério. As compras mais fracas são um indicador do baixo nível de atividade. O segundo fator, segundo Camargo, é que o G20 elevou o capital para empréstimo e isso aumentou a ida dos investidores para os emergentes. O que derruba o risco país.
— Os países desenvolvidos estão vivendo um momento de redução de intensidade da queda, mas não uma recuperação. Aqui no Brasil estamos num momento de estabilidade, mas a taxa de desemprego vai continuar crescendo, os salários vão continuar caindo e a inadimplência tornará o crédito mais difícil.
O subtexto da ata do Copom, ao dizer que “a estrutura a termo de taxa de juros não incorporou a melhora do cenário de inflação”, mostra que as pressões inflacionárias estão mais fracas pelo simples motivo de que o nível de atividade está bem mais fraco e que a capacidade ociosa da indústria vai continuar alta.
Há um fator complicador, na visão do economista Luiz Roberto Cunha, que é a questão fiscal. A arrecadação está em queda, o relaxamento fiscal de 2009 vai ser aprofundado no ano que vem pela disputa eleitoral e os preços podem subir por causa do fim da suspensão do IPI. Há um cenário em que, apesar do baixo nível de atividade, a inflação talvez resista a cair.
— Dentro desse cenário, que não é improvável, a margem de manobra para o Banco Central reduzir juros ficaria menor. Por isso, existem economistas ainda resistentes em diminuir as projeções de juros para o ano que vem (mesmo após o alerta da ata) — explicou.
Semanalmente criam-se despesas extras para o contribuinte brasileiro. Ou são bondades do Executivo, ou lobbies aceitos pelo Legislativo, ou decisões da Justiça.
O expansionismo fiscal continua a todo o vapor, como se o bolso de quem paga impostos no Brasil fosse elástico.
Na aprovação da MP 449, a Câmara pendurou um trem da alegria dos não pagadores de impostos no Brasil.
O novo Refis, o quarto, prevê que a dívida será corrigida ou pela TJLP ou por 60% da Selic. Como o Tesouro paga taxa Selic, a medida significa um subsídio, mais um, aos devedores do governo.
Ao todo, o Bolsa Refis 4.0 custará R$ 5 bilhões.
Enquanto o governo iludia a plateia com a queda da dívida líquida do setor público — que cai, em parte, porque as reservas subiram e a dívida externa caiu — o que é realmente relevante foi o que aconteceu com a dívida interna bruta do setor público, que saiu de 40% do PIB em 2004 para 60% em fevereiro de 2009 — a maior parte dessa elevação aconteceu enquanto a arrecadação subia. Uma espantosa administração fiscal.
No cenário externo está tudo como dantes. A economia americana continua em recessão, os consumidores estão mais resistentes a voltar a consumir pela sensação de que empobreceram, os bancos permanecem quebrados. A divulgação do teste de estresse não foi nada mais do que um show muito bem administrado. O governo americano foi dando notícias a conta gotas, como explicou Mônica de Bolle, da Galanto Consultoria, como forma de evitar uma reação à notícia quando ela, enfim, foi divulgada. Mas ao contrário da versão oficial de que os bancos “passaram”no teste, a informação realmente relevante é que os maiores bancos americanos têm ainda que digerir perdas que a auditoria do Fed e do Tesouro calcula em US$ 600 bilhões. Isso depois de tudo o que já jogaram nas costas do contribuinte americano.Ainda é cedo para dizer que a crise está ficando para trás; cedo para comemorações.
O governo poderia ver isso, se não estivesse tão ocupado com a campanha eleitoral de 2010.
Merecer a sensação de alívio, merecemos. Mas jornalista de economia que já viu muita crise, e nenhuma tão complexa, cumpro o doloroso dever de dizer que esta crise continua. A bolsa sobe, o dólar cai, o risco despenca, alguns setores puderam comemorar um bom trimestre. Mas aumentam riscos fiscais no Brasil, o mundo encolhe e o mercado de capitais vive euforia descolada da economia real.
O maior exemplo de como a economia vive em dois tempos distintos é a Alemanha.
Em abril, a bolsa alemã subiu 16,8%, e o país está caminhando para uma recessão que pode ser de 6% neste ano de 2009, porque é dependente do comércio internacional, que está vivendo um ano de forte encolhimento.
A Bovespa já subiu 41,8% desde 2 de março, o menor patamar de 2009, e 74,6% desde o piso desta crise, em 27 outubro de 2008. Eu perguntei ao presidente do BC, Henrique Meirelles, se estava havendo uma exuberância irracional. Ele não quis “corrigir” o mercado.
— É sempre difícil julgar até que ponto o mercado está exagerando. Ele tenta não perder o “timing”. Saber exatamente qual é o fundo de um vale é uma maravilha para qualquer investidor. O ano de maior recuperação da bolsa em 1929 foi um ano de recessão.
A bolsa não é termômetro.
Na crise de 29 houve quatro movimentos de alta forte antes que a economia se recuperasse de forma sustentada.
Mas e o dólar, que já caiu 18,5% desde o pico desta crise? E o risco país, que despencou 370 pontos? E a ata do Copom, que avisou que os juros vão cair mais do que o mercado projeta? Segundo o economista José Márcio Camargo, dois fatores fizeram o real se valorizar.
Primeiro, as importações estão caindo mais que as exportações. As vendas se beneficiam de recuperação localizada de alguns produtos, como soja e minério. As compras mais fracas são um indicador do baixo nível de atividade. O segundo fator, segundo Camargo, é que o G20 elevou o capital para empréstimo e isso aumentou a ida dos investidores para os emergentes. O que derruba o risco país.
— Os países desenvolvidos estão vivendo um momento de redução de intensidade da queda, mas não uma recuperação. Aqui no Brasil estamos num momento de estabilidade, mas a taxa de desemprego vai continuar crescendo, os salários vão continuar caindo e a inadimplência tornará o crédito mais difícil.
O subtexto da ata do Copom, ao dizer que “a estrutura a termo de taxa de juros não incorporou a melhora do cenário de inflação”, mostra que as pressões inflacionárias estão mais fracas pelo simples motivo de que o nível de atividade está bem mais fraco e que a capacidade ociosa da indústria vai continuar alta.
Há um fator complicador, na visão do economista Luiz Roberto Cunha, que é a questão fiscal. A arrecadação está em queda, o relaxamento fiscal de 2009 vai ser aprofundado no ano que vem pela disputa eleitoral e os preços podem subir por causa do fim da suspensão do IPI. Há um cenário em que, apesar do baixo nível de atividade, a inflação talvez resista a cair.
— Dentro desse cenário, que não é improvável, a margem de manobra para o Banco Central reduzir juros ficaria menor. Por isso, existem economistas ainda resistentes em diminuir as projeções de juros para o ano que vem (mesmo após o alerta da ata) — explicou.
Semanalmente criam-se despesas extras para o contribuinte brasileiro. Ou são bondades do Executivo, ou lobbies aceitos pelo Legislativo, ou decisões da Justiça.
O expansionismo fiscal continua a todo o vapor, como se o bolso de quem paga impostos no Brasil fosse elástico.
Na aprovação da MP 449, a Câmara pendurou um trem da alegria dos não pagadores de impostos no Brasil.
O novo Refis, o quarto, prevê que a dívida será corrigida ou pela TJLP ou por 60% da Selic. Como o Tesouro paga taxa Selic, a medida significa um subsídio, mais um, aos devedores do governo.
Ao todo, o Bolsa Refis 4.0 custará R$ 5 bilhões.
Enquanto o governo iludia a plateia com a queda da dívida líquida do setor público — que cai, em parte, porque as reservas subiram e a dívida externa caiu — o que é realmente relevante foi o que aconteceu com a dívida interna bruta do setor público, que saiu de 40% do PIB em 2004 para 60% em fevereiro de 2009 — a maior parte dessa elevação aconteceu enquanto a arrecadação subia. Uma espantosa administração fiscal.
No cenário externo está tudo como dantes. A economia americana continua em recessão, os consumidores estão mais resistentes a voltar a consumir pela sensação de que empobreceram, os bancos permanecem quebrados. A divulgação do teste de estresse não foi nada mais do que um show muito bem administrado. O governo americano foi dando notícias a conta gotas, como explicou Mônica de Bolle, da Galanto Consultoria, como forma de evitar uma reação à notícia quando ela, enfim, foi divulgada. Mas ao contrário da versão oficial de que os bancos “passaram”no teste, a informação realmente relevante é que os maiores bancos americanos têm ainda que digerir perdas que a auditoria do Fed e do Tesouro calcula em US$ 600 bilhões. Isso depois de tudo o que já jogaram nas costas do contribuinte americano.Ainda é cedo para dizer que a crise está ficando para trás; cedo para comemorações.
O governo poderia ver isso, se não estivesse tão ocupado com a campanha eleitoral de 2010.