Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 05, 2009

lan Goldfajn - Após o furacão

O GLOBO

Às vezes, encontrar um amigo num evento público ou um brasileiro no exterior dá a sensação de alívio. É o conhecido, no meio do incerto. Os investidores têm tido esse comportamento.

Nas últimas semanas, o alívio tem dominado o pânico nos mercados financeiros. Após meses caminhando para um futuro desconhecido e provavelmente diferente do passado, os investidores estão se deparando com uma incipiente recuperação, que tem características surpreendentemente conhecidas. O consumo americano voltou a crescer, o investimento na China tem sustentado uma recuperação inicial na Ásia e a alavancagem financeira está de volta em Wall Street, nos programas do governo americano. A recuperação baseada nos vícios do passado anima o presente.

Nas últimas semanas, a possibilidade de um cenário de queda livre da atividade mundial foi gradativamente sendo afastada. Após uma queda brusca no último trimestre do ano e a continuidade das perdas nos primeiros meses deste ano, há sinais recentes de melhora. Para alguns, é o começo da recuperação da economia global, para outros, é apenas o fim da piora. De qualquer forma, ambas as visões animam os mercados.

Para a frente há várias possibilidades.

Os mais céticos duvidam desse ânimo recente nos mercados financeiros.

Acreditam que o pior ainda está por vir, haverá mais queda pela frente. Os problemas encontrados no sistema financeiro mundial, e consequentemente na economia global, são sérios e não há solução clara à vista. O montante das perdas é maior que o tamanho da soma dos pacotes de incentivo dos governos.

Os mais otimistas animam-se com os dados recentes e com a subida dos mercados. Não só o pior já passou, mas o futuro à frente é animador.

Projetam uma recuperação sólida que mantém ou intensifica seu ritmo.

Baseiam sua análise na força dos estímulos fiscais dos governos (pacotes), mas também nos estímulos monetários (juros a taxa zero ou muito baixos no mundo). Além disso, animamse com a força de recuperação da economia da China e o que isso significa para o resto da Ásia e, portanto, para o mundo.

Uma visão intermediária é que, de fato, o pior já passou, mas a recuperação será lenta. A razão para essa visão desalentadora é que a economia global precisa de um ajuste relevante, o que pode limitar a capacidade de crescimento no futuro. Há um consenso de que o crescimento do consumo americano fosse insustentável e que deveria retrair-se. E que deveria ser substituído pelo consumo em outros países do mundo, como na China, que poupa demais e investe exageradamente. Há também um consenso de que o sistema financeiro mundial — baseado em excesso de alavancagem e garantias (implícitas) do governo — tenha inchado demais.

Mas o ajuste necessário parece que tomou um descanso. Apesar da perda de riqueza, falta de crédito e alta do desemprego, o consumo americano voltou a crescer já no primeiro trimestre deste ano (contribuição de 1,5% para o crescimento) e projetase que continue nessa trajetória no resto do ano, em parte sustentado pelo estímulo proveniente do pacote fiscal. O investimento tem sido um componente fundamental para a recuperação da economia chinesa, voltando a crescer quase 40% ao ano. Finalmente, o pacote de estímulo governamental à compra de ativos por parte dos investidores baseia-se na volta da alavancagem, cujas possíveis perdas estão garantidas pelo governo.

O objetivo é sustentar os preços dos ativos tóxicos para ajudar a recuperação. O ânimo vem da volta da alavancagem, com garantia do dinheiro alheio.

Em suma, para alguns, é o começo do fim da recessão, para outros, é o fim de um começo difícil em direção a um período novo pela frente. De qualquer forma, há um ânimo com a menor possibilidade de um cenário de queda livre. O interessante é que esse ânimo está baseado, em parte, na volta aos vícios do passado — consumo americano mais forte, investimento chinês exagerado e o retorno da alavancagem com garantias governamentais. Mas o ajuste ainda virá, talvez num ritmo mais lento e menos doloroso do que vivenciamos recentemente.

ILAN GOLDFAJN é economista-chefe do Itaú Unibanco.

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