Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 20, 2009

Miriam Leitão Carne forte

O GLOBO
Em toda fusão que forma uma empresa com grande poder de mercado aparecem dois argumentos: o de que o Brasil precisa de grandes empresas nacionais e o de que as sinergias impedirão as demissões. Depois todas demitem, e a Ambev virou belga. Nildemar Secches, da Perdigão, e Luiz Furlan, da Sadia, garantem que no caso da Brasil Foods será diferente.



Furlan pede que não se compare esse caso com o da Brahma-Antarctica, que criou a Ambev.



— Não vale a comparação.



Nós temos 50 mil acionistas brasileiros, pessoas físicas e jurídicas, bem implantados no Brasil. Quantas latinhas elas vendiam no exterior antes de se juntar? Nenhuma. Quanto nós vendemos? Cerca de US$ 5 bilhões em 110 países, 45% do faturamento.



Tanto Nildemar quanto Furlan, com os quais eu falei ontem, usam o argumento da necessidade de formação de grandes grupos nacionais.



— País sem marca não tem futuro. Todos os países emergentes nos últimos anos investiram na formação de grandes empresas nacionais.



Veja só o que a Espanha fez com a Telefónica e o Santander — diz Furlan.



O fato é que, por mais que o país queira e precise de grandes empresas, o argumento nacionalista não pode justificar negócios, nem flexibilizar regras. Nildemar garante que não é isso que o novo grupo quer.



— Vamos respeitar todas as regras do Cade e manter as operações segregadas até o julgamento do caso.



Temos argumentos técnicos para defender a operação da crítica de concentração de mercado. Em alguns setores, como frango in natura, pode chegar a 30%. Mas não haverá grande concentração.



Segundo eles, o mercado brasileiro tem pelo menos 30% de informalidade e, por isso, eles não estão nos dados oficiais de participação de mercado. Dizem que querem é crescer internamente nos segmentos de processados e derivados de carne, aumentando a base de consumidores.



— Nos EUA, esse segmento tem 40% do mercado de carnes, aqui, tem 15% — conta Nildemar.



Furlan lembra que o Brasil tem espaço para crescer através da inclusão de novos consumidores, e diz que a empresa sempre apostou nisso.



— Nossa fábrica em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, tem capacidade de produzir 450 mil quilos por dia de alimentos. Precisamos de pelo menos um milhão de consumidores para tudo isso — diz Furlan.



Eduardo Roche, chefe de análise da Modal Asset, acha que a Perdigão pagou um preço justo pela Sadia, cerca de R$ 6,04 por ação. Mas ele acha que até o fim de julho, prazo para o lançamento de ações, esse valor pode ser um pouco prejudicado. Ele conta que ainda está sendo avaliado pelo mercado o valor da sinergia das empresas, com estimativas entre R$ 2 bilhões a R$ 4 bilhões.



Haverá concentração forte em alguns segmentos, como aves, embutidos e congelados.



Mas é difícil saber como será a postura do Cade. O Brasil não tem uma jurisprudência lógica no assunto. O mesmo órgão que impôs à Colgate a punição de tirar a marca Kolynos do mercado por quatro anos foi o que aceitou a fusão da Antarctica e da Brahma, que gerou mais concentração do que na pasta de dente. Depois, o Cade interferiu na compra da Garoto pela Nestlé.



Segundo uma advogada especializada em Direito Concorrencial, o processo de análise dos impactos que a fusão terá sobre os consumidores deve levar cerca de um ano, até a decisão do Cade. Essa demora é prejudicial aos consumidores porque a união acaba virando fato consumado. E, além disso, o sistema brasileiro de defesa da concorrência é lento e tem instâncias demais.



O que a Sadia e a Perdigão terão que fazer agora é definir em quais segmentos possuem produtos em comum e quais são as participações de mercado de cada empresa. Depois disso, a Secretaria de Acompanhamento Econômico e a Secretaria de Direito Econômico emitirão pareceres sobre os dados apresentados pelas empresas. Só então o Cade decidirá.



Os dois executivos garantem que não se pensa em demissões e, sim, em contratações.



Mas isso é dito inicialmente por todos os grupos que se fundem, ou em todos os casos de compra de uma empresa por outra. Para sustentar suas afirmações, Nildemar e Furlan dizem que eles querem é crescer, aumentando a presença nos mercados internacional e nacional, e apostando tanto em novos hábitos de consumo, quanto em novos consumidores.



— Isso se faz investindo, e não fechando fábricas. O fechamento tem um impacto violento. Vamos mandar gente para fora pra burro, para abrir mercados. Já estamos em 110 países, e os dois grupos juntos têm fábricas na Holanda, Inglaterra, Rússia, Romênia — diz Nildemar.



Outro clássico movimento nestes momentos é embrulharse na bandeira nacional e pedir um dinheiro subsidiado ao BNDES, para consolidar a operação em nome do Brasil grande. A nova empresa garante que vai fazer uma oferta inicial de ações e que o BNDES pode até subscrever, mas não há um pedido especial ao banco. O tempo dirá se essa será uma operação diferente das outras



oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br COM LEONARDO ZANELLI e ALVARO GRIBEL

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